Sábado, 11 De Janeiro De 2025
       
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A LETRA Y DO NOME


Publicado em 22 de outubro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

* Acrísio Gonçalves de Oliveira
Santa Luzia do Itanhy, primeira cidade de Sergipe!É claro 
que teríamos muita coisa que escrever sobreessa pe
quena cidade. Afinal, é tempo de eleição. De enfrentamento de pandemia. Poderíamos escrever sobre seus grandes problemas sociais. O desemprego de seu povo. Ou a fuga de grande parte da juventude desamparada para fora da cidade ou do Estado em busca da vida dos seus sonhos. Poderíamos refletir sobre a renovação da Câmara Municipal, que nessas eleições está para acontecer. Do mandato de um novo prefeito. Dos problemas da educação. Ou da falta urgente de esgotamento sanitário.
Poderíamos escrever sobre os problemas enfrentados por seus rios milenares: Aritiquiba, Guararema, Priapu e Piauí, fontes de sobrevivência. Atualmente abandonados à sorte, mas que no passado tantas riquezas trouxeram. Da Orla do Crasto prometida eaté então não cumprida. Dos desafios do seu povo quilombola.Das suas fontes de águas cristalinas, hoje poluídas. Da falta de cuidado com sua cultura, sua memória, suas raízes. Da falta de zelo com os saberes do povo. Das suas tristes estradas, difíceis nos dias de verão, terríveis nos tempos invernosos.
Ainda poderíamos falar das suas artes, da sua grandeza poética, essa fincada nos imortais Pedro de Calasans e Joaquim de Calasans (irmãos), que, até mesmo nesses tempos, em seus versos, o primeiro nos ensina: "Às urnas – com liberdade,/ São elas a voz do povo,/Por elas fale a verdade". Santa Luzia do Itanhy, muitas coisas pra sonhar, tantas coisas por fazer!Porém, nos deteremos em algo bem menor. Apenas em umaletra. A letra de um dos nomes que a compõe.
A cidade teve como primeira denominação "Forte de São Luiz" e, depois, "Aldeia de São Tomé", tendo por último recebido o batismo da santa: a Santa Luzia. Cumpre-nos esclarecer que, durante certo tempo, a cidade se chamou Inajaroba. O povo contestou esse nome. Então, o deputado estadual Cantidiano Vieira Ribeiro (um luziense) apresentou um projeto de lei em 1948, resgatando o antigo nome e nele acrescentou o vocábulo "ITANHY". Assim mesmo. Escrito com o y. 
O que iremos refletir,em nosso entender, não precisava ser objeto de discussão. Entretanto, tendo chegado ao banco dos réus, carecia debate, defesa. Porém, não se debateu! Algo que caberia consulta popular.Contudo, não se consultou! Uma mudança que muitos luzienses não engoliram, muito menos eu. Tudo porque foram mexer no nome da cidade. Uma mudança que fez derrubar o y para pôr em seu lugar o i, de mesmo valor fonético!
Tudo indica que a referida mudança na forma de escrever a palavra Itanhy (hoje grafado Itanhi) tenha ocorrido no final dos anos 1980, por conta de um projeto de lei do legislativo. Não conseguimos localizar tal projeto para podermos investigar os motivos. Por isso, não sabemos ao certo o que justificou a troca. Conta-se que um dos motivos teria sido a incoerência do uso da letra y (de origem grega) no termo tupi Itanhy. Se foi esse o motivo, a seguir apresentaremos dados que confrontam tal defesa. 
O tupi era a língua falada pelos antigos índios brasileiros, tendo os portugueses que se debruçarem em seu estudo para compreendê-la. Mas, a primeira obra acerca dessa língua coube ao jesuíta José de Anchieta (um espanhol), intitulada Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, publicada em 1595. Nela Anchieta sistematiza o tupi, estabelecendo o uso das letras, pronúncia, ortografia, suas composições, os pronomes, os verbos, etc. Era essa língua que o tupinambá do litoral sergipano falava. Ao consultar essa obra basilar do tupi antigo, nos deparamos com palavras como Ajuri (no pescoço); Ibiri(ao longo), escritas com i e, também, algumas palavras escritas com y, como Çoby (a banda d’alem) e Açéy (às costas). Anchieta compara o emprego do y com nh, no sentido ortográfico, e conclui que "a mais universal pronunciação é do y que a de nh". Sem dar o significado exemplifica que, em vez de nhamanô melhor seria yamanô.
No livro Dicionário da Língua Tupy chamada língua geral dos indígenas do Brasil, do poeta Gonçalves Dias, pudemos verificar diversas palavras em que aparecem as letras i e y. Dentre elas, duas que nos fazem lembrar Itanhy, mas com significados bem diferentes: itáyryry, que significa concha, e itáuguî = verdete. Já no livro Pequeno Vocabulário Tupi-português, de Lemos Barbosa também pudemos extrair muitas outras: itamimby (trombeta de metal); iyraty (esposa); itaquy= pedra de afiar. 
Na importante obra de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional, o baiano e tupinólogo Frederico Edelwiess, ao prefaciar a quarta edição do livro do aludido autor, explica que: "î é o i semivogal ou a segunda parte de ditongo crescente" e que y seria "o i gutural peculiar aos dialetos tupi-guaranis". Nesse aspecto, o próprio Sampaio nos ensina que "o som do y grego"- no sentido da pronúncia – é "ora equivalente a i simples". Quer dizer, quando escrevemos Itanhy, na fala (pronúncia), é o Itanhi que sai. Logo, em se tratando de um termo tupi, melhor seria mesmo tê-lo deixado na escrita original. Ficou claro, nas obras consultadas, o variado emprego do i e do y nas palavras, não havendo qualquer regra que exclua o y da dita língua, sendo próprio o seu emprego, seguindo as bases da obra de Anchieta, aqui citada. 
Segue também nessa direção o sergipano Armindo Guaraná, ao escrever o Glossário Etimológico dos nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe utilizando-se da mesma fórmula que os outros escritores. Inclusive, grafa a palavra em questão na forma ITANHY, dando o seguinte significado: "nome primitivo do Rio Real". Além do mais, nos mostra que, em tupi, o Y significa água, e o termo HY, é o significado de rio. 
As letras k, w e y eram empregadas comumente em nosso alfabeto. A partir do Formulário Ortográfico de 1943, elas foram excluídas, passando K a ser substituído por QU (antes de E, I) e C, antes de qualquer outra letra. O W seria substituído por U e V, "conforme seu valor fonético". Essas letras deveriam ser empregadas com restrições, assim como o "y, que é substituído pelo i, ainda se emprega em abreviaturas e como símbolo de alguns termos técnicos e científicos". Porém, os dicionários continuavam fazendo uso delas, como também as pessoas ao registrar seus filhos. A dita regra ortográfica vigorou até 1990 quando, nesse ano, foi aprovado o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que passou a incluí-las mais uma vez, embora também tenha restringido o uso delas. 
Talvez para atender à ortografia de 1943,é que a substituição do y peloi, de Itanhy, tenha se justificado e, pelo que vimos,como já dissemos, nem precisaria ser alvo de discussão. A permanência do y no termo tupi em questão não incorre em erro. 
Devemos destacar ainda o fato de constar na Lei Orgânica do Município, promulgada em 4.04.1990, em sua página inicial, Itanhi escrito dessa forma, assim como no corpo de todo o texto. Curiosamente, no cabeçalho de cada página, encontramos a inscrição, a partir da segunda, "CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA LUZIA DO ITANHY: SANTA LUZIA DO ITANHY-SERGIPE", aumentando ainda mais a confusão. Para completar, consta nos órgãos estaduais, nos programas federais relacionados ao município, nas placas às margens da BR 101 e nos mapas, a grafia Itanhy. Ressaltamos que, independentemente disso, sempre quando perguntamos aos luzienses mais atentos sobre a saída do y da palavra, a discordância é unânime. Diante do exposto o projeto de mudança da letra pode ser repensado e o charmoso ITANHY poderá ser resgatado, se os luzienses dessa vez decidirem, pois nacionalmente ele sempre foi originalmente aceito! 
* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, radialista, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

* Acrísio Gonçalves de Oliveira

Santa Luzia do Itanhy, primeira cidade de Sergipe!É claro  que teríamos muita coisa que escrever sobreessa pe quena cidade. Afinal, é tempo de eleição. De enfrentamento de pandemia. Poderíamos escrever sobre seus grandes problemas sociais. O desemprego de seu povo. Ou a fuga de grande parte da juventude desamparada para fora da cidade ou do Estado em busca da vida dos seus sonhos. Poderíamos refletir sobre a renovação da Câmara Municipal, que nessas eleições está para acontecer. Do mandato de um novo prefeito. Dos problemas da educação. Ou da falta urgente de esgotamento sanitário.
Poderíamos escrever sobre os problemas enfrentados por seus rios milenares: Aritiquiba, Guararema, Priapu e Piauí, fontes de sobrevivência. Atualmente abandonados à sorte, mas que no passado tantas riquezas trouxeram. Da Orla do Crasto prometida eaté então não cumprida. Dos desafios do seu povo quilombola.Das suas fontes de águas cristalinas, hoje poluídas. Da falta de cuidado com sua cultura, sua memória, suas raízes. Da falta de zelo com os saberes do povo. Das suas tristes estradas, difíceis nos dias de verão, terríveis nos tempos invernosos.
Ainda poderíamos falar das suas artes, da sua grandeza poética, essa fincada nos imortais Pedro de Calasans e Joaquim de Calasans (irmãos), que, até mesmo nesses tempos, em seus versos, o primeiro nos ensina: "Às urnas – com liberdade,/ São elas a voz do povo,/Por elas fale a verdade". Santa Luzia do Itanhy, muitas coisas pra sonhar, tantas coisas por fazer!Porém, nos deteremos em algo bem menor. Apenas em umaletra. A letra de um dos nomes que a compõe.
A cidade teve como primeira denominação "Forte de São Luiz" e, depois, "Aldeia de São Tomé", tendo por último recebido o batismo da santa: a Santa Luzia. Cumpre-nos esclarecer que, durante certo tempo, a cidade se chamou Inajaroba. O povo contestou esse nome. Então, o deputado estadual Cantidiano Vieira Ribeiro (um luziense) apresentou um projeto de lei em 1948, resgatando o antigo nome e nele acrescentou o vocábulo "ITANHY". Assim mesmo. Escrito com o y. 
O que iremos refletir,em nosso entender, não precisava ser objeto de discussão. Entretanto, tendo chegado ao banco dos réus, carecia debate, defesa. Porém, não se debateu! Algo que caberia consulta popular.Contudo, não se consultou! Uma mudança que muitos luzienses não engoliram, muito menos eu. Tudo porque foram mexer no nome da cidade. Uma mudança que fez derrubar o y para pôr em seu lugar o i, de mesmo valor fonético!
Tudo indica que a referida mudança na forma de escrever a palavra Itanhy (hoje grafado Itanhi) tenha ocorrido no final dos anos 1980, por conta de um projeto de lei do legislativo. Não conseguimos localizar tal projeto para podermos investigar os motivos. Por isso, não sabemos ao certo o que justificou a troca. Conta-se que um dos motivos teria sido a incoerência do uso da letra y (de origem grega) no termo tupi Itanhy. Se foi esse o motivo, a seguir apresentaremos dados que confrontam tal defesa. 
O tupi era a língua falada pelos antigos índios brasileiros, tendo os portugueses que se debruçarem em seu estudo para compreendê-la. Mas, a primeira obra acerca dessa língua coube ao jesuíta José de Anchieta (um espanhol), intitulada Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, publicada em 1595. Nela Anchieta sistematiza o tupi, estabelecendo o uso das letras, pronúncia, ortografia, suas composições, os pronomes, os verbos, etc. Era essa língua que o tupinambá do litoral sergipano falava. Ao consultar essa obra basilar do tupi antigo, nos deparamos com palavras como Ajuri (no pescoço); Ibiri(ao longo), escritas com i e, também, algumas palavras escritas com y, como Çoby (a banda d’alem) e Açéy (às costas). Anchieta compara o emprego do y com nh, no sentido ortográfico, e conclui que "a mais universal pronunciação é do y que a de nh". Sem dar o significado exemplifica que, em vez de nhamanô melhor seria yamanô.
No livro Dicionário da Língua Tupy chamada língua geral dos indígenas do Brasil, do poeta Gonçalves Dias, pudemos verificar diversas palavras em que aparecem as letras i e y. Dentre elas, duas que nos fazem lembrar Itanhy, mas com significados bem diferentes: itáyryry, que significa concha, e itáuguî = verdete. Já no livro Pequeno Vocabulário Tupi-português, de Lemos Barbosa também pudemos extrair muitas outras: itamimby (trombeta de metal); iyraty (esposa); itaquy= pedra de afiar. 
Na importante obra de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional, o baiano e tupinólogo Frederico Edelwiess, ao prefaciar a quarta edição do livro do aludido autor, explica que: "î é o i semivogal ou a segunda parte de ditongo crescente" e que y seria "o i gutural peculiar aos dialetos tupi-guaranis". Nesse aspecto, o próprio Sampaio nos ensina que "o som do y grego"- no sentido da pronúncia – é "ora equivalente a i simples". Quer dizer, quando escrevemos Itanhy, na fala (pronúncia), é o Itanhi que sai. Logo, em se tratando de um termo tupi, melhor seria mesmo tê-lo deixado na escrita original. Ficou claro, nas obras consultadas, o variado emprego do i e do y nas palavras, não havendo qualquer regra que exclua o y da dita língua, sendo próprio o seu emprego, seguindo as bases da obra de Anchieta, aqui citada. 
Segue também nessa direção o sergipano Armindo Guaraná, ao escrever o Glossário Etimológico dos nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe utilizando-se da mesma fórmula que os outros escritores. Inclusive, grafa a palavra em questão na forma ITANHY, dando o seguinte significado: "nome primitivo do Rio Real". Além do mais, nos mostra que, em tupi, o Y significa água, e o termo HY, é o significado de rio. 
As letras k, w e y eram empregadas comumente em nosso alfabeto. A partir do Formulário Ortográfico de 1943, elas foram excluídas, passando K a ser substituído por QU (antes de E, I) e C, antes de qualquer outra letra. O W seria substituído por U e V, "conforme seu valor fonético". Essas letras deveriam ser empregadas com restrições, assim como o "y, que é substituído pelo i, ainda se emprega em abreviaturas e como símbolo de alguns termos técnicos e científicos". Porém, os dicionários continuavam fazendo uso delas, como também as pessoas ao registrar seus filhos. A dita regra ortográfica vigorou até 1990 quando, nesse ano, foi aprovado o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que passou a incluí-las mais uma vez, embora também tenha restringido o uso delas. 
Talvez para atender à ortografia de 1943,é que a substituição do y peloi, de Itanhy, tenha se justificado e, pelo que vimos,como já dissemos, nem precisaria ser alvo de discussão. A permanência do y no termo tupi em questão não incorre em erro. 
Devemos destacar ainda o fato de constar na Lei Orgânica do Município, promulgada em 4.04.1990, em sua página inicial, Itanhi escrito dessa forma, assim como no corpo de todo o texto. Curiosamente, no cabeçalho de cada página, encontramos a inscrição, a partir da segunda, "CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA LUZIA DO ITANHY: SANTA LUZIA DO ITANHY-SERGIPE", aumentando ainda mais a confusão. Para completar, consta nos órgãos estaduais, nos programas federais relacionados ao município, nas placas às margens da BR 101 e nos mapas, a grafia Itanhy. Ressaltamos que, independentemente disso, sempre quando perguntamos aos luzienses mais atentos sobre a saída do y da palavra, a discordância é unânime. Diante do exposto o projeto de mudança da letra pode ser repensado e o charmoso ITANHY poderá ser resgatado, se os luzienses dessa vez decidirem, pois nacionalmente ele sempre foi originalmente aceito! 

* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, radialista, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

 

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