Sexta, 27 De Dezembro De 2024
       
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Luiz Moura: "Os menos protegidos serão mais prejudicados"


Publicado em 29 de março de 2020
Por Jornal Do Dia


O ECONOMISTA LUIZ MOURA, COORDENADOR ESTADUAL DO DIEESE

Luiz Moura, coordenador estadual do Dieese

 

Jornal do Dia- Muitos empresários estão apoiando o discurso do presidente Bolsonaro de que é preciso voltar a normalidade no comércio e na indústria. Há risco de demissão em massa dos trabalhadores?
Luiz Moura- É compreensível que os empresários, depois de quase de duas semanas com os serviços fechados, estejam pressionando pela abertura do comércio. O que eles não entendem é que a população está apoiando as medidas aplicadas pelos governos até aqui, e isso no Brasil todo. Esses empresários que estão querendo abrir lojas, voltar à normalidade sem que as autoridades de saúde tenham reconhecido a normalidade, podem correr o risco de abrir as lojas e o consumidor não ir comprar nada. Isso já acontece, em tese, no Mercado Central, lá existem várias bancas que não estão com vendedor porque percebeu que caiu muito o movimento e esses vendedores não querem arriscar a colocar mercadoria no balcão e não ter ninguém pra vender. Esses empresários têm que refletir sobre isso. A população está apoiando porque está com medo do que está acontecendo em outros países. 
É claro que, infelizmente, vão haver demissões, o empresariado ele é muito seguro devido ao instinto de sobrevivência que vai falar mais alto. Vamos ter demissões sem que o trabalhador receba as suas verbas rescisórias, o que é mais grave. Você demitir as pessoas sem que ele receba nada. Por isso é bom que a superintendência do trabalho e os tribunais do trabalho estejam atentos a isso porque pior do que ser demitido é ser demitido sem receber nada. Nós teremos sim esse aumento das demissões, mas não dá para saber ainda a sua força porque muitos dos setores que foram imediatamente afetados estão na informalidade. Esse é o caso do pequeno comerciante, a área de bares e restaurantes, enfim, tem muito trabalhador informal ou muito trabalhador protegido pelo super simples, empresários protegidos pelo super simples. Não dá para saber ainda a dimensão dessas demissões, mas com certeza nós teremos sim um aumento.
 
JD – O governo anunciou uma série de medidas para melhorar a economia, mas nada saiu do papel. O que o governo federal pode fazer para evitar demissões e manter a economia funcionando?
LM – Esse é um dos grandes problemas. Anunciam-se uma série de incentivos; bancos anunciam prorrogação de dívidas, anunciam empréstimo para capital de giro, anuncia uma série de coisas, mas quando o pequeno empresário vai lá para ver como é que vai ter acesso a isso, percebe que existe uma série de exigências do ponto de vista burocrático e legal que tem que ter, mas acabam dificultando que essa série de medidas seja concretamente estabelecida. O Governo do Estado anunciou uma linha de crédito de 50 milhões de reais para capital de giro através do Banese para os empresários de Sergipe, mas ninguém sabe ainda como é que vai ser a operacionalização desse capital de giro. Vejam que quando o Banese quer, ele disponibiliza dinheiro para a população cobrando juros de imediato. O cidadão vai lá, contrata um empréstimo pelo caixa eletrônico. Isso acontece muito com o servidor público porque tem a garantia de que vai receber aquele empréstimo contratado. No caso das empresas é mais complicado porque o Banese vai exigir uma série de contrapartida por parte dos empresários que muitas vezes muitos não terão condições. O que eu recomendaria é que os empresários que possuem um relacionamento há muitos anos com o Banese, conversem com o banco para que esse crédito seja facilitado por se tratar de uma emergência; o empresário está precisando mesmo de dinheiro para girar o seu negócio, em especial aqueles que têm alguma relação com o Governo do Estado. Você é empresário, vende para o Estado que não está te pagando, e na hora de contratar uma operação com o Banese acaba se deparando com uma série de complicações; esse tipo de coisa não pode ter, porque há a garantia do recebimento, da mesma forma como há a garantia de recebimento por parte dos servidores. O banco tem que ter cuidado, mas exageros nessa hora acabam dificultando o acesso ao dinheiro.
JD – Esse auxílio de R$ 600 para os trabalhadores informais é suficiente? E o projeto de renda básica?
LM – Essa medida é excelente. Veja que originalmente o Paulo Guedes [ministro da economia] alardeou dizendo que foi o Jair Bolsonaro quem propôs os R$ 600. Nada disso, o primeiro comunicado do Paulo Guedes junto com Bolsonaro era de R$ 200 para os trabalhadores informais. O Congresso, os partidos que dominam hoje o mundo político na Câmara e Senado queriam R$ 500; a oposição queria um salário mínimo. Foi aí que buscaram um acordo porque sem ele nada é aprovado em caráter urgente, urgentíssima. Então buscaram um acordo que fixou nos R$ 600, quefoi respaldado pelo líder do Governo, mas esse valor não foi proposta de Bolsonaro; a proposta dele era de R$ 200. O problema dessa proposta é que tem uma série de regras de acesso às pessoas informais. Eu acredito que novamente nós teremos um complicador aí, porque se você cria uma série de regras e acaba limitando o número de pessoas que terão acesso a esses R$ 600. O objetivo maior do projeto não será cumprido. Se você flexibilizar muito, também pode haver uma série de desvirtuamento da ideia do projeto, que é garantir uma renda mínima para que aquele pequeno trabalhador que não tem capital de giro, vendedor de produtos no mercado, feirantes que nesse momento estão enfrentando dificuldades porque as pessoas não estão saindo, ele tenha acesso a essa renda mínima. Não é para pessoas que tenham recursos. No Brasil, infelizmente o Bolsa Família e o BPC mostrou que se você flexibiliza muito essas regras, pessoas que não têm direito ao benefício acabam usurfruindo. 
JD – Qual o volume de perdas que o estado poderá ter com essa pandemia?
LM – O estado vai perder. A economia do estado vai perder, nós vamos dizer que trata-se de uma situação a qual nunca imaginávamos. A música do Raul Seixas estava certa, ninguém imaginava que a Terra iria parar e estamos vendo que ela está parando. Não imaginaríamos que a Índia, com um bilhão e 300 milhões de pessoas, estaria em quarentena e isso nos dá a dimensão do problema. No nosso caso,  a primeira questão é o imediatismo da situação, nós não temos ainda a capacidade de mencionar. Estimamos que os setores da economia menos protegidos serão os mais prejudicados; setor informal, extremamente prejudicados; pequenos empresários, extremamente prejudicados; os trabalhadores que atuam nesses setores, idem. A situação para o pequeno empresário e para o trabalhador informal e comércio informal são muito parecidas porque dá uma situação de extremo. As grandes empresas terão perdas, mas terão condições de suportar. Poderemos ter aí alguma manutenção nas vendas das redes de supermercados porque nesse momento determinados itens básicos não sofrerão nenhuma queda de venda, muito pelo contrário. Existe a possibilidade de impulsionar essas vendas. Isso acontece porque alguns pequenos comerciantes como é o caso dos feirantes, que concorrem com os supermercados, estão fechados, então nos supermercados podem haver aumento nas vendas de alguns itens. Já os itens de maior valor como eletrônicos e eletrodomésticos, as pessoas vão adiar as suas compras para esses seguimentos. Outra coisa, postos de gasolinas. Teremos uma queda no consumo de combustíveis que será natural porque as pessoas, ou uma grande parte delas não está saindo de casa. A Petrobras reduziu em 40% o valor dos combustíveis esse ano e essa queda não foi repassada para os consumidores. Provavelmente estamos tendo uma margem de lucro dos postos e dos distribuidores. Eu mesmo advogo para que não deva ter redução no preço dos combustíveis pra compensar a queda das vendas e para diminuir o impacto fiscal nos estados. As pessoas que vão consumir combustíveis nesse momento são pessoas que podem pagar por um preço maior; também advoguei à favor do aumento da CID que é para transferir recursos para os estados. Estamos vivendo um momento que o Estado será fundamental para saída dessa crise, e isso falo dos três níveis de governo: União, estados e municípios que precisam de recursos para isso. Vejam aí o caso do projeto que foi aprovado de R$ 600. De onde é que virão os recursos para o pagamento desse projeto? Do orçamento, dinheiro da União. De onde virá a receita? Deveria existir um mecanismo para se taxar os mais favorecidos para cobrir essa despesa que nós teremos. Uma despesa extra que se não for coberta com alguma receita será coberta com o endividamento, o que, quando passar a crise será ruim. Os estados precisarão gastar mais com saúde e determinados serviços públicos, mesmo com queda de receita. Uma medida positiva do governo também é que vai manter o FPE e o FPM. Vai transferir dinheiro aos estados para que não haja uma queda do FPE e FPM. Isso é muito importante, mas ICMS certamente terá queda e aí a União não se comprometeu a manter.

A pandemia de coronavirus vai afetar a todos os setores da economia mundial, mas os setores menos favorecidos e menos protegidos, como os pequenos comerciantes, serão os mais prejudicados. Esta é a análise do economista Luiz Moura, chefe do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), em Sergipe. Ele avalia como compreensível a pressão dos empresários pela reabertura das atividades nos próximos dias, mas diz que isso não será possível no momento, porque as pessoas ainda estão com medo de sair às ruas e voltar pra casa contaminada. 

Em entrevista ao JORNAL DO DIA, Luiz Moura defendeu a adoção de medidas de incentivo à economia, mas enxerga que o que foi anunciado pelos governos Bolsonaro e Belivaldo, com a injeção de até R$ 350 bilhões, ainda é tímido e não terá acesso facilitado pelas instituições estatais. 

Leia a entrevista a seguir:

Jornal do Dia- Muitos empresários estão apoiando o discurso do presidente Bolsonaro de que é preciso voltar a normalidade no comércio e na indústria. Há risco de demissão em massa dos trabalhadores?

Luiz Moura- É compreensível que os empresários, depois de quase de duas semanas com os serviços fechados, estejam pressionando pela abertura do comércio. O que eles não entendem é que a população está apoiando as medidas aplicadas pelos governos até aqui, e isso no Brasil todo. Esses empresários que estão querendo abrir lojas, voltar à normalidade sem que as autoridades de saúde tenham reconhecido a normalidade, podem correr o risco de abrir as lojas e o consumidor não ir comprar nada. Isso já acontece, em tese, no Mercado Central, lá existem várias bancas que não estão com vendedor porque percebeu que caiu muito o movimento e esses vendedores não querem arriscar a colocar mercadoria no balcão e não ter ninguém pra vender. Esses empresários têm que refletir sobre isso. A população está apoiando porque está com medo do que está acontecendo em outros países. 
É claro que, infelizmente, vão haver demissões, o empresariado ele é muito seguro devido ao instinto de sobrevivência que vai falar mais alto. Vamos ter demissões sem que o trabalhador receba as suas verbas rescisórias, o que é mais grave. Você demitir as pessoas sem que ele receba nada. Por isso é bom que a superintendência do trabalho e os tribunais do trabalho estejam atentos a isso porque pior do que ser demitido é ser demitido sem receber nada. Nós teremos sim esse aumento das demissões, mas não dá para saber ainda a sua força porque muitos dos setores que foram imediatamente afetados estão na informalidade. Esse é o caso do pequeno comerciante, a área de bares e restaurantes, enfim, tem muito trabalhador informal ou muito trabalhador protegido pelo super simples, empresários protegidos pelo super simples. Não dá para saber ainda a dimensão dessas demissões, mas com certeza nós teremos sim um aumento. 

JD – O governo anunciou uma série de medidas para melhorar a economia, mas nada saiu do papel. O que o governo federal pode fazer para evitar demissões e manter a economia funcionando?

LM – Esse é um dos grandes problemas. Anunciam-se uma série de incentivos; bancos anunciam prorrogação de dívidas, anunciam empréstimo para capital de giro, anuncia uma série de coisas, mas quando o pequeno empresário vai lá para ver como é que vai ter acesso a isso, percebe que existe uma série de exigências do ponto de vista burocrático e legal que tem que ter, mas acabam dificultando que essa série de medidas seja concretamente estabelecida. O Governo do Estado anunciou uma linha de crédito de 50 milhões de reais para capital de giro através do Banese para os empresários de Sergipe, mas ninguém sabe ainda como é que vai ser a operacionalização desse capital de giro. Vejam que quando o Banese quer, ele disponibiliza dinheiro para a população cobrando juros de imediato. O cidadão vai lá, contrata um empréstimo pelo caixa eletrônico. Isso acontece muito com o servidor público porque tem a garantia de que vai receber aquele empréstimo contratado. No caso das empresas é mais complicado porque o Banese vai exigir uma série de contrapartida por parte dos empresários que muitas vezes muitos não terão condições. O que eu recomendaria é que os empresários que possuem um relacionamento há muitos anos com o Banese, conversem com o banco para que esse crédito seja facilitado por se tratar de uma emergência; o empresário está precisando mesmo de dinheiro para girar o seu negócio, em especial aqueles que têm alguma relação com o Governo do Estado. Você é empresário, vende para o Estado que não está te pagando, e na hora de contratar uma operação com o Banese acaba se deparando com uma série de complicações; esse tipo de coisa não pode ter, porque há a garantia do recebimento, da mesma forma como há a garantia de recebimento por parte dos servidores. O banco tem que ter cuidado, mas exageros nessa hora acabam dificultando o acesso ao dinheiro.

JD –
Esse auxílio de R$ 600 para os trabalhadores informais é suficiente? E o projeto de renda básica?

LM –
Essa medida é excelente. Veja que originalmente o Paulo Guedes [ministro da economia] alardeou dizendo que foi o Jair Bolsonaro quem propôs os R$ 600. Nada disso, o primeiro comunicado do Paulo Guedes junto com Bolsonaro era de R$ 200 para os trabalhadores informais. O Congresso, os partidos que dominam hoje o mundo político na Câmara e Senado queriam R$ 500; a oposição queria um salário mínimo. Foi aí que buscaram um acordo porque sem ele nada é aprovado em caráter urgente, urgentíssima. Então buscaram um acordo que fixou nos R$ 600, quefoi respaldado pelo líder do Governo, mas esse valor não foi proposta de Bolsonaro; a proposta dele era de R$ 200. O problema dessa proposta é que tem uma série de regras de acesso às pessoas informais. Eu acredito que novamente nós teremos um complicador aí, porque se você cria uma série de regras e acaba limitando o número de pessoas que terão acesso a esses R$ 600. O objetivo maior do projeto não será cumprido. Se você flexibilizar muito, também pode haver uma série de desvirtuamento da ideia do projeto, que é garantir uma renda mínima para que aquele pequeno trabalhador que não tem capital de giro, vendedor de produtos no mercado, feirantes que nesse momento estão enfrentando dificuldades porque as pessoas não estão saindo, ele tenha acesso a essa renda mínima. Não é para pessoas que tenham recursos. No Brasil, infelizmente o Bolsa Família e o BPC mostrou que se você flexibiliza muito essas regras, pessoas que não têm direito ao benefício acabam usurfruindo. 

JD – Qual o volume de perdas que o estado poderá ter com essa pandemia?

LM – O estado vai perder. A economia do estado vai perder, nós vamos dizer que trata-se de uma situação a qual nunca imaginávamos. A música do Raul Seixas estava certa, ninguém imaginava que a Terra iria parar e estamos vendo que ela está parando. Não imaginaríamos que a Índia, com um bilhão e 300 milhões de pessoas, estaria em quarentena e isso nos dá a dimensão do problema. No nosso caso,  a primeira questão é o imediatismo da situação, nós não temos ainda a capacidade de mencionar. Estimamos que os setores da economia menos protegidos serão os mais prejudicados; setor informal, extremamente prejudicados; pequenos empresários, extremamente prejudicados; os trabalhadores que atuam nesses setores, idem. A situação para o pequeno empresário e para o trabalhador informal e comércio informal são muito parecidas porque dá uma situação de extremo. As grandes empresas terão perdas, mas terão condições de suportar. Poderemos ter aí alguma manutenção nas vendas das redes de supermercados porque nesse momento determinados itens básicos não sofrerão nenhuma queda de venda, muito pelo contrário. Existe a possibilidade de impulsionar essas vendas. Isso acontece porque alguns pequenos comerciantes como é o caso dos feirantes, que concorrem com os supermercados, estão fechados, então nos supermercados podem haver aumento nas vendas de alguns itens. Já os itens de maior valor como eletrônicos e eletrodomésticos, as pessoas vão adiar as suas compras para esses seguimentos. Outra coisa, postos de gasolinas. Teremos uma queda no consumo de combustíveis que será natural porque as pessoas, ou uma grande parte delas não está saindo de casa. A Petrobras reduziu em 40% o valor dos combustíveis esse ano e essa queda não foi repassada para os consumidores. Provavelmente estamos tendo uma margem de lucro dos postos e dos distribuidores. Eu mesmo advogo para que não deva ter redução no preço dos combustíveis pra compensar a queda das vendas e para diminuir o impacto fiscal nos estados. As pessoas que vão consumir combustíveis nesse momento são pessoas que podem pagar por um preço maior; também advoguei à favor do aumento da CID que é para transferir recursos para os estados. Estamos vivendo um momento que o Estado será fundamental para saída dessa crise, e isso falo dos três níveis de governo: União, estados e municípios que precisam de recursos para isso. Vejam aí o caso do projeto que foi aprovado de R$ 600. De onde é que virão os recursos para o pagamento desse projeto? Do orçamento, dinheiro da União. De onde virá a receita? Deveria existir um mecanismo para se taxar os mais favorecidos para cobrir essa despesa que nós teremos. Uma despesa extra que se não for coberta com alguma receita será coberta com o endividamento, o que, quando passar a crise será ruim. Os estados precisarão gastar mais com saúde e determinados serviços públicos, mesmo com queda de receita. Uma medida positiva do governo também é que vai manter o FPE e o FPM. Vai transferir dinheiro aos estados para que não haja uma queda do FPE e FPM. Isso é muito importante, mas ICMS certamente terá queda e aí a União não se comprometeu a manter.

 

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