Quarta, 15 De Janeiro De 2025
       
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O que registraria o Dr. Bento?


Publicado em 22 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
 
Nos últimos artigos não publiquei 
as famosas ‘memórias’ de meu 
pai, e, como de praxe, recebi as habituais "reclamações", via e-mail. Até que, ontem, num programa radiofônico, ouvi de um leitor que não tenho a satisfação de conhecer – mas espero que tenhamos oportunidade para tal – o seguinte recado: "Raymundinho, bote sempre aquelas histórias bacanas que seu pai contava. Tá certo que agora é você quem está escrevendo o artigo, mas, sempre que possível, nos brinde com os textos de seu pai". E concluiu a intervenção fazendo referências positivas ao artigo da terça passada, "Crise de valores". 
Agradeço de coração as palavras elogiosas, ‘Sr. Rubens’. Assim que nos conhecermos pessoalmente, terei imensa alegria em presenteá-lo com alguns textos de meu pai, principalmente aqueles aos quais o senhor se reportou. E, de pronto, atendo o seu pedido e de tantos outros leitores.
Tenho um critério para a republicação dos escritos de meu pai: procuro analisar os fatos que acontecem no dia-a-dia e vejo se em alguma época, recente ou mais distante, ele escreveu algum texto que tenha relação com o assunto. E situo o registro.
Hoje escolhi o assunto ‘aviação’, um dos preferidos dele, motivado pela notícia – muitíssimo bem comentada, por sinal – que li no encarte do competente jornalista ‘Luiz Eduardo Costa’, na edição de 13 e 14/05 passados, aqui no ‘Jornal do Dia’, intitulada "Ao lado do Aeroporto o muro está desabando". Uma notícia que, certamente, entristeceria meu pai, se ele ainda estivesse ligado às coisas deste mundo material. Ele foi sempre um apaixonado pela aviação comercial, área onde começou sua vida profissional.
Orgulho-me quando encontro pessoas que, não raro, me dizem: "Sempre que vou ao Aeroporto de Aracaju, faço questão de ir ao espaço onde se encontra o "Memorial da Aviação Civil em Sergipe", pra ver aquela foto de seu pai, em plena atuação como Aeroviário".
O texto que lhes trago fala sobre este memorial. Não tenho, neste momento, como precisar a data da sua 1.ª publicação, ainda na época da antiga "Gazeta de Sergipe". Título: "Meninos, eu vi!", que meu pai "tomou emprestado" do poema "I-Juca Pirama", de Gonçalves Dias (1823-1864).
Peço que leiam o texto considerando ter sido redigido há mais de uma década. Assim escreveu Raymundo Mello:
"A pouco mais de 50 anos (1954), Aracaju recebeu a visita do Dr. Bento de Almeida Prado. Veio em nome da alta direção do Consórcio Real/Aerovias para uma visita aos agentes (Sobral & Cia.) e conhecer as nossas realidades de trabalho, carências e dificuldades para manutenção do ótimo desempenho que a companhia aérea mantinha por aqui, apesar da larga concorrência (Panair, Cruzeiro do Sul, LAP, LAB, Nacional, Aero Geral) que enfrentava.
Uma visita de cortesia, disse o Dr. Bento. E não poderia ser de outra maneira, pelas suas características pessoais. Homem de fino trato, ligado às mais tradicionais famílias quatrocentãs paulistas, o Dr. Bento, àquela época já era formado em relações públicas, marketing e vendas, inclusive com cursos de extensão na Inglaterra e Estados Unidos. Pasmem: falou em mídia, há cerca de 50 anos, em Aracaju.
Um gentleman, muito bem trajado, ostentando finíssima gravata borboleta, foi recebido pelo Prefeito da Capital e o Governador do Estado com todas as pompas de cerimonial, tendo deixado ótima impressão junto àquelas autoridades que lhe abriram as portas da Capital e do Estado, conforme disse em conversas informais.
Em sua atividade na Agência da Real/Aerovias, quis saber de tudo, coisa por coisa (uma severa auditoria levada com leveza e educação) e admirou-se com uma arca cheia de placas de vidros verdes e vermelhos e grandes candeeiros. "Pra que serve isso?" – quis saber. "Isso aí, Doutor, é o balizamento noturno da pista de barro do nosso Campo de Aviação, utilizado como Aeroporto, onde o senhor desembarcou ontem à luz do sol".
O Doutor Bento, homem do asfalto, voos e aeroportos internacionais já dotados de elevadas técnicas, surpreendeu-se. Não entendia, quis saber como funcionava e foi convidado a nos acompanhar na madrugada seguinte, às três e meia da manhã para assistir o despacho do nosso voo Recife-Maceió-Aracaju-Salvador-Vitória-Rio-São Paulo, que pousava às 4:15 e decolava às 4:35, de acordo com o horário da companhia, aprovado pelo DAC.
"Na pista de barro (800 metros) e com esse tipo de balizamento? Quero ver para crer. Tenho relatório a apresentar e esse item merece atenção especial".
Dito e feito. Madrugada seguinte, pegamos o Dr. Bento no Hotel Marozi e o levamos para, conosco, balizar a pista. Não preciso dizer que ele ficou admiradíssimo e 20 minutos após a decolagem do avião para Salvador (balizamento mantido para qualquer necessidade de retorno do DC-3) fez questão de participar do desmonte e até apanhou candeeiros em seu bem cuidado traje domingueiro.
Ficou impressionado – não entendia como se fazia uma aviação comercial tão eficiente de maneira tão artesanal e segura, pois aquele tipo de operação (pousos e decolagens noturnas) jamais trouxe quaisquer danos às aeronaves, seus passageiros e tripulantes – méritos também para esses.
O Dr. Bento ficou mais um dia em Aracaju, concluiu suas anotações e relatórios, encantado também com a cidade, suas praias e sua gente. Deu entrevistas a jornais e emissora de rádio e concluiu seu trabalho oferecendo um jantar aos agentes e funcionários no restaurante do hotel.
Ao encerramento do ágape, o visitante fez um brinde a Aracaju, aos agentes da companhia e funcionários e, vivamente emocionado, pronunciou essas palavras: "Quando um dia, neste país, for erigido um monumento em homenagem aos pioneiros da Aviação Comercial Brasileira, cada um de vocês estará perpetuado na pedra ou no bronze do monumento, mesmo que seus nomes não apareçam impressos".
Ouvi essas palavras e anotei-as, mas sobretudo, guardei-as na mente e no coração de jovem. Durante este pouco mais de meio século, muitas vezes as repeti e comentei com amigos, ex-colegas, homens de empresa, estudantes, jornalistas, escritores, etc… etc… Algumas vezes comentei como piada, brincadeira, outras, como uma crítica à falta de memória brasileira e outras, como reminiscência e esperança que isso se concretizasse – não só por mim, mas por todos aqueles despachantes, pessoal de linha, radiotelegrafistas e agentes que dedicaram preciosos anos de suas vidas a essa atividade difícil, extremamente cansativa e muito nobre.
Pois bem: mais de meio século depois, um companheiro de Missa aos sábados no Santuário Nossa Senhora Menina, após o ato religioso, na porta da igreja me diz que no Aeroporto de Aracaju (não no velho Campo de Aviação) esta lembrança-homenagem estava perpetuada, inclusive com as palavras do Dr. Bento.
Surpreso e emocionado, fui ver. Maravilha esperada e afinal vista e com os olhos do coração revi cada um dos que trabalharam a meu lado, não somente na Real/Aerovias, mas nas demais empresas que àquela época faziam o tráfego aéreo em Aracaju.
O trabalho foi produzido sob a supervisão do mais competente e brilhante pesquisador e homem de letras de Sergipe a quem este estado muito deve, Luiz Antônio Barreto, que cumprimento de coração por mais esse excelente trabalho – Parabéns!
Lamentei apenas não ter sabido da implantação do memorial. Teria comparecido e marcado com minha modesta presença a emoção e lembrança dos velhos aeroviários dos anos 40 e 50 do século passado. Valeu!!!".
Como sempre o fazia nos textos que escrevia sobre ‘Aviação Civil em Sergipe’, meu pai assinava o artigo como ‘Aeroviário do Século Passado’.
O notável comentário de Luiz Eduardo Costa conclui-se com as seguintes palavras: "(…) caem os muros, os físicos, e os virtuais, que deveriam estar a proteger uma coisa que se chamava vergonha".
E eu, ouso completar: o que registraria hoje o Dr. Bento de Almeida Prado?
* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br

* Raymundo Mello

(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)

Nos últimos artigos não publiquei  as famosas ‘memórias’ de meu  pai, e, como de praxe, recebi as habituais "reclamações", via e-mail. Até que, ontem, num programa radiofônico, ouvi de um leitor que não tenho a satisfação de conhecer – mas espero que tenhamos oportunidade para tal – o seguinte recado: "Raymundinho, bote sempre aquelas histórias bacanas que seu pai contava. Tá certo que agora é você quem está escrevendo o artigo, mas, sempre que possível, nos brinde com os textos de seu pai". E concluiu a intervenção fazendo referências positivas ao artigo da terça passada, "Crise de valores". 
Agradeço de coração as palavras elogiosas, ‘Sr. Rubens’. Assim que nos conhecermos pessoalmente, terei imensa alegria em presenteá-lo com alguns textos de meu pai, principalmente aqueles aos quais o senhor se reportou. E, de pronto, atendo o seu pedido e de tantos outros leitores.
Tenho um critério para a republicação dos escritos de meu pai: procuro analisar os fatos que acontecem no dia-a-dia e vejo se em alguma época, recente ou mais distante, ele escreveu algum texto que tenha relação com o assunto. E situo o registro.
Hoje escolhi o assunto ‘aviação’, um dos preferidos dele, motivado pela notícia – muitíssimo bem comentada, por sinal – que li no encarte do competente jornalista ‘Luiz Eduardo Costa’, na edição de 13 e 14/05 passados, aqui no ‘Jornal do Dia’, intitulada "Ao lado do Aeroporto o muro está desabando". Uma notícia que, certamente, entristeceria meu pai, se ele ainda estivesse ligado às coisas deste mundo material. Ele foi sempre um apaixonado pela aviação comercial, área onde começou sua vida profissional.
Orgulho-me quando encontro pessoas que, não raro, me dizem: "Sempre que vou ao Aeroporto de Aracaju, faço questão de ir ao espaço onde se encontra o "Memorial da Aviação Civil em Sergipe", pra ver aquela foto de seu pai, em plena atuação como Aeroviário".
O texto que lhes trago fala sobre este memorial. Não tenho, neste momento, como precisar a data da sua 1.ª publicação, ainda na época da antiga "Gazeta de Sergipe". Título: "Meninos, eu vi!", que meu pai "tomou emprestado" do poema "I-Juca Pirama", de Gonçalves Dias (1823-1864).
Peço que leiam o texto considerando ter sido redigido há mais de uma década. Assim escreveu Raymundo Mello:
"A pouco mais de 50 anos (1954), Aracaju recebeu a visita do Dr. Bento de Almeida Prado. Veio em nome da alta direção do Consórcio Real/Aerovias para uma visita aos agentes (Sobral & Cia.) e conhecer as nossas realidades de trabalho, carências e dificuldades para manutenção do ótimo desempenho que a companhia aérea mantinha por aqui, apesar da larga concorrência (Panair, Cruzeiro do Sul, LAP, LAB, Nacional, Aero Geral) que enfrentava.
Uma visita de cortesia, disse o Dr. Bento. E não poderia ser de outra maneira, pelas suas características pessoais. Homem de fino trato, ligado às mais tradicionais famílias quatrocentãs paulistas, o Dr. Bento, àquela época já era formado em relações públicas, marketing e vendas, inclusive com cursos de extensão na Inglaterra e Estados Unidos. Pasmem: falou em mídia, há cerca de 50 anos, em Aracaju.
Um gentleman, muito bem trajado, ostentando finíssima gravata borboleta, foi recebido pelo Prefeito da Capital e o Governador do Estado com todas as pompas de cerimonial, tendo deixado ótima impressão junto àquelas autoridades que lhe abriram as portas da Capital e do Estado, conforme disse em conversas informais.
Em sua atividade na Agência da Real/Aerovias, quis saber de tudo, coisa por coisa (uma severa auditoria levada com leveza e educação) e admirou-se com uma arca cheia de placas de vidros verdes e vermelhos e grandes candeeiros. "Pra que serve isso?" – quis saber. "Isso aí, Doutor, é o balizamento noturno da pista de barro do nosso Campo de Aviação, utilizado como Aeroporto, onde o senhor desembarcou ontem à luz do sol".
O Doutor Bento, homem do asfalto, voos e aeroportos internacionais já dotados de elevadas técnicas, surpreendeu-se. Não entendia, quis saber como funcionava e foi convidado a nos acompanhar na madrugada seguinte, às três e meia da manhã para assistir o despacho do nosso voo Recife-Maceió-Aracaju-Salvador-Vitória-Rio-São Paulo, que pousava às 4:15 e decolava às 4:35, de acordo com o horário da companhia, aprovado pelo DAC.
"Na pista de barro (800 metros) e com esse tipo de balizamento? Quero ver para crer. Tenho relatório a apresentar e esse item merece atenção especial".
Dito e feito. Madrugada seguinte, pegamos o Dr. Bento no Hotel Marozi e o levamos para, conosco, balizar a pista. Não preciso dizer que ele ficou admiradíssimo e 20 minutos após a decolagem do avião para Salvador (balizamento mantido para qualquer necessidade de retorno do DC-3) fez questão de participar do desmonte e até apanhou candeeiros em seu bem cuidado traje domingueiro.
Ficou impressionado – não entendia como se fazia uma aviação comercial tão eficiente de maneira tão artesanal e segura, pois aquele tipo de operação (pousos e decolagens noturnas) jamais trouxe quaisquer danos às aeronaves, seus passageiros e tripulantes – méritos também para esses.
O Dr. Bento ficou mais um dia em Aracaju, concluiu suas anotações e relatórios, encantado também com a cidade, suas praias e sua gente. Deu entrevistas a jornais e emissora de rádio e concluiu seu trabalho oferecendo um jantar aos agentes e funcionários no restaurante do hotel.
Ao encerramento do ágape, o visitante fez um brinde a Aracaju, aos agentes da companhia e funcionários e, vivamente emocionado, pronunciou essas palavras: "Quando um dia, neste país, for erigido um monumento em homenagem aos pioneiros da Aviação Comercial Brasileira, cada um de vocês estará perpetuado na pedra ou no bronze do monumento, mesmo que seus nomes não apareçam impressos".
Ouvi essas palavras e anotei-as, mas sobretudo, guardei-as na mente e no coração de jovem. Durante este pouco mais de meio século, muitas vezes as repeti e comentei com amigos, ex-colegas, homens de empresa, estudantes, jornalistas, escritores, etc… etc… Algumas vezes comentei como piada, brincadeira, outras, como uma crítica à falta de memória brasileira e outras, como reminiscência e esperança que isso se concretizasse – não só por mim, mas por todos aqueles despachantes, pessoal de linha, radiotelegrafistas e agentes que dedicaram preciosos anos de suas vidas a essa atividade difícil, extremamente cansativa e muito nobre.
Pois bem: mais de meio século depois, um companheiro de Missa aos sábados no Santuário Nossa Senhora Menina, após o ato religioso, na porta da igreja me diz que no Aeroporto de Aracaju (não no velho Campo de Aviação) esta lembrança-homenagem estava perpetuada, inclusive com as palavras do Dr. Bento.
Surpreso e emocionado, fui ver. Maravilha esperada e afinal vista e com os olhos do coração revi cada um dos que trabalharam a meu lado, não somente na Real/Aerovias, mas nas demais empresas que àquela época faziam o tráfego aéreo em Aracaju.
O trabalho foi produzido sob a supervisão do mais competente e brilhante pesquisador e homem de letras de Sergipe a quem este estado muito deve, Luiz Antônio Barreto, que cumprimento de coração por mais esse excelente trabalho – Parabéns!
Lamentei apenas não ter sabido da implantação do memorial. Teria comparecido e marcado com minha modesta presença a emoção e lembrança dos velhos aeroviários dos anos 40 e 50 do século passado. Valeu!!!".
Como sempre o fazia nos textos que escrevia sobre ‘Aviação Civil em Sergipe’, meu pai assinava o artigo como ‘Aeroviário do Século Passado’.
O notável comentário de Luiz Eduardo Costa conclui-se com as seguintes palavras: "(…) caem os muros, os físicos, e os virtuais, que deveriam estar a proteger uma coisa que se chamava vergonha".
E eu, ouso completar: o que registraria hoje o Dr. Bento de Almeida Prado?
* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br

 

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