Atento e forte
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1964 – O ano que não acabou
Publicado em 01 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia
Rian Santos
Os livros de História não deixam mar- gem para dúvida. Em 1964, a cúpula militar verde e amarela pegou carona na paranoiainflada pela guerra friae aplicou um golpe de Estado clássico, com a dissolução do congresso e a suspensão das liberdades civis, coletivas e individuais. Sob o pretexto de salvara brava gente dos horrores do comunismo, fez-se de tudo. A censura, a tortura, eram feijão com arroz.
Em Sergipe, no entanto, apesar da liberdade pouca, o pau cantou mesmo foi no carnaval de 1976. A Operação Cajueiro deixou uma marca indelével na história política do estado. Milton Coelho, personagem involuntário de um verdadeiro circo de horrores, o sabe bem.
Milton Coelho concorda com o jornalista Zuenir Ventura, para quemo ano de 64 ainda não acabou, e argumenta que não é possível admitir mácula de sombra sobre a História.
"Eu sou partidário de que é preciso identificar todas as ocorrências. É preciso identificar todos os que participaram daquelas atrocidades para que as novas gerações sejam municiadas e não permitam que tudo se repita".
As atrocidades que Milton Coelho menciona eram praticadas com método. Ele conta que os jagunços envolvidos no desbaratamento da célula sergipana do Partido Comunista Brasileiro (PCB), objetivo maior da Operação Cajueiro, se esmeravam numa espécie de ritual.
"Quando levados pelos sequestradores e entregues aos responsáveis pela fase que antecedeu a formalização do Inquérito Policial Militar, os presos políticos, que na maioria já tinha uma borracha circulando os olhos, receberam "tratamento" de impacto, começando pela troca da roupa que vestiam por um macacão com um número no peito e um capuz. Aqueles que eram considerados mais comprometidos na organização da resistência à ditadura militar receberam o que era chamado de "tratamento especial", incluindo torturas com a cabeça submergida em depósito com água, por várias vezes, pontapés nas costelas, choques elétricos nas mãos e no pênis, além da ameaça de assassinato, quando, circulando uma corda nos tornozelos do preso, afirmavam que iriam suicidá-lo".
O próprio Milton foi vítima de tortura e carrega na carne as marcas da violência. Além de ganhar cicatrizes e ter uma costela quebrada, ele foi condenado a tatear o mundo pelo resto de seus dias. A retina deslocada, responsável por uma deficiência visual que até hoje não conheceu cura, lhe impôs prejuízos econômicos e dificuldades pessoais.
Atento e forte, no entanto, Milton acompanha as transformações da conjuntura política e acredita que, a despeito de incoerências pontuais, o campo político da esquerda precisa se manter unido para garantir os avanços necessários à manutenção da democracia.
Nas palavras do próprio: "Nós temos uma população que, infelizmente, ainda não tem consciência política. Isso pode facilitar o retrocesso. A minha preocupação consiste em não dar chance aos inimigos dos trabalhadores e da liberdade".
O depoimento de Milton foi colhido por este jornalista há um bom par de anos, a serviço da Central Única de Trabalhadores. O temor então declarado com todas as letras, no entanto, tem agora contornos mais bem definidos do que antes. Hoje, é preciso levantar a voz, sob pena de ter a palavra cassada para sempre: Foi golpe, houve tortura, a Terra é redonda.