Solidão política
Publicado em 07 de setembro de 2018
Por Jornal Do Dia
*Rangel Alves da Costa
A solidão política, como qualquer solidão cimentada no afastamento ou no distanciamento de todos ou de grande parte dos amigos e conhecidos, é situação deveras torturante e desencorajadora. E mais ainda acaso o olhar seja lançado ao passado e naquele espelho uma visão totalmente diferente de agora. Milhões de amigos, todos os amigos, ainda que nenhum verdadeiramente tenha sido. Tudo com o seu proveito e perante determinada situação.
Considerando que de modo geral a solidão pode ser definida como o estado de quem está só, de quem está desacompanhado ou no isolamento, ou ainda a falta de companhia ou sem contato com outras pessoas, a solidão política pode ser tida como o estado onde o político se vê desacompanhado e só, ressentindo a ausência daqueles que estiveram presentes em outras situações de vida. "Dei aquilo àquele, fiz aquilo com aquele outro, ajudei ainda aquele outro, mas agora!".
E diz mais: "Dei cargo comissionado, contratei para trabalhar em coisa alguma, empreguei a família quase toda, enchi a folha de pagamento com meio mundo de indicações. E agora, o que recebo? Preciso de voto, preciso de apoio, necessito que me ajudem a vencer mais essa disputa, e o que o vejo é somente todo mundo debandando, com outros políticos, votando até em meus inimigos!". Só pensa, contudo, no que ajudou, mas nunca naquele que pisou e que agora também – e justamente – lhe abandonou.
Certamente que a solidão política é involuntária, pois forjada no abandono do outro, daquele que tanto confiava. Muito diferente da solidão voluntária, quando o isolamento é por escolha própria, implica em reconhecer a perda de poder, de fragilidade do nome, de esquecimento e de abandono mesmo. Ora, o político nunca quer ficar sozinho, jamais quer ser esquecido. Seu nome precisa ser sempre lembrado e reverenciado, de modo a ser tido como forte em qualquer situação de disputa.
Mas quem se tem como forte quando suas forças de apoio de repente somem? Não há solidão mais dolorosa do que estar acostumado a ter mil servis e serviçais, a ter antessalas e cozinhas a seu dispor, a ter aquilo que desejar no mesmo instante, e logo depois – ou mesmo mais adiante -, ter que amargurar a ausência de todos. E quanto mais precisar ser novamente reconhecido mais ser renegado. E precisamente por aqueles imaginados como de máxima fidelidade. Ingratidão? Pode ser, ou não.
Não há exemplo maior que o político no poder e no mando, exercendo mandato, e depois de perder as benesses do mandar e desmandar, tendo que suportar a debandada daqueles que por muito tempo estiveram subservientes, de mãos estendidas, cativos ou ajoelhados a seus pés. Quando no poder, o poderoso e seu séquito de seguidores, de apoiadores, de bajuladores, de sanguessugas. Mas depois do poder, então apenas um ou outro que lhe acompanha até a curva adiante. Para depois também sumir.
Eis um mal que sempre afligiu a classe política, principalmente ex-mandatários. O poder atrai tanto, vicia tanto, traz consigo tantas benesses, que se torna difícil demais qualquer tipo de afastamento. Coisa terrível é ser governador e ter de sair do palacete. Coisa torturante é ser prefeito e ter de deixar a suntuosidade do gabinete. Coisa lastimável é ser parlamentar e de repente nada mais ser. O que dói não é o não ser, mas ter perdido tudo aquilo que mandava e desmandava. E mais: suportar o pós-poder. Um terrível mal chamado solidão política.
Algo dilacerante é quando a solidão pós-poder vem acompanhada da solidão eleitoral. O solitário político, sempre nostálgico que é pelo seu passado de mando, logo quer retornar. Mas cadê os amigos, cadê aqueles que deu emprego, cadê aqueles que fez receber fortunas sem trabalhar, cadê aqueles que lhe deviam obediência ou que se mostravam amigos em quaisquer situações? Sumiram. Simplesmente somem pela volatilidade do próprio poder. O poder só tem poder quando está no poder. Depois disso somente as traições, os abandonos, as incoerências, as escolhas próprias e os distanciamentos. E a solidão.
Mas como dito acima, uma solidão política que também pode ter sido gestada pelo mau exemplo de governante ou de parlamentar. Ou mais de perto pelo descalabro administrativo, pelas perseguições, pela zombaria com a cara do povo. E o povo, principalmente o eleitor, de vez em quando gosta de dar o devido troco a quem age assim. Não votando mais naquele carrasco ou ignominioso gestor, a consequência lógica será o abandono.
Triste, porém real, saber que muitos agora estão se ressentindo desse abandono e entregues à solidão. Tanto poder no passado para que, tanta invencibilidade no passado para que, tanto voto no passado para que? Agora deseja somente ser eleito. Precisa somente ser eleito. Mas como? Seus votos se esfacelaram, seus amigos sumiram, seus fieis eleitores deixaram de existir. Resta somente sentar numa cadeira de balanço, na meia-luz de sua ainda obscurecida consciência, e se perguntar aonde foi que errou. Indagar sim. E depois reconhecer que errou. E que do erro brotou a sua solidão.
*Rangel Alves da Costa é advogado e escritorMembro da Academia de Letras de Aracajublograngel-sertao.blogspot.com