ARNALDO ANTUNES – COMIDA É PASTO
Publicado em 18 de outubro de 2020
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Em 1987, Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto compuseram um dos maiores sucessos da Banda Titãs. Comida (faixa 2, do Álbum Jesus não tem dentes no país dos banguelas), ganhou ainda mais proporções por conta da interpretação de Arnaldo Antunes, em um clipe para a música que marcou época. Com versos simples como "comida é pasto", a canção além de causar impacto reflexivo, tornou-se atemporal e muito atual, também.
Arnaldo Antunes deixou o grupo em 1992, para investir em carreira solo e em seus projetos pessoais, notadamente aquele voltados para a poesia. Entusiasta da palavra, ele chega aos 60 anos de idade com o mesmo vigor que tinha no Titãs, mantendo sua pegada criativa e composições que levam as pessoas a pensar sobre a vida e sobre suas realidades. Em tempos de pandemia, mergulhar em sua discografia é um convite para o intimismo.
Ainda sobre sua passagem pela Banda Titãs, vale salientar outras interpretações que deram identidade ao grupo e a ele, enquanto artista e compositor. Nesse sentido, o Pulso (faixa 8, do Álbum Õ Blésq Blom, 1989) é icônico, sobretudo pela sonoridade e pela performance. Arnaldo imprime à canção uma tensão que vai ao encontro de seu conteúdo, expressando a resistência do ser humano a toda espécie de enfermidades.
Os Titãs seguiram com sua história desde 1982, atualmente composta por Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto, todos da formação original. São sobreviventes de um tempo épico do rock and roll brasileiro, marcado não somente pela rebeldia natural ao estilo, mas também por letras e experimentos sonoros que deram o tom da criatividade brasileira, sufocada que vinha de mais de duas décadas de uma ditadura.
Em seu artigo Fúria de Titãs, sons e ideias do Brasil Republicano (DHI-UFS, 2018), Kennedy Santos Bezerra situa a importância do grupo na História do Brasil e acentua seu caráter contestador e crítico, inspirado nos tropicalistas e fincado no que o autor chama de uma "identidade explosiva" (p. 30), marca de sua discografia, seus clipes e shows.
Arnaldo Antunes saiu do grupo, mas os Titãs não saíram dele, sem deixar de ter a sua identidade. Iniciando carreira solo em 1993, com o projeto Nome, ele conseguiu imprimir uma singularidade em seus trabalhos e garantiu um lugar entre os grandes compositores da Música Popular Brasileira. Em seu primeiro álbum, ele faz uso de vários experimentos sonoros, explorando a palavra e todas as suas possibilidades estéticas e semânticas. Característica que se fará presente em todos os outros.
Em Nome, Arnaldo Antunes ensaia uma parceria com Marisa Monte que mais tarde fez muito sucesso com os Tribalistas (2002, 2017), a quem se somou o cantor e percussionista baiano Carlinhos Brown. Os trabalhos seguintes foram: Ninguém (1995); O silêncio (1996); O som (1998); O corpo (2000, trilha sonora do espetáculo do Grupo O Corpo); Paradeiro (2001); Saiba (2004); Qualquer (2006); Ao vivo no Estúdio (2007); Lê, lê, lê (2009); Ao vivo lá em casa (2010); A curva da cintura (2011); Acústico MTV (2012); Disco (2013); Já é (2015); Arnaldo Antunes ao vivo em Lisboa (2017); RSTUVXZ (2018); e O real existe (2020). Uma nota específica para o single infantil Lavar as mãos, de 2020.
Além de investir na música, sem estar atrelado a exigências de gravadoras, Arnaldo Antunes escreveu entre 1983 e 2015, 22 livros autorais ou em parceria. Destaque para os títulos: Agora aqui ninguém precisa de si (2015), vencedor do Prêmio Jabuti; e Família (2015), em parceria com Tony Bellotto.
Num país que ainda sofre com a vergonha social da fome, 10,3 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, e onde as florestas queimam para o gado passar pela porteira, Arnaldo Antunes segue nos lembrando: "comida é pasto. Você tem fome de quê?".