Sobre Previdência Social
Publicado em 03 de setembro de 2018
Por Jornal Do Dia
* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
No artigo da terça-feira passada (28/ 08), relembrei umas histórias do tempo em que meu pai, o ‘Memorialista Raymundo Mello’, trabalhou no ‘Banco Prado Vasconcelos Junior’, posteriormente ‘Banco da Província do Rio Grande do Sul’. Agradeço, de coração, o grande número de registros radiofônicos, telefonemas e e-mails que recebi, aplaudindo o texto e comentando algo interessante sobre o assunto e a época.
‘As memórias de meu pai, não raro, trazem em si conteúdos reflexivos’, posto que, ao escrevê-las, ele tinha sempre a preocupação de estabelecer uma "ponte" entre as histórias que contava e a realidade social contemporânea. Assim, o parágrafo // "(…) guardo boas lembranças de meus tempos de banco, principalmente dos colegas de trabalho. Naquela época, éramos bancários, podíamos dialogar com os clientes, ouvi-los, cooperar para resolver suas pretensões. Hoje, nos bancos, nós, clientes, somos apenas ‘números’ e ‘senhas’. Os bancários de agora, para nos atender, dependem do "sistema"; é a máquina que fala com os clientes e decide o que é ou não possível" // mereceu muitos comentários.
Hoje trago um pouco do seu início de carreira na ‘Previdência Social’ e deixo a reflexão por conta dos caros leitores, já que é assunto de interesse de todos. Creio que, num momento eleitoral, onde projetos bem diversificados apresentam-se à apreciação dos brasileiros, vale a pena considerarmos alguns aspectos que se escondem nas entrelinhas das memórias que meu pai recorda sobre o assunto, de natureza tão importante para o país.
O texto foi publicado na edição de 6 de setembro de 2016 do ‘Jornal do Dia’, sob o título "Previdência e 7 de setembro".
Assim escreveu Raymundo Mello:
– Em passado recente, cerca de 40 anos atrás, mais ou menos, a ‘Seguridade Social’ (Previdência e Assistência) era estabelecida a nível nacional por categoria profissional através de ‘Institutos’, cada um deles com suas equipes de Previdência e Assistência, atuando separadamente, mas, em unidade. Um Delegado dirigia as duas áreas, com Coordenadores em cada setor. E sempre deu certo.
Assim, bancários eram vinculados ao IAPB, comerciários ao IAPC, industriários ao IAPI, transportes e cargas ao IAPETEC, marítimos ao IAPM, ferroviários e aeroviários ao IAPFESP, servidores públicos federais ao IPASE, etc… etc…
Neste último – IPASE – trabalhei muitos anos, até que, em 1978, o instituto foi, como os demais, anexado ao complexo da Seguridade Social, e fui, como todos os colegas ipasiários, vinculado ao IAPAS, outros ao INPS e outros, ainda, ao INAMPS, cada um em sua área de atuação. Pergunto: deu certo? O futuro dirá. Até agora, o que se nota é que a cada período o governante de plantão, apoiado pelo Congresso Nacional, promove mais uma reforma da Previdência. Até quando cada reforma estará em vigor? Isso não preocupa as autoridades; assim que convier ao dirigente de plantão, com os devidos apoios, criam-se novas reformas e os segurados que aguentem. É o velho dito popular: "Manda quem pode"; e o brasileiro, cabisbaixo, acrescenta: "E obedece quem precisa ou quem tem juízo".
Mas, tudo isso tem limites. Todos os plantonistas que dirigiram e dirigem o país, até hoje, usaram os mesmos argumentos e nenhuma reforma deu certo. Falta sinceridade, respeito aos segurados e auditoria independente, independente mesmo, para mostrar a verdade do ontem e de hoje.
Sou filiado a uma Associação – ANFIP – que há anos mostra que não existem os famosos ‘déficits da Previdência’ e sim, por incrível que pareça, ‘a Previdência Social é superavitária’ – tem realmente SUPERÁVITs a cada exercício. Basta manter a realidade do que, constitucionalmente, a ela é devido. O governo só considera a arrecadação bancária, e os acessórios legais não são cumpridos, além, ainda, das desonerações de folhas, ‘cantadas-em-prosa-e-verso’.
Como já disse, cada instituto tinha uma área que lidava com a Previdência e outra que lidava com a Assistência, aí incluído Ambulatório, onde médicos/as, odontólogos/as, enfermeiros/as e auxiliares de enfermagem desenvolviam suas atividades específicas, acrescidas por atendimento hospitalar conveniado (hospitais e maternidades).
É bom registrar que a população de Sergipe e do Brasil era, seguramente, correspondente cerca de 40% menor que a atual. Daí, os corpos clínicos e hospitalares dos institutos conseguiam atender os segurados de forma bem razoável.
Tenho como foco o atendimento prestado pelo instituto onde eu exercia minhas funções, o IPASE, pelo menos no período de 1955 a 1978, quando fomos unificados aos demais, no ‘Ministério da Previdência e Assistência Social’. Antes éramos Autarquias Federais.
A nossa Delegacia funcionava na rua João Pessoa n.º 333, 1.º andar, com Ambulatório instalado em salas do andar térreo do mesmo prédio, chamado ‘Edifício Cabral’. Daí que conhecíamos e nos relacionávamos com os médicos, dentistas e auxiliares. Convivência diária com, pelo menos, 12 a 15 profissionais que, em parte, anoto a seguir, pedindo desculpas por algumas ausências da relação que, naturalmente, acontecerá. Assim, a memória registra os seguintes profissionais médicos: Ariovaldo Vieira Machado, Lucilo Costa Pinto, Paulo Freire de Carvalho, Aloísio Andrade, Garcia Moreno, Paulo Faro, Fernando Felizola Freire, Marcos Teles de Melo, Francisco Guimarães Rolemberg, Octávio Penalva; e os dentistas: Fernando Lemos e Josete Pinto. Destes, grande parte são falecidos.
Face a essa proximidade diária, o relacionamento respeitoso e cordial acontecia. A todos, tratávamos com o título de doutor antecedendo seus nomes – Dr. Fulano, Dr. Beltrano, etc. Eles, por sua vez, com intimidade, nos tratavam por fulanos, simplesmente. Eu era apenas ‘Mello’, pra todos eles. Alguns colegas eram citados por apelidos populares, como Zé Ceguinho, Zezinho, Vasco, Tesoureiro, etc.
O doutor Aloísio Andrade, somente ele, me tratava por ‘Corajoso’ e, a seu modo, dizia o porquê desse apelido. Dizia, a seu modo, omitindo a realidade da causa de tão elegante alcunha.
É o que faço a seguir. Do outro lado da vida, ele estará, sem dúvida, confirmando o fato e, talvez, sorrindo, coisa rara em sua realidade enquanto entre nós.
Foi o seguinte: aconteceu antes do meu ingresso no serviço público, no final de 1955. Eu, bem moço, trabalhava na empresa ‘Sobral & Cia.’, agentes da ‘Linha Aérea Transcontinental Brasileira’, posteriormente encampada pela ‘Real S/A Transportes aéreos’. Dr. Aloísio era nosso cliente (as nossas passagens aéreas eram bem mais baratas que as vendidas pela ‘Panair’ e ‘Cruzeiro do Sul’, tops de linha e preços, à época). Pois bem! Dr. Aloísio, em uma de suas viagens ao Rio de Janeiro ou São Paulo, não lembro bem, adquiriu um ‘Eletrocardiógrafo’, o melhor e moderníssimo, à época – uma caixa enorme, cheia de fios e pontos a serem ligados aos seus clientes quando em exames. Comparado aos de hoje, deve estar sendo considerado ‘peça de museu’, mas era bom e eficiente.
Dr. Aloísio recebeu a caixa com o aparelho num voo de sábado, conforme acerto entre ele e a empresa remetente. Foi para o aeroporto aguardar a caixa e acompanhou a entrega em seu consultório, com local previamente preparado para tão grande acontecimento. Recebeu a caixa, tirou o aparelho, verificou que respondia ao ‘liga/desliga’, e aí, a parte final da história: exigiu experimentar o aparelho, fazendo o teste comigo.
O bem jovem dos anos cinquenta (eu), negou-se a ligar tantos fios a seu corpo – tive medo, na verdade. O colega, seu ‘João Teixeira’, homem simples, trabalhador de pista, aceitou de bom grado submeter-se ao exame. Só então, Dr. Aloísio assinou o ‘Conhecimento Aéreo’, quitando a entrega da encomenda e seu conteúdo, um eletrocardiógrafo que, por anos, marcou o trabalho do conceituado médico.
A mim, ele cognominou de "Corajoso" e, assim, me tratou por muitos anos. Nunca me preocupei ou reagi, até achava graça, porque, na verdade, eu não aceitei o teste, por "medo".
* * *
Concluo, adaptando o parágrafo final do texto dele: Às vésperas do ‘Dia da Pátria’, 7 de setembro, recomendo aos Congressistas de Sergipe, os atuais e os que irão eleger-se para o próximo mandato, ‘cuidados especiais’ na votação das medidas que o Governo Federal empurra para serem votadas – normalmente ‘a-toque-de-caixa-e-repique-de-sinos’ – por deputados e senadores da República, "reformando" (entre aspas mesmo) a Previdência Social.
Estejamos atentos!!!
* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br