ANA MEDINA, DOM LUCIANO E CARTAS DE ALÉM-MAR
Publicado em 13 de setembro de 2020
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Engana-se quem achar que a cidade de Boquim é apenas a Terra da Laranja ou o Berço de Hermes Fontes. Dedicada à Senhora Sant´Ana, a antiga Freguesia da Lagoa Vermelha gerou, para a alegria dos sergipanos, Ana Maria do Nascimento Fonseca, no dia 20 de outubro de 1941. Hoje, conhecida no cenário intelectual e cultural, como Ana Maria Fonseca Medina. Autora que se notabilizou, ao longo dos anos, pela qualidade dos livros publicados, mas também pela exímia capacidade de lidar com os fatos históricos com a leveza da narrativa e com o esteio das teorias mais balizadas no Brasil e no Mundo.
Filha de Raymundo Fernandes da Fonseca e Maria Isabel Silveira do Nascimento Fonseca, Ana Maria (Ana da Avó, e Maria, da Mãe de Jesus), foi educada no Grupo Escolar Severiano Cardoso. O gosto pelas letras se deu em tenra idade. O poeta Góes Duarte era amigo da família e figura sempre presente na casa de seus pais. Ana o chamava carinhosamente de Tio Joca e nutria por ele grande afeto e admiração. Desde pequenina, foi iniciada na vida cristã católica, às voltas com Dona Mariah, como era chamada sua mãe, nas inúmeras obras pastorais da Paróquia de Senhora Santana.
Aos oito anos de idade, mudou-com a família para Aracaju, pois seus pais desejam dar aos filhos melhores condições materiais de vida e oportunidades de crescimento, tendo a educação como aporte e guia. Assim, Ana Medina seguiu com sua formação escolar no Colégio Menino Jesus, Escola Normal Rui Barbosa e no Colégio Nossa Senhora de Lourdes. Em 1964, ingressou no Curso de Letras da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe.
Na Escola Normal Rui Barbosa, sob a influência de Silvério Leite Fontes, Dom Luciano José Cabral Duarte e Maria Lygia Madureira Pina criou gosto pela pesquisa e pela escrita. Segundo a historiadora Eliziane Bispo, que lhe dedicou seu trabalho de conclusão do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Sergipe: "Foram alguns mestres que fizeram aumentar seu interesse pelo caminho da escrita com uma pitada de cientificidade, resultando futuramente, em obras bem aceitas pelo público de leitores, levando até a premiação de algumas delas" (Nas Trilhas das Memórias de Ana Maria Fonseca Medina, 2017, p. 13).
Em 1999, Ana Medina lançou sua primeira obra: A Ponte do Imperador. Mais do que uma estreia, o livro alcançou sucesso de público e de crítica e colocou a autora no patamar dos grandes escritores sergipanos. Ali, Ana já imprimia um estilo de escrita que irá marcar não somente seus trabalhos autorais, mas também os que foram por ela editados ou organizados: a primorosa habilidade de narrar, aliando fatos e memória, o cuidado e o tratamento com as fontes e referências bibliográficas, sem abrir mão do rigor científico.
Em 2005, por ocasião das comemorações dos 150 anos do Aniversário de Aracaju, publicou Memórias da Ordem do Mérito Serigy, dedicado ao então Prefeito Marcelo Déda. Criando gosto e muito à vontade com seu talento de escritora e já gozando de notoriedade e respeito, Ana passou a publicar regularmente até a presente data, com cerimônias de lançamento bastante concorridas e envolvidas de grande expectativa: Cartas de Hermes Fontes (2007); Mário Cabral – vida e obra (2010); Trilhando Memórias (2013); Efemérides Sergipanas de Epifânio Dórea – dois volumes (2009); Crônicas da passagem do século, de Edilberto Campos (2017); Dr. Valmir Fernandes Fontes – Ensaio Biográfico (2019).
Em seu trabalho mais recente, Cartas d´Além Mar: Epistolário de Dom Luciano Duarte (2020), Ana Medina reúne um acervo de grande valia e de importância histórica, de Dom Luciano Duarte. Trata-se de um conjunto de cartas de sua autoria que correspondem ao período em que esteve na França, realizando seu Doutorado em Filosofia na Sorbonne, compreendendo os 1954-1957. O material, confiada à organizadora pela Senhora Carminha, irmã que se dedica há anos à memória do prelado, revela um Dom Luciano intimista, mas também dotado de grande sensibilidade e cabedal cultural. Nas cartas selecionadas por Ana Medina é possível se transportar no tempo e nos lugares que ele viveu e frequentou. Os registros, assinados de forma simples (Luciano), são riquíssimos em informações e detalhes de toda ordem (históricas, geográficas, do seu dia-dia em atividades comuns e escolares, de roteiros de viagens, costumes, atividades lúdicas e culturais), remetidos de várias partes da Europa para sua mãe, seu pai, sua irmã (Carminha).
O livro Cartas d´Além Mar: Epistolário de Dom Luciano Duarte é prefaciado pelo conselheiro Carlos Pinna de Assis, do Tribunal de Contas de Sergipe, que destaca a importância documental da obra. E também conta com a participação dos professores e escritores José Araújo Filho e Jorge Carvalho do Nascimento nas abas, onde ambos assinalam a importância do cultivo da memória de Dom Luciano, seja pelo esforço abnegado de Carmem Duarte, seja pela dedicação e cuidado de Ana Maria Fonseca Medina, de quem é estudiosa e também entusiasta.
Recentemente, eu tive a honra de dividir com Ana Medina, a seu convite e do Padre Raimundo Diniz, uma obra sobre os cento e cinquenta anos da Paróquia de Senhora Sant´Ana de Boquim, no prelo e em breve à disposição de todos. Se eu já era admirador de seu trabalho e de sua personalidade, tornei-me um fã incondicional e aprendi muito com ela na feitura deste trabalho, sobretudo como lidar com as sutilezas do tecido histórico, alinhavado pela trajetória de sujeitos e seus dramas e tramas pessoais e coletivos, ao ritmo do movimento do lembrar e do esquecer.
Ana Medina, para além de ser uma escritora de grande envergadura, à qual a historiografia sergipana se rende e se serve, é uma pessoa desprovida de vaidades, é generosa e profundamente atenta à sensibilidade do outro e a sua capacidade criativa, não importando a idade ou a condição social.