Sexta, 03 De Janeiro De 2025
       
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Lembrando o Campo de Aviação (II)


Publicado em 12 de fevereiro de 2019
Por Jornal Do Dia


 

* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
 
O artigo da terça-feira passada (05/
02) – Lembrando o Campo de Avi-
ação – "rendeu-me" tantos e-mails que me sinto motivado a trazer para os caros leitores outras histórias "contadas" por meu pai, o ‘Memorialista Raymundo Mello’, sobre os primórdios da aviação comercial em Sergipe, neste momento da história em que o nosso ‘Aeroporto Santa Maria’ está em vias de ser privatizado.
Agradeço a todos os que nos prestigiam com a assídua leitura deste artigo semanal e dão-se ao trabalho de escrever-me e-mails com conteúdos tão ilustrados quanto gentis, inclusive, relatando-me fatos da época em que conviveram profissionalmente com meu pai. Um deles – registro com emoção – fez questão de ir ao ‘Aeroporto de Aracaju’ visitar o memorial sobre a aviação comercial em Sergipe, ao qual me referi no artigo, e enviou-me uma fotografia tirada junto à imagem de meu pai em pleno exercício de sua função – Despachante de aviões comerciais -, que lá se encontra.
Este "feedback" diário que recebo dos leitores que nos acompanham, é, realmente, muitíssimo gratificante; posso sentir de perto, hoje, todo o prazer que tinha o meu pai por suas publicações.
O texto de hoje, originalmente publicado na antiga ‘Gazeta de Sergipe’, compôs posteriormente a edição de 28 de novembro de 2014 do ‘Jornal do Dia’, encimado pelo título "Voando na memória". Boa leitura pra todos!
Fala, Raymundo Mello!
– Comecei a trabalhar muito cedo; em 1949, com 15 anos de idade, carteira de trabalhador menor (aquela de capa vermelha), em 02 de maio daquele ano fui registrado na empresa "Sobral & Cia."; função: "Despachante", despachante de aeroporto (que então não existia, era campo de aviação mesmo).
O trabalho era agradável e muito leve – começávamos às 4 horas da manhã já na agência da Transcontinental, rua São Cristóvão n.º 79 (Aracaju), para os preparos de despacho, apanhar passageiros em seus endereços (alguns, mais apressados, quando chegávamos para abrir o escritório já estavam na porta, impacientes), e seguir para o "aeroporto", como se dizia então, e ali, despachar o primeiro voo do dia, que deveria pousar em Aracaju às 5h15 e decolar às 5h45 com destino a Salvador, Vitória e Rio de Janeiro, onde aconteciam as conexões para São Paulo e demais capitais do sul do país.
Como disse, o trabalho era leve e agradável, a gente não cansava muito (nem dava para) e já voltávamos para os serviços de rotina na agência – vender passagens, despachar encomendas, entregar as que vinham de outros estados, comunicar à Alfândega as ocorrências do despacho anterior, pegar a licença para a chegada do próximo voo, fazendo a rota Rio-Recife que deveria pousar em Aracaju às 12h45 e decolar às 13h15, e aí voltávamos para a agência, para a rotina, inclusive entregando a mala postal que chegava e continuávamos no serviço como já descrito; uma visita à nossa casa para um banho, um café e logo voltávamos para o escritório para preparar documentos, relatório de peso, até que, às 20h30, íamos ao setor de Tráfego Postal, na Agência Central dos Correios (rua Laranjeiras, esquina com Itabaianinha), recolher a mala postal que seguiria na manhã seguinte rumo sul (Salvador – Vitória – Rio – São Paulo) no voo da madrugada. Fazíamos as guias de embarque das malas do Correio, uma rápida conferência na papelada e aí íamos descansar, dormir, após uma tarefa de trabalho corrido de cerca de 17 horas diárias.
Mas isso não era um "privilégio" meu, trabalhando na Transcontinental (e as demais incorporadoras que se seguiram) – absolutamente! Os que trabalhavam para as demais companhias de aviação descansavam um pouco mais porque não tinham voos diários para o norte e para o sul, como a nossa – tinham um pouco menos de trabalho (Panair, Cruzeiro, Aerovias, Linhas Aéreas Brasileiras, Linhas Aéreas Paulistas, Aero Geral, e também a empresa Viabras, cujos aviões não chegavam nunca por aqui e deixavam o agente louco, empurrando seus passageiros para as outras companhias).
E assim trabalhávamos alegres, felizes, bastante descansados, de segunda a domingo, semanas após semanas, isso em ritmo normal, porque, em ritmo anormal, ainda conto. Mas o meu chefe, diga-se de passagem, sempre que necessário nos acompanhava. Era um cara legal, um patrão de primeira.
Então, não era um trabalho leve e agradável? Afinal, o que são 16 a 17 horas diárias no labor, chovesse ou fizesse sol?
O trabalho no campo de aviação incluía o balizamento da pista, toda madrugada – 4 lanternas verdes de cada lado do início da pista e mais 4 colocadas de uma lateral à outra, mostrando com "eficiência" o início do ponto de descida da aeronave. Sequenciava-se a marcação das balizas com candeeiros nos 800 metros de pista de barro até a sua parte final, já quase junto à cerca que a separava da estrada de rodagem que ligava Aracaju às cidades do interior do estado. Aí, repetia-se a distribuição de lanternas vermelhas, com a mesma colocação das lanternas verdes do início. Era um balizamento com "segurança total". E os comandantes dos Douglas DC-3/C-47, ainda teciam elogios ao nosso trabalho – "a pista está bem marcada", "boa iluminação", etc. Seria verdade ou eles estavam gozando do nosso esforço? Considerando que eles pousavam e decolavam até em dias de muita chuva e vento, acredito na sinceridade deles, pilotos corajosos, experimentados, a maioria ex-militares da FAB (Força Aérea Brasileira), alguns até do período da segunda guerra – 43 a 45, quando o Brasil dela participou.
Era naquele velho campo de aviação (pista de barro com 800 metros, uma biruta e uma casa com uma modesta estação-rádio da FAB quase sempre inoperante) que passageiros aguardavam a chamada de embarque. Tinha também um galpão amplo, ao lado da casa, onde ficavam estacionados 3 pequenos aviões Teco-Teco pertencentes ao Aero Clube de Aracaju, onde muita gente aprendeu a voar e foram brevetados. Acho que esse velho galpão ainda existe pois o Aeroporto Santa Maria, da capital, foi inaugurado nos anos 60 mas o Aero Clube permaneceu no velho campo.
E lá, no velho campo, vi muita coisa como DC-3 de várias empresas pousarem com apenas um motor porque o outro sofreu o que eles diziam ser uma pane e chegavam no embalo do voo – os aviões eram tão bons como os pilotos. Teve um, da nossa companhia, que chegou tão mal, um motor parado e o outro quase parando, tão sem força, que, após o pouso, permaneceu no meio da pista. Desceram os passageiros e ele teve que ser puxado por um trator para um local ao lado da pista, onde recebeu a manutenção vinda da sede e onde foi feita a troca do motor. Um trabalho imenso mas que acontecia também com as outras empresas – lembro bem que após o desembarque dos passageiros, veio a tripulação com um aspecto meio abatido, e eu, despachante, com a melhor das intenções perguntei ao comandante (cito o nome porque é fato de cerca de 50/60 anos atrás): "Comandante Edmundo, qual a primeira providência que o senhor recomenda?". E ele, bem sério: "Me diga onde fica o sanitário que eu estou me ca….. e depois consiga urgente um trator para tirarmos o avião da pista". O que foi feito.
De qualquer maneira, nesse caso e em outros, não houve vítimas como, infelizmente, aconteceu com o DC-3 das Linhas Aéreas Paulistas que vinha de Natal, sofreu pane voando Maceió-Aracaju, aproximou-se do campo com 28 passageiros e 4 tripulantes e caiu a poucos metros da pista, no Rio do Sal. Todos faleceram, 32 pessoas, inclusive, ‘Dix-Sept Rosado Maia’, então Governador do Rio Grande do Norte.
(…)
Dix Sept era filho de um influente político daquele estado, que numerava seus filhos e filhas em idioma francês. A numeração prosseguiu e, segundo consta, passou de 20. Conheci o Dix Huit (18). A família ainda hoje exerce a política – [o seu representante mais conhecido a nível nacional, Agripino Maia, foi Senador da República até 31 de janeiro último, data em que se encerrou a 55.ª legislatura do Senado Federal].
* * *
E.T. – No exato momento em que adapto este texto para enviá-lo à editoria do jornal, ouço a triste notícia do falecimento, por queda de uma aeronave (tipo helicóptero), de ‘Ricardo Boechat’, um dos meus ícones no jornalismo brasileiro, com quem muito aprendi, diariamente, assistindo-o na apresentação do ‘Jornal da Band’. Vá em paz, professor.
* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br

* Raymundo Mello

(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)

O artigo da terça-feira passada (05/ 02) – Lembrando o Campo de Avi- ação – "rendeu-me" tantos e-mails que me sinto motivado a trazer para os caros leitores outras histórias "contadas" por meu pai, o ‘Memorialista Raymundo Mello’, sobre os primórdios da aviação comercial em Sergipe, neste momento da história em que o nosso ‘Aeroporto Santa Maria’ está em vias de ser privatizado.
Agradeço a todos os que nos prestigiam com a assídua leitura deste artigo semanal e dão-se ao trabalho de escrever-me e-mails com conteúdos tão ilustrados quanto gentis, inclusive, relatando-me fatos da época em que conviveram profissionalmente com meu pai. Um deles – registro com emoção – fez questão de ir ao ‘Aeroporto de Aracaju’ visitar o memorial sobre a aviação comercial em Sergipe, ao qual me referi no artigo, e enviou-me uma fotografia tirada junto à imagem de meu pai em pleno exercício de sua função – Despachante de aviões comerciais -, que lá se encontra.
Este "feedback" diário que recebo dos leitores que nos acompanham, é, realmente, muitíssimo gratificante; posso sentir de perto, hoje, todo o prazer que tinha o meu pai por suas publicações.
O texto de hoje, originalmente publicado na antiga ‘Gazeta de Sergipe’, compôs posteriormente a edição de 28 de novembro de 2014 do ‘Jornal do Dia’, encimado pelo título "Voando na memória". Boa leitura pra todos!
Fala, Raymundo Mello!
– Comecei a trabalhar muito cedo; em 1949, com 15 anos de idade, carteira de trabalhador menor (aquela de capa vermelha), em 02 de maio daquele ano fui registrado na empresa "Sobral & Cia."; função: "Despachante", despachante de aeroporto (que então não existia, era campo de aviação mesmo).
O trabalho era agradável e muito leve – começávamos às 4 horas da manhã já na agência da Transcontinental, rua São Cristóvão n.º 79 (Aracaju), para os preparos de despacho, apanhar passageiros em seus endereços (alguns, mais apressados, quando chegávamos para abrir o escritório já estavam na porta, impacientes), e seguir para o "aeroporto", como se dizia então, e ali, despachar o primeiro voo do dia, que deveria pousar em Aracaju às 5h15 e decolar às 5h45 com destino a Salvador, Vitória e Rio de Janeiro, onde aconteciam as conexões para São Paulo e demais capitais do sul do país.
Como disse, o trabalho era leve e agradável, a gente não cansava muito (nem dava para) e já voltávamos para os serviços de rotina na agência – vender passagens, despachar encomendas, entregar as que vinham de outros estados, comunicar à Alfândega as ocorrências do despacho anterior, pegar a licença para a chegada do próximo voo, fazendo a rota Rio-Recife que deveria pousar em Aracaju às 12h45 e decolar às 13h15, e aí voltávamos para a agência, para a rotina, inclusive entregando a mala postal que chegava e continuávamos no serviço como já descrito; uma visita à nossa casa para um banho, um café e logo voltávamos para o escritório para preparar documentos, relatório de peso, até que, às 20h30, íamos ao setor de Tráfego Postal, na Agência Central dos Correios (rua Laranjeiras, esquina com Itabaianinha), recolher a mala postal que seguiria na manhã seguinte rumo sul (Salvador – Vitória – Rio – São Paulo) no voo da madrugada. Fazíamos as guias de embarque das malas do Correio, uma rápida conferência na papelada e aí íamos descansar, dormir, após uma tarefa de trabalho corrido de cerca de 17 horas diárias.
Mas isso não era um "privilégio" meu, trabalhando na Transcontinental (e as demais incorporadoras que se seguiram) – absolutamente! Os que trabalhavam para as demais companhias de aviação descansavam um pouco mais porque não tinham voos diários para o norte e para o sul, como a nossa – tinham um pouco menos de trabalho (Panair, Cruzeiro, Aerovias, Linhas Aéreas Brasileiras, Linhas Aéreas Paulistas, Aero Geral, e também a empresa Viabras, cujos aviões não chegavam nunca por aqui e deixavam o agente louco, empurrando seus passageiros para as outras companhias).
E assim trabalhávamos alegres, felizes, bastante descansados, de segunda a domingo, semanas após semanas, isso em ritmo normal, porque, em ritmo anormal, ainda conto. Mas o meu chefe, diga-se de passagem, sempre que necessário nos acompanhava. Era um cara legal, um patrão de primeira.
Então, não era um trabalho leve e agradável? Afinal, o que são 16 a 17 horas diárias no labor, chovesse ou fizesse sol?
O trabalho no campo de aviação incluía o balizamento da pista, toda madrugada – 4 lanternas verdes de cada lado do início da pista e mais 4 colocadas de uma lateral à outra, mostrando com "eficiência" o início do ponto de descida da aeronave. Sequenciava-se a marcação das balizas com candeeiros nos 800 metros de pista de barro até a sua parte final, já quase junto à cerca que a separava da estrada de rodagem que ligava Aracaju às cidades do interior do estado. Aí, repetia-se a distribuição de lanternas vermelhas, com a mesma colocação das lanternas verdes do início. Era um balizamento com "segurança total". E os comandantes dos Douglas DC-3/C-47, ainda teciam elogios ao nosso trabalho – "a pista está bem marcada", "boa iluminação", etc. Seria verdade ou eles estavam gozando do nosso esforço? Considerando que eles pousavam e decolavam até em dias de muita chuva e vento, acredito na sinceridade deles, pilotos corajosos, experimentados, a maioria ex-militares da FAB (Força Aérea Brasileira), alguns até do período da segunda guerra – 43 a 45, quando o Brasil dela participou.
Era naquele velho campo de aviação (pista de barro com 800 metros, uma biruta e uma casa com uma modesta estação-rádio da FAB quase sempre inoperante) que passageiros aguardavam a chamada de embarque. Tinha também um galpão amplo, ao lado da casa, onde ficavam estacionados 3 pequenos aviões Teco-Teco pertencentes ao Aero Clube de Aracaju, onde muita gente aprendeu a voar e foram brevetados. Acho que esse velho galpão ainda existe pois o Aeroporto Santa Maria, da capital, foi inaugurado nos anos 60 mas o Aero Clube permaneceu no velho campo.
E lá, no velho campo, vi muita coisa como DC-3 de várias empresas pousarem com apenas um motor porque o outro sofreu o que eles diziam ser uma pane e chegavam no embalo do voo – os aviões eram tão bons como os pilotos. Teve um, da nossa companhia, que chegou tão mal, um motor parado e o outro quase parando, tão sem força, que, após o pouso, permaneceu no meio da pista. Desceram os passageiros e ele teve que ser puxado por um trator para um local ao lado da pista, onde recebeu a manutenção vinda da sede e onde foi feita a troca do motor. Um trabalho imenso mas que acontecia também com as outras empresas – lembro bem que após o desembarque dos passageiros, veio a tripulação com um aspecto meio abatido, e eu, despachante, com a melhor das intenções perguntei ao comandante (cito o nome porque é fato de cerca de 50/60 anos atrás): "Comandante Edmundo, qual a primeira providência que o senhor recomenda?". E ele, bem sério: "Me diga onde fica o sanitário que eu estou me ca….. e depois consiga urgente um trator para tirarmos o avião da pista". O que foi feito.
De qualquer maneira, nesse caso e em outros, não houve vítimas como, infelizmente, aconteceu com o DC-3 das Linhas Aéreas Paulistas que vinha de Natal, sofreu pane voando Maceió-Aracaju, aproximou-se do campo com 28 passageiros e 4 tripulantes e caiu a poucos metros da pista, no Rio do Sal. Todos faleceram, 32 pessoas, inclusive, ‘Dix-Sept Rosado Maia’, então Governador do Rio Grande do Norte.
(…)
Dix Sept era filho de um influente político daquele estado, que numerava seus filhos e filhas em idioma francês. A numeração prosseguiu e, segundo consta, passou de 20. Conheci o Dix Huit (18). A família ainda hoje exerce a política – [o seu representante mais conhecido a nível nacional, Agripino Maia, foi Senador da República até 31 de janeiro último, data em que se encerrou a 55.ª legislatura do Senado Federal].

* * *

E.T. – No exato momento em que adapto este texto para enviá-lo à editoria do jornal, ouço a triste notícia do falecimento, por queda de uma aeronave (tipo helicóptero), de ‘Ricardo Boechat’, um dos meus ícones no jornalismo brasileiro, com quem muito aprendi, diariamente, assistindo-o na apresentação do ‘Jornal da Band’. Vá em paz, professor.

* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br

 

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