A Corrida como um antídoto
Publicado em 21 de março de 2018
Por Jornal Do Dia
* Vânia Azevedo
Ainda que nada tenha a comemorar, o dia 17 de março para São Cristóvão se tornou emblemático porque é de lá que parte a Corrida Cidade de Aracaju. Logo no início da tarde os moradores se posicionam nas calçadas, praças e avenidas para assistir esse evento que se realiza como parte das comemorações que marca o aniversário da capital.A Prova que atrai corredores de vários Estados há 35 anos tem sua largada no Centro Histórico de São Cristóvão, com chegada em Aracaju. Esta faz parte do calendário de corridas do Estado e atrai os corredores pelo seu percurso altamente desafiante. Desde a sua primeira edição já possuía grande prestígio e, nos seus melhores momentos, reuniu grandes expressões do atletismo brasileiro. No entanto, hoje, a grande festa quem faz mesmo são os corredores anônimos – perfazendo um total de mais de três mil inscritos – que descobriram na corrida uma grande paixão, por vezes um antídoto para as suas aflições.
Para alguém como eu, que vem do tempo em que correr era "coisa de doido", é surpreendente constatar o crescente número de adeptos das corridas de rua, desde a grande massa de participantes até o surgimento de um mercado atento a essa demanda. Estamos falando da evolução da indústria da corrida de rua, que, a partir de pesquisas, revolucionou a logística da corrida com lançamentos de tênis – que antes tinha por referência o masculino, contrariando a fisiologia do feminino -,cujo avanço tecnológico tem se desenvolvido num ritmo frenético. O mesmo podendo se falar do vestuário de homens e mulheres que passou a ser pesquisado de forma mais científica, priorizando as necessidades dos seus usuários para melhor servir e produzir o conforto necessário; passando pelos métodos de treinamentos que naturalmente exigiu a necessidade de atualização e especialização dos profissionais da Educação Física – com eles a formação dos clubes de corrida -, bem como fisioterapeutas conhecedores das lesões comuns ao esporte, médicos especializados em medicina desportiva e até mesmo nutricionistas familiarizados com as necessidades dos esportistas para melhor orientar a grande demanda de apaixonados pela corrida. As estatísticas dão conta que as mulheres saíram na frente e hoje lideram esse ranking de aficionados pela corrida, contribuindo de forma expressiva a levar seus companheiros a embarcar nessa aventura. Nem mesmos as provas mais longas as assustam, prova disso é que mesmo nas maiores maratonas do mundo elas têm sido maioria.
Muitos são os fatores que têm contribuído para esse "boom", desde o apelo a estética até a necessidade de administrar de forma coerente o estresse que é inerente ao ser humano. Para isso, os consultórios médicos têm se constituído linha de largada para muitas pessoas que jamais se imaginaram reféns da atividade física como requisito para a manutenção da saúde. Nos últimos anos, na quase totalidade dos atendimentos em consultório médico, prescrever atividade física faz parte da conduta médica àqueles que buscam solução para os males do corpo e da mente ou desejam tão somente preservar a saúde.
A luta pela sobrevivência tem levado as pessoas a negligenciar a necessidade que o corpo possui de movimento. Muito mais do que existir, precisamos dar ao corpo a condição básica de se comunicar e se expressar através do movimento. Provavelmente, a ausência da ação, a imobilidade, a prostração, nos aprisiona aos pensamentos que por não termos controle sobre eles podem gerar sofrimento. Esse comportamento se reflete ocasionalmente através da pressão e repressão a que estamos sujeitos ao longo da vida. Mesmo quando temos a oportunidade de crescer e se desenvolver profissionalmente, não é raro, somos submetidos à níveis de estresse que ao longo do tempo vão minando a nossa capacidade de administrar os problemas sem que nos permita extravasar toda tensão. O modo de vida que o momento nos impõe, sem dúvida tem sido o responsável por altos índices estatísticos de depressão e ansiedade, tendo o Brasil, em ambos os casos, maior prevalência da América Latina, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Por seu aspecto natural, convicta do seu caráter democrático e recreativo é que a corrida vem recrutando a cada dia mais adeptos, além de se popularizar no mundo inteiro. Porque tão natural quanto engatinhar é o correr depois de caminhar. Curioso é que, seja adulto ou criança, depois que começa não quer mais parar. Não importa aonde vai, é justamente essa liberdade de escolha, que não exige regras e dispensa condições: se é de dia ou de noite, se é campo ou pista, se sozinho ou acompanhado. Porque correr é estar consigo mesmo e curtir a própria companhia; onde um encontro com Deus faz parte do percurso e as respostas para tantas perguntas fluem naturalmente; é sentir a brisa que bate no rosto e os pingos de chuva que chegam como uma carícia nos fazendo renascer; é o suor que acaricia o corpo cansado,lembrando que transpirar e respirar são condições indispensáveis para viver; é perceber na natureza a beleza que existe ao redor e que não nos permitimos admirar; é se permitir sonhar e fazer planos; é sentir-se capaz e livre porque a corrida liberta, humaniza e reedifica; é fazer novos amigos, libertar-se da solidão, da escuridão da depressão e da escravidão das drogas (seja lícita ou ilícita); porque quando se corre a solidão não existe, mesmo quando você corre só. Há uma sensação de paz que se evidencia quando o cenário é a natureza; é descobrir-se numa nova tribo, simplesmente porque se fala daquilo que você mais gosta de ouvir e fazer: correr; é saldar o amanhecer com esperança porque no nascer de um novo dia uma certeza lhe aguarda: o momento de ser feliz.
Parafraseando Mark Hanson, "Correr é viver. Tudo mais é apenas esperar".
* Vânia Azevedo é professora