Saudade de Aracaju vivida
Publicado em 31 de julho de 2018
Por Jornal Do Dia
* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
Li, gostei e recomendo a leitu ra do artigo "A banca da esqui na", de Rafael Galvão, publicado na edição de 28/07 último, do ‘Jornal do Dia’ (página 4).Uma bela memória!
Compartilhei o texto com muitos amigos que, como eu, preservam o salutar costume de frequentar bancas de revistas.
Parabenizo-o, Rafael, pelo bonito texto, bem escrito e fazendo o registro de tempos bons que, aos poucos, estão indo embora… mas que vão ficar ‘pra sempre’ na memória, sempre que a gente lembrar, assim como "o cheiro da flor que ficou no vento… que não está mais lá", no dizer poético de Oswaldo Montenegro.
Em homenagem a todos os que se recordam com nostalgia destas épocas boas, trago hoje, na íntegra, a publicação de meu pai, o ‘Memorialista Raymundo Mello’, na edição de 2 e 3 de novembro de 2014 do Jornal do Dia, artigo intitulado "Saudade de Aracaju vivida".
Boa leitura pra todos!
"O conhecidíssimo divulgador cultural Ribeiro (só gosta de ser citado assim: Ribeiro), laranjeirense de nascimento, itabaianense e aracajuano por outorga oficial de Câmaras de Vereadores Municipais, vez por outra me visita, e aí, entre comentários sobre livros e artes, indica livros de escritores sergipanos – principalmente – e, de vez em quando, me presenteia com obras que geralmente leio no mesmo dia e oportunamente comentamos. O último livro que me foi passado, "Sussuros do Maçacará", do escritor ‘Carlos Conceição’, compendia vários trabalhos do autor, edição de 2006, e ofereceu-me momentos de enlevo e reflexão – poemas de excelente conteúdo e significação envolvente.
Se me for permitido, recomendo a excelente obra, especialmente aos oriundos do Maçacará – Carmópolis em geral e regiões vizinhas, estreitamente ligadas aos poemas e demais textos. Memorialista por titulação outorgada pelo amigo (meu e de meu irmão João Mello) Luiz Antônio Barreto, encontrei nas páginas 158 a 160 do livro, o texto "Saudades de Aracaju", que me transportou à juventude, vivida nesta cidade (Aracaju) onde resido há 75 anos, em companhia de minha mãe, pai, irmã, irmão, cunhado, cunhada e todos mais que Deus me deu. Trouxe de um só lance para junto de mim (mortos e vivos), aquelas pessoas que conheceram e viveram a Aracaju das Saudades de Carlos Conceição e que também são minhas. Confesso, esse seria o texto que desejaria ter engenho e arte para escrever. Como me faltam tais dons, transcrevo-o à revelia do autor, com respeito e homenagem à sua inteligência.
Saudades de Aracaju
Aracaju, como você mudou! O que você fez das ruas desertas – 9 horas da noite – por onde eu passava, cansado e sonolento, ao voltar do Telégrafo, aonde ia levar a rede do telegrafista de plantão? Sim, aquelas ruas desertas, – da Praça do Palácio, até a Praça da Chefatura. O silêncio dominava, do Entreposto à Fundição, o Campo do Adolfo, na rua Vila Nova, e a pontezinha pábula da Fundição?
Aracaju, como você era tão bonita e amiga! Como você carregava uma simpatia nobre e serena! Embalava, num doce enleio, a alma do seu povo.
Os Saveiros listrados, em cores vivas, riscando o rio Cotinguiba que virou "Sergipe". Aqueles Saveiros chegavam e saíam acostados nas pontes corpulentas de madeira – onde a "Rua da Frente" começava. – A Ponte-do-Loid, a Ponte-do-Lima, aquela, diversão da meninada, pulando e fazendo algazarras, dando "braçadas" na maré-cheia. A "Lancha" e o "Vaporzinho", o encanto maior da Ponte do Imperador – aquela que se chama "Ponte do Imperador Pedro II", fazendo vibrar os corações, eis que traziam mensagens de Santo Amaro e de Maruim.
Ah! Como eu gostaria que você não tivesse mudado! A gente era tão feliz, naquela simplicidade aconchegante. O que foi, Aracaju, que você fez de tudo isto? Você, que, descendo o Alto do Santo Antônio, esbanjou inebriante perfume pela "Estrada Nova", no rastro apoteótico da poesia, levada com carinho ao ornamento que cintila na balaustrada da "Praia Formosa"! Você quis brindar, de maneira fidalga, a passagem da saudosa família "ITA" que retribuía trazendo tantos sonhos e alegrias incontidos. Era uma festa irresistível, cada paquete que aportava – Itaperuna, Itapura, Itapagi – e tinha também o gigante "Comandante Campelo". Mas, Aracaju, você esqueceu tudo isto. Você renegou tudo isto. É uma pena.
Entretanto, saiba, Aracaju, quem ama você não esquece a imagem da inocência que você ascendeu. A imagem descontraída e cativante. Quem ama você não esquece relíquias como a "Fonte-da-Nação"! A "Fonte-da-Mata", a Pontezinha intrometida da Fundição. Não esquece a matinha da Jabotiana, onde um corregozinho transitava levando água vermelha, com gosto de chá. Não esquece a "Barrica" de Dona Candinha, distribuindo água para todos os moradores da área – em torno do "Abrigo" da "Leste" e um bom pedaço do "Aribé". Era no começo do "Anipum", o paraíso da manga deliciosa, a que todo o povo acorria com sofreguidão.
E o Oratório de Bebé, encravado nas areias brancas. As areias que, lisonjeiramente cortejavam seu encanto de menina, Aracaju. Quanta coisa você esqueceu! – A Santa-Cruz-do-Mocotó, a lagoa da Baixa Fria, a lagoa imensa, na frente do "Lazareto". Aquele campo vasto, coberto de moitas que guardavam variadas rubiáceas. Que guardavam murta, cambuí, a jaca brava, a quaresma, e o cambucá. Tudo isto ornamentando a festa dos passarinhos vadios que se divertiam chilreando a driblar a esperteza dos meninos.
Aracaju, cadê o "Seu Tobias"? "Seu Tobias" do carrossel, da Praça da Matriz? Cadê os burros? Os burrinhos amigos e pacientes que puxavam o bonde, levando a gente? Quem ama você, Aracaju, guarda o seu retrato, onde se destaca o "Aribé" e tantos outros encantos que marcaram a sua infância.
Eu gostaria que o tempo fosse mais camarada e colaborasse na reconstituição de tantos aspectos generosos inerentes à sua identidade. Passeando na sua história e, com a devida reverência àqueles que a fizeram, ensejasse-me o Brilho feérico, condigno ao meu orgulho de reviver quem você foi, e quem você é, nas cores reais da minha saudade, nestes dias tumultuados em que hoje moureja o seu povo. Este povo que, com todos os percalços, vai impulsionando a vida, em sintonia com a dignidade do seu nome.
Você cresceu, caprichou na maquiagem, tornou-se opulenta e, por causa destas coisas, a inocência foi embora. Você, minha querida Aracaju, perdeu na troca. Mas, que eu vou fazer? Quero você assim mesmo – Aracaju – rendido, como me encontro, à imensa saudade da sua infância…".
* * *
E.T. – Este texto de Carlos Conceição meu pai costumava ler e reler, invariavelmente com a voz embargada pela emoção, e sempre terminava a leitura – que era interrompida a cada lembrança que lhe vinha à mente – em lágrimas. Dizia que a cada vez que o lia de novo, novas recordações lhe invadiam o ser. Inevitavelmente, ao selecionar o texto para esta publicação, não tive como não vivenciar a cena.
* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br