UMA FAÇANHA BRASILEIRA: SOCIALIZAMOS A IMPUNIDADE
Publicado em 20 de outubro de 2013
Por Jornal Do Dia
Dizia-se, faz pouco tempo, que no Brasil quem fosse rico, tivesse disponível muito dinheiro pagando advogados e usando os recursos possíveis para protelar, jamais seria preso, mesmo se houvesse praticado o mais hediondo dos crimes. Dizer-se, ainda, que no Brasil somente pobre vai para a cadeia é uma desconcertante inverdade. O Brasil, certamente, é hoje o único país do mundo que conseguiu socializar o privilégio da impunidade.
Não só concedemos de forma ampla geral e irrestrita o estranho e coletivo prêmio da imunidade à prisão.
Fomos mais longe ainda. Chegando aos 28 anos de experiência democrática permitimos aos bandidos ainda nas penitenciárias, que, de fato, comecem a comandar o país. Isso ocorre com a solícita ajuda da Justiça que, por exemplo, acaba de negar em São Paulo o pedido de prisão para 176 integrantes de uma ousada quadrilha com ramificações em vários estados, controle absoluto das penitenciárias, infiltração nas policias, presente na desordem das ruas, e até planejando o assassinato do governador paulista. Joga-se ao lixo o resultado de uma longa investigação realizada pelo Ministério Publico e pela Policia. Nessas constatações não vai nenhum rastro de saudosismo em relação à ditadura, muito pelo contrário, trata-se, quase, de um sofrido desabafo diante da constatação de que falhamos clamorosamente na construção de um processo civilizatório de cidadania, e assim, os valores democráticos se perderam, e tanto se desencaminharam que estamos agora a confundir desordem, baderna, desrespeito, com franquia democrática. Nesse clima, onde o princípio de autoridade se esvai demolido pela covardia ou incompetência de quem deveria preservá-lo, os nostálgicos do autoritarismo já andam a imaginar desmioladas aventuras, enxergando o país à beira do abismo e querendo oferecer uma mão forte, autoritária, para ampará-lo antes da queda final. Essa mão que simboliza o arbítrio, é absolutamente desnecessária. O que precisamos é sair da perigosa letargia, da omissão mofina, e, dentro do campo democrático buscar os instrumentos válidos e legais para montar a estratégia de defesa da democracia, onde se inclui o direito de reprimir a baderna e enclausurar os baderneiros. Há meses a população das duas maiores cidades do país vem sendo diariamente aterrorizada por grupos organizados que deflagraram a guerrilha urbana. São marginais, na maioria vestindo grifes, que não se movem inspirados por ideologias ou por reivindicações racionalmente explicitadas. Aproveitaram-se daquele momento que poderia ter sido um marco da nossa evolução democrática e transformaram as ruas em campo de batalha. É o fascismo que não se reconhece, e se identifica por farsa ou ignorância com as bandeiras negras do anarquismo.
Em Portugal, no mês de maio, houve em escala reduzida uma baderna semelhante às que aqui não param de ocorrer. Sete líderes dos desordeiros foram identificados, presos, e já estão condenados. Aqui, a polícia prende e a justiça solta, enquanto a OAB e entidades que equivocadamente se dizem defensoras dos direitos humanos, intrometem-se em um campo que desconhecem, querendo ditar normas sobre quais os meios que os policiais deverão empregar para reprimir quem depreda, lança bombas incendiárias, e agora começa a usar também armas de fogo. A baderneiros querem que lhes levem flores?
Some-se a essa situação esdrúxula de hipócrita tolerância ou acomodação oportunista, à ineficácia do nosso emaranhado de leis desconectadas da realidade dura e perigosa que vivemos, e se chegará, então, à triste evidencia de que o caos nos ameaça sob a sombra protetora de um inerme Estado Democrático de Direito.