A VÉSPERA DO FIM DO MUNDO
Publicado em 28 de junho de 2020
Por Jornal Do Dia
* Antenor Aguiar
O rio São Francisco, mais uma vez, marca a história política do Brasil, nesse momento (26 de junho de 2020) suas águas cálidas e doces adentraram em terras cearenses. Em 4 de outubro de 1501, o rio que a tribo dos Caetés chamava de Opará, mudava de nome, possivelmente rebatizado por Gonçalo Coelho seguindo as instruções de sua Majestade Don Manuel I de Portugal.
O Deputado cearense Liberato Cardoso que em 1864 subiu as tribunas do legislativo para descrever poeticamente um cruzeiro de vapor entre Minas Gerais e o Ceará não poderia imaginar um dia tão trágico para a realização do sonho. 156 anos depois a ideia se tornou "quase"verdade,mas a data não poderia ser mais oportuna, porque este fato ocorreu no dia 26 de junho de 2020, véspera do final do mundo de acordo com a série Dark transmitida pela Netflix.
Depois da Pandemia da COVID 19 que já ceifou a vida de meio milhão de seres humanos, as famosas previsões de fim do mundo voltaram com toda a força em páginas da rede mundial de computadores e mesmo em reportagens de jornais e televisões. A famosa profecia Maia do final do mundo em dezembro 2012 foi requentada para o dia 21 de junho de 2020, bem como uma série de outras ideias interessantes e talvez mirabolantes.
Fique tranquilo caro leitor ou leitora, se você chegou até essa frase o mundo não se acabou porque esse texto teria sido evaporado. Mas, como o mundo ainda não acabou, vale registrar para o tempo presente e futuro alguns fatos para que a ideia da chegada das águas do rio São Francisco não se perca no debate raso de uma estratégia de marketing política e deprimente.
A semiaridez do nordeste do Brasil se deve à causa climáticas globais, mas sempre foi utilizado como desculpa para políticas regionais e nacionais. Para enfrentar os seguidos períodos de escassez hídrica ao longo dos últimos cem anos foram implementadas um série de ações que se pode agrupar em 3 períodos: a partir do início do século XX ocorreu a primeira fase hidráulica caracterizada pelo acúmulo de água em médias e grandes barragens, em seguida a segunda fase hidráulica marcada pelo estabelecimento de agricultura irrigada, finalmente a partir da promulgação da Lei Federal 9.433/1997 se inicia uma série de atividades coordenadas que se pode registrar como a época do desenvolvimento sustentável.
Com a Lei Federal 9.433/1997 o planejamento e a gestão dos recursos hídricos devem ocorrer a partir das bacias hidrográficas. Assim, em 2002 foi instituído o comitê do rio São Francisco por meio de portaria do governo de Fernando Henrique Cardoso que resgatou a ideia e o projeto de transposição das águas desse rio para melhorar a convivência das populações com a escassez hídrica, que em pouco tempo foi novamente engavetada devido a polêmica. Então, a ascensão do líder popular Lula da Silva para a presidência da república em 2003, oriundo de região semiárida de Pernambuco propiciou o retorno do debate sobre a transposição e esse governo bancou os ônus e bônus do projeto de levar águas do São Francisco para terras do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Em síntese, sem entrar no debate se a transposição é viável economicamente- socialmente-ambientalmente, as águas do rio São Francisco agora integram terras que não fazem parte natural de sua bacia hidrográfica. O fato é que a execução dessa obra que já ultrapassou os dez bilhões de reais se tornou um projeto de estado que perpassa os últimos quatro governos federais. A data que de modo reflexivo e provocativo foi cunhada como a véspera do fim do mundo se refere ao uso político eleitoral e pura propaganda.
* Antenor Aguiar, professor associado da UFS