Exorcizando os demônios – A simbologia de um assassínio
Publicado em 20 de março de 2018
Por Jornal Do Dia
* Miguel dos Santos Cerqueira
O Brasil não é para principiantes nem para homens cordiais. A frase que é atribuída ao compositor Tom Jobim tem muito ou quase tudo de verdade.
De fato, nos últimos tempos está se evidenciando que o Brasil é para fascitóides, símios e outras espécies aparentadas com os humanos, mas que, todavia, está distante a anos luz da raça humana.
Parece ser aberração ou excrecência, mas ultimamente muitos daqueles que se afirmam cristãos, liberais, humanistas, até mesmo socialistas, sem excluir os conservadores confessos estão se bandeando para o lado do barbarismo, da negação do princípio de ser o homem detentor de dignidade inata, a qual decorre apenas do simples fato de ser humano.
Está em voga nos meios políticos, nos espaços religiosos, nos meios jurídicos e em setores da mídia e da grande imprensa uma sede voraz de justiçamento dos adversários morais ou políticos, uma ânsia pelo ostracismo, banimento ou até mesmo a eliminação daquele que é considerado um não igual.
Com a bancarrota do Estado de Direito e do estado civilizatório, com o mais completo esgarçamento do aparelho social, que se seguiu a impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, o quadro de conflitualidade que já permeava o aparelho social tomou proporções gigantescas.
A todo custo tentam silenciar a todos aqueles que denunciam o barbarismo crescente, o avanço de uma política de Estado de eliminação dos indesejáveis, a tomada dos aparelhos de estado da segurança pública por milícias, paramilitares, grupos de extermínio e esquadrões da morte. A Implementação de uma política permanente de higienização ética e social.
Tudo em nome do combate à violência exacerbada, que é em grande parte fruto das injustiças, das desigualdades, do reducionismo e da seletividade.
Diante da incapacidade do Estado em promover políticas públicas de inclusão, de efetivamente reduzir as desigualdades, o próprio Estado usa a "mão do gato", através de paramilitares, grupos de extermínio e esquadrões da morte, em sua maioria encastelados nos aparelhos de estado, para sub-repticiamente promover a eliminação dos indesejáveis e atingir a equalização da convivência no aparelho social.
É fato incontestável que a política de higienização para equalização do convívio social, sob o suposto manto da vigência de um Estado Democrático, é cabal comprovação de que se já não estamos sob a égide do fascismo, estamos caminhando a passos largos para a fascitização da sociedade. Que, todavia, permanecera esquizofrenicamente mantendo as aparências de democracia e a vigência do liberalismo econômico.
O assassínio cruento, que beira ao escárnio, da militante política e de Direitos Humanos Marielle Franco e do seu motorista, só e somente só por ser mulher, negra, militante de esquerda, voz altiva e ativa contra a política de estado de higienização social e racial. As evidencias de que a morte da militante política do PSOL, com a utilização de munições desviadas do acervo da Polícia Federal e do Exército, a coincidência dessa morte com outras séries de assassínios por grupo de extermínios, só revela que estamos a vivenciar tempos tenebrosos e a banalização do mal.
O episódio não é um fato isolado. Não se trata de uma vítima a mais a ingressar nas estatísticas da violência urbano. O episódio e um altissonante grito parado no ar. É a confissão de que não fomos capazes de exorcizar os nossos demônios, de que lobo dorme debaixo da cama e pode a todos devorar.
De fato, o Brasil não é para principiantes nem para homens cordiais, mas para audaciosos, para aqueles que se sempre e sempre se esgueiram por detrás de discursos grandiloquentes, sendo, todavia, os mais temíveis hipócritas, verdadeiro Satanás pregando quaresma. Aqueles que consentem e até mesmo autorizam a eliminação, os linchamentos morais ou físicos e os justiçamentos.
O Brasil é para aqueles que se querem ou pretendem puros, eleitos de deus, ricos, brancos, machos, escravocratas, xenófobos. O Brasil não deseja ou pretende ser um país de todos, de homens iguais, é por isso que até hoje não fomos capazes de exorcizar nossos demônios, não fomos capazes de purgar a escravidão, os genocídios de Canudos e do Contestado, por exemplo, por isso é que o Estado têm que repetir ou reprisar esses episódios históricos nefandos em escalas menores, têm que implementar políticas de seleção, extermínio higienização, para fins de equalização social.
Por isso aqueles que como Marielle Franco levantam a voz, têm que morrer, porque são anjos vingadores, que com a arma da voz ousam em querer exorcizar nossos demônios adormecidos e em quer escorraçar o lobo que dorme debaixo da cama. Ela não foi a primeira e não será a última, ela faz parte do séquito daqueles que não consentem com as injustiças, que não admitem a seletividade, daqueles que não sendo manipuláveis, ousam e sempre ousaram a dizer não.
A simbologia da sua morte, seguida do aparente reaparecimento das manifestações dos movimentos populares, a dizer que o povo não está totalmente desatento e silente, é algo de alvissareiro, pode até significar que a fascitização não prevalecerá, que o povo resistirá intemeratamente tudo de tenebroso que está por vir, que não aceitará injustiças dos dois pesos e duas medidas, da seletividade de políticas de estado e de decisões judiciais, e repetindo aquele andejar crescente de irresignação e insubordinação que soube rejeitar e fez ruir a Ditadura militar que vigeu no Brasil nas décadas de 1960 a 1980, também esconjurará e fara pagina virada esses tempos tenebrosos e a essa am eaça crescente de fascitização, devolvendo a sim mesmo e todos a esperança.
* Miguel dos Santos Cerqueira é estudioso de filosofia, história e política. Militante de Direitos Humanos e titular da Primeira Defensoria Pública Especial Cível do Estado de Sergipe.