Domingo, 19 De Janeiro De 2025
       
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Encantos e desafios da emblemática Ladeira do Brumburum


Publicado em 11 de setembro de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Acrísio Gonçalves de Oliveira
Estancianidade. Nunca vi esse termo nas páginas dos jornais da Cidade Jardim, exceto quando fora utilizado pelo cronista e escritor Carlos Tadeu (1935-2014), em um dos periódicos dos anos de 1970. Como não a definiu, a ideia parecia tomar para si o cuidado com as coisas de Estância. Cuidado com a sua tradição, com a sua cultura. Quem sabe o cuidado com seus valores morais e sociais. Ou o cuidado com seu povo, com a preservação e manutenção do seu patrimônio histórico. Assim, escrever sobre o passado estanciano deverá ser também cuidar da sua estancianidade. 
Estância tem muitas ladeiras. Cidade de altos e baixos, algumas delas tiveram que ser reduzidas para facilitar a mobilidade urbana. Contudo, qual cidade não tem a sua ladeira, por pequena que seja? Difícil não ter uma. Por isso nas muitas cidades brasileiras essas ondulações existentes ora nos centros, ora nos subúrbios reservam grandes histórias. São exemplos as subidas do Rio de Janeiro como a Ladeira da Freguesia, da Glória e da Misericórdia, esta última apontada pelos historiadores como da época do seu surgimento. Lembramo-nos das inúmeras que se encontram em Salvador como a do Taboão, Quebra Bunda e da Preguiça, que segundo pesquisadores o nome surgiu por causa das frases dos escravos, que ao subir lentamente com as pesadas mercadorias oriundas dos navios, diziam: "essa ladeira dá uma preguiça", ou "sobe preguiça!". Para homenageá-la, o baiano Gilberto Gil compôs, em 1973, Ladeira da Preguiça, um de seus sucessos.
Aracaju, embora uma cidade de poucas ladeiras, mesmo assim não deixou de ter a sua. Um lugar que remonta ao começo da bela capital: a ladeira da Colina do Santo Antônio. Ainda podemos citar São Cristóvão, com as ladeiras Porto da Banca – a época da fundação da antiga capital – e a do Açougue, ambas tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Para o historiador Samuel Albuquerque a Ladeira do Açougue "é uma das vias mais inspiradoras de São Cristóvão", pois há "séculos ela une as ditas cidades alta e baixa e dela se tem uma ampla tomada da malha urbana". 
Assim como nas grandes cidades, Estância herdou a sina das ladeiras e algumas se tornaram emblemáticas na sua história. Delas fazem parte a Ladeira da Camboa da Raia (que descia no sentido da Rodoviária), do Bomfim, do Porto d’Areia, da Cachoeira. Mas na sua longa trajetória existe outra de capital importância – acima de tudo econômica – que passamos a investigar: a Ladeira do Brumburum. Rota antiga por onde parte da economia fluía desde o século XIX, pelo menos, tornou-se um referencial estanciano. 
O nome da ladeira veio sofrendo pequenas alterações com o passar dos anos. Aparece como Ladeira do Brumburum, Burumburum ou Bumburum como é atualmente chamada. Consta na inscrição da placa fixada na parede de uma casa na mesma localidade, os dizeres: "Largo Flaviano Lima Bedóia (antigo largo Burumburum)". Uma inscrição com a grafia "rua do Burumburum", encontramos em um documento cartorial da década de 1870. Noutra, no final dessa mesma década aparece inscrita como "rua do BrumBrum", ambas, evidentemente, se referindo à famosa ladeira. 
Desafiadora, fez parte da memória do antigo povo da Princesa do Sul. Em 1944, Oswaldo Freire da Fonseca ao lamentar a morte de um antigo amigo que morrera sem voltar a rever Estância, sua terra natal, relembrava o que uma vez dissera: "nos escaninhos da sua memória, dançava a lembrança de como são a Ladeira do Bumburum, o Areal, o Botequim com sua Santacruzinha lá no fim". No livro Reminiscências, 2º Volume, Manuel Rodrigues do Nascimento também se recordou da histórica ladeira nos mostrando quão íngreme era: "chegamos até o ‘Brumburum’ cujo leito é protegido por grosseiro calçamento a pedra bruta, e para descer à qual o pedestre tem que andar cautelosamente". 
Edilberto Campos, outro autor que discorrera sobre o passado da Princesa do Piauitinga – que para ele o topônimo Brumburum seria uma "onomatopeia que exprime o ruído das rodas ferradas contra os calhaus" – em Crônicas da Passagem do Século, que recentemente teve reedição, o destacado escritor narra um acidente ocorrido, no ano de 1890, com a família de um "Juiz de Direito" que se transferia para Lagarto, sua nova comarca. Como era tempo de chuva abriu-se, no Brumburum, profundo suco, fazendo as rodas do carro de boi ficarem presas "e a mesa com sua carga, a esposa do Juiz, 3 filhos pequenos, uma criada e muitas trouxas, foi arrastada ladeira abaixo até o fim do declive, envolvidos por uma nuvem de pó". Era de praxe as famílias ricas se deslocarem a carros de bois, cobrindo-o contra as chuvas e forrando todo o assoalho, tornando a viagem a mais confortável possível. Seguia sob os cuidados de um "chamador" e carreiro experientes. Se a viagem era longa, costumavam sair às madrugadas com o objetivo de adiantar o percurso pegando-se o frescor da manhã.  
Presente possivelmente desde os primeiros anos da cidade e bem mais íngreme que a atual, continha grandes pedras no seu calçamento. Era ladeira respeitada. Na condução dos animais os maiores cuidados deveriam ser tomados, tanto na subida quanto na descida. Nela, o guia (o chamador de boi) e o carreiro, às vezes viam-se impotentes ante a carga a conduzir e a ladeira a transpor. Isso configurava à subida momento de muita tensão. 
A velha ladeira bem merecia um tombamento! Porém, a fim de minimizar os desafios enfrentados pelos transeuntes, sofreu rebaixamento. Ali, ao seu lado, escorria o riachinho Brumburum, de água bem fria e clara onde as pessoas costumavam saciar a sede. Era água que vinha da nascente de uma lagoa antiga existente na frente da Igreja do Amparo. A lagoa foi aterrada. Hoje ainda escorre água, infelizmente mais de esgoto que outra coisa. Foi mais um córrego praticamente extinto na cidade. (continua)
* Acrísio Gonçalves de Oliveira é pesquisador, radialista, Professor do Estado e da Rede Pública de Estância

* Acrísio Gonçalves de Oliveira

Estancianidade. Nunca vi esse termo nas páginas dos jornais da Cidade Jardim, exceto quando fora utilizado pelo cronista e escritor Carlos Tadeu (1935-2014), em um dos periódicos dos anos de 1970. Como não a definiu, a ideia parecia tomar para si o cuidado com as coisas de Estância. Cuidado com a sua tradição, com a sua cultura. Quem sabe o cuidado com seus valores morais e sociais. Ou o cuidado com seu povo, com a preservação e manutenção do seu patrimônio histórico. Assim, escrever sobre o passado estanciano deverá ser também cuidar da sua estancianidade. 
Estância tem muitas ladeiras. Cidade de altos e baixos, algumas delas tiveram que ser reduzidas para facilitar a mobilidade urbana. Contudo, qual cidade não tem a sua ladeira, por pequena que seja? Difícil não ter uma. Por isso nas muitas cidades brasileiras essas ondulações existentes ora nos centros, ora nos subúrbios reservam grandes histórias. São exemplos as subidas do Rio de Janeiro como a Ladeira da Freguesia, da Glória e da Misericórdia, esta última apontada pelos historiadores como da época do seu surgimento. Lembramo-nos das inúmeras que se encontram em Salvador como a do Taboão, Quebra Bunda e da Preguiça, que segundo pesquisadores o nome surgiu por causa das frases dos escravos, que ao subir lentamente com as pesadas mercadorias oriundas dos navios, diziam: "essa ladeira dá uma preguiça", ou "sobe preguiça!". Para homenageá-la, o baiano Gilberto Gil compôs, em 1973, Ladeira da Preguiça, um de seus sucessos.
Aracaju, embora uma cidade de poucas ladeiras, mesmo assim não deixou de ter a sua. Um lugar que remonta ao começo da bela capital: a ladeira da Colina do Santo Antônio. Ainda podemos citar São Cristóvão, com as ladeiras Porto da Banca – a época da fundação da antiga capital – e a do Açougue, ambas tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Para o historiador Samuel Albuquerque a Ladeira do Açougue "é uma das vias mais inspiradoras de São Cristóvão", pois há "séculos ela une as ditas cidades alta e baixa e dela se tem uma ampla tomada da malha urbana". 
Assim como nas grandes cidades, Estância herdou a sina das ladeiras e algumas se tornaram emblemáticas na sua história. Delas fazem parte a Ladeira da Camboa da Raia (que descia no sentido da Rodoviária), do Bomfim, do Porto d’Areia, da Cachoeira. Mas na sua longa trajetória existe outra de capital importância – acima de tudo econômica – que passamos a investigar: a Ladeira do Brumburum. Rota antiga por onde parte da economia fluía desde o século XIX, pelo menos, tornou-se um referencial estanciano. 
O nome da ladeira veio sofrendo pequenas alterações com o passar dos anos. Aparece como Ladeira do Brumburum, Burumburum ou Bumburum como é atualmente chamada. Consta na inscrição da placa fixada na parede de uma casa na mesma localidade, os dizeres: "Largo Flaviano Lima Bedóia (antigo largo Burumburum)". Uma inscrição com a grafia "rua do Burumburum", encontramos em um documento cartorial da década de 1870. Noutra, no final dessa mesma década aparece inscrita como "rua do BrumBrum", ambas, evidentemente, se referindo à famosa ladeira. 
Desafiadora, fez parte da memória do antigo povo da Princesa do Sul. Em 1944, Oswaldo Freire da Fonseca ao lamentar a morte de um antigo amigo que morrera sem voltar a rever Estância, sua terra natal, relembrava o que uma vez dissera: "nos escaninhos da sua memória, dançava a lembrança de como são a Ladeira do Bumburum, o Areal, o Botequim com sua Santacruzinha lá no fim". No livro Reminiscências, 2º Volume, Manuel Rodrigues do Nascimento também se recordou da histórica ladeira nos mostrando quão íngreme era: "chegamos até o ‘Brumburum’ cujo leito é protegido por grosseiro calçamento a pedra bruta, e para descer à qual o pedestre tem que andar cautelosamente". 
Edilberto Campos, outro autor que discorrera sobre o passado da Princesa do Piauitinga – que para ele o topônimo Brumburum seria uma "onomatopeia que exprime o ruído das rodas ferradas contra os calhaus" – em Crônicas da Passagem do Século, que recentemente teve reedição, o destacado escritor narra um acidente ocorrido, no ano de 1890, com a família de um "Juiz de Direito" que se transferia para Lagarto, sua nova comarca. Como era tempo de chuva abriu-se, no Brumburum, profundo suco, fazendo as rodas do carro de boi ficarem presas "e a mesa com sua carga, a esposa do Juiz, 3 filhos pequenos, uma criada e muitas trouxas, foi arrastada ladeira abaixo até o fim do declive, envolvidos por uma nuvem de pó". Era de praxe as famílias ricas se deslocarem a carros de bois, cobrindo-o contra as chuvas e forrando todo o assoalho, tornando a viagem a mais confortável possível. Seguia sob os cuidados de um "chamador" e carreiro experientes. Se a viagem era longa, costumavam sair às madrugadas com o objetivo de adiantar o percurso pegando-se o frescor da manhã.  
Presente possivelmente desde os primeiros anos da cidade e bem mais íngreme que a atual, continha grandes pedras no seu calçamento. Era ladeira respeitada. Na condução dos animais os maiores cuidados deveriam ser tomados, tanto na subida quanto na descida. Nela, o guia (o chamador de boi) e o carreiro, às vezes viam-se impotentes ante a carga a conduzir e a ladeira a transpor. Isso configurava à subida momento de muita tensão. 
A velha ladeira bem merecia um tombamento! Porém, a fim de minimizar os desafios enfrentados pelos transeuntes, sofreu rebaixamento. Ali, ao seu lado, escorria o riachinho Brumburum, de água bem fria e clara onde as pessoas costumavam saciar a sede. Era água que vinha da nascente de uma lagoa antiga existente na frente da Igreja do Amparo. A lagoa foi aterrada. Hoje ainda escorre água, infelizmente mais de esgoto que outra coisa. Foi mais um córrego praticamente extinto na cidade. (continua)

* Acrísio Gonçalves de Oliveira é pesquisador, radialista, Professor do Estado e da Rede Pública de Estância

 

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