Quinta, 16 De Janeiro De 2025
       
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Os caminhos possíveis da CPI da Covid


Publicado em 04 de maio de 2021
Por Jornal Do Dia


 

* Jorge Gregory
Com a instalação da CPI que investigará a 
condução da crise sanitária e com a investi-
gação e comprovação dos fatos – que já são de amplo conhecimento público e levaram até mesmo o deputado espanhol, Miguel Urbán Crespo, a caracterizar, no Parlamento Europeu, o governo brasileiro como responsável pela prática de "necropolítica e lesa humanidade" – o que se discute é se os resultados da Comissão poderão resultar em impeachment.
Do ponto de vista meramente técnico, uma vez que o papel da Comissão é produzir provas, de fato pode contribuir significativamente para o embasamento de um pedido de impeachment. Mas, convenhamos, se tomarmos por referência os dois casos que marcam a história recente, Collor e Dilma, não foi a consistência da denúncia que determinou o impeachment. Muito pelo contrário, nas duas situações as denúncias foram ridículas. No caso Collor, a denúncia foi de um Fiat Elba supostamente adquirido com recursos provenientes de contas fantasmas. Para quem não conheceu esse veículo, não passava de um Uno um pouco maior e um 0 Km, nos dias de hoje, custaria no máximo uns 50 mil reais. No caso Dilma, foi uma "pedalada fiscal".
Portanto, nas duas situações a denúncia foi meramente a forma. Se analisarmos as centenas de pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro, a maioria das denúncias são mais consistentes que aquelas que determinaram os impedimentos de Collor e Dilma. Podemos, então, concluir que o processo de impeachment é resultante de uma correlação de forças desfavorável ao governante, que coloca o Congresso sob pressão. A motivação técnica da abertura do processo, ou seja, a denúncia propriamente dita, é o menos relevante.
Nos processos anteriores, o fator determinante para a aceitação da denúncia e para o desfecho final, foi indiscutivelmente as manifestações de rua. Em ambos, a insatisfação de parcelas da população com a deterioração das condições de vida, queda de renda e crescimento do desemprego foram terrenos férteis para que uma forte campanha, realizada em especial pelos meios de comunicação – afirmando que tais condições eram resultantes da corrupção que tomava conta do governo -, levasse milhares de pessoas às ruas para protestar e exigir a deposição do governante. Quanto a Collor, o processo foi desencadeado pela denúncia do próprio irmão sobre a existência de uma rede de corrupção comandada por PC Farias em benefício direto do presidente. No que diz respeito a Dilma, o elemento foi a operação Lava Jato, projetada para desbancar o PT do poder e santificada pela grande mídia com o objetivo de inflar a insatisfação popular. Importante registrar aqui, embora não seja o objeto deste artigo, que as campanhas contra a corrupção promovidas pela grande mídia resultaram na consolidação do neoliberalismo, que destruiu a economia nacional, na deposição de Collor e sequente eleição de Fernando Henrique Cardoso, e à eleição de um genocida que pretende destruir a democracia, na deposição da Dilma.
O que importa na presente análise é que a deterioração das condições de vida da população, em todos os segmentos, a partir da classe média para baixo, avançam de forma acelerada, em consequência dos múltiplos efeitos da crise sanitária. As pesquisas apontam que a maioria da população já identifica no governo federal o principal responsável pela tragédia que o país atravessa. As condições de epidemia, no entanto, impedem que esta insatisfação se transforme em manifestações de rua. No máximo, tem se expressado por meio de panelaços, que não surtem o mesmo efeito. Muitas análises sobre essa situação, em que pese não desmerecerem a importância da CPI, julgam que não haverá pressão suficiente para que ela resulte em um processo de impeachment.
Essa conclusão decorre do fato de que o principal elemento de pressão sobre o parlamento, nos dois processos de impeachment que vivenciamos, foi a realização de grandes manifestações de massas. Ocorre, no entanto, que ciência política não é uma ciência exata e manifestações de rua não se constituem no único instrumento de pressão sobre os deputados e senadores. A situação de Bolsonaro no Congresso é extremamente delicada, equilibrando-se em uma frágil aliança com o instável Centrão. A própria instalação da CPI é uma demonstração cabal de que, embora ainda tenha maioria, pelo menos no Senado, não é uma maioria confortável o suficiente para garantir que a atual correlação de forças não será alterada. Demonstração ainda maior das dificuldades enfrentadas pelo presidente foi o governo não ter conseguido formar maioria na Comissão e ver o senador Omar Aziz ser eleito presidente e Renan Calheiros, indicado relator.
A maioria oposicionista que se formou é majoritariamente composta pela direita e centro, o que leva muitos a acreditar que a CPI será até certo ponto contemplativa e não irá as últimas consequências. Quem pensa dessa forma, com certeza não prestou atenção nos pronunciamentos de Aziz e Calheiros. Em entrevista à Globo News, Aziz deixou seus entrevistadores perplexos com a contundência com que relatou o drama vivido pelo seu estado, o Amazonas, decorrente da irresponsabilidade do Ministério da Saúde, conduzido por Pazuello. Renan, no seu pronunciamento de instalação da Comissão falou em crimes contra a humanidade, afirmando que estes não prescrevem e são transnacionais, o que remete até mesmo à possibilidade de denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional. Ou seja, esse centro demonstra disposição de empreender um feroz enfrentamento à necropolítica do governo.
Além disso, não podemos subestimar o jogo pelo poder que permeará a Comissão e desembocará na eleição de 2022. A direita, representada principalmente pelo PSDB e os segmentos sociais que representa, tanto quanto o centro, para se colocarem como opção eleitoral, insistem na necessidade de se construir uma alternativa aos extremos representados pela extrema-direita bolsonarista e pela esquerda petista. Já perceberam que a opção pelo eixo do combate à corrupção e o eixo da novidade não emplacam mais e já começam a abandonar a ideia de lançar um Moro ou um Huck. Entendendo que a construção de uma alternativa passa pelo enfrentamento à política genocida e nesta linha, apostando no sucesso do novo governo norte-americano, passam a vislumbrar a possibilidade de reprodução do efeito Biden no Brasil. Assim, começam a construir a candidatura de Tasso Jereissati, cujo perfil se aproxima muito ao do político estadunidense. Estrategicamente, colocaram-no na CPI. Ao Biden brasileiro, para que possa se constituir em alternativa em 2022, está encomendado um enfrentamento implacável ao governo. Ou seja, a vida de Bolsonaro não será nada fácil na CPI: será bombardeado pela direita, pelo centro e mais ainda pela esquerda.
Nesse clima, a repercussão das ações da CPI e o escancaramento dos porões do governo no enfrentamento à pandemia poderão ser capazes de corroer as principais bases de apoio do governo. Os efeitos no cenário internacional poderão levar o empresariado em massa a assumir definitivamente uma postura de oposição e a exigir uma rápida solução para a crise política que já está em curso. O total comprometimento da imagem das Forças Armadas que ocorrerá com a revelação da desastrosa militarização do Ministério da Saúde, fortalecerá a posição dos membros do oficialato que já exigem uma retirada da tropa da base governista. Em meio a tal tiroteio, os conflitos internos entre as alas governistas poderão aflorar, como sinalizam as recentes declarações de Wajngarten atacando Pazuello. Enfim, ainda que a possibilidade de abertura de um processo de impeachment se reduza com a impossibilidade de manifestações de rua, os efeitos sociais da necropolítica de Bolsonaro, associados às revelações que a CPI produzirá, apontam para um aprofundamento tal da crise política, que poderá exigir uma solução antes das eleições de 2022. Dessa forma, não descarto a possibilidade de que a conjunção de todos esses fatores analisados desemboque em um processo de impeachment ou até mesmo em uma renúncia, caso um completo isolamento de Bolsonaro se confirme. Não são as tendências principais neste momento, mas na política os ventos mudam rapidamente.
* Jorge Gregory, jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC)

Do ponto de vista meramente técnico, uma vez que o papel da Comissão é produzir provas, de fato pode contribuir significativamente para o embasamento de um pedido de impeachment. Mas, convenhamos, se tomarmos por referência os dois casos que marcam a história recente, Collor e Dilma, não foi a consistência da denúncia que determinou o impeachment. Muito pelo contrário, nas duas situações as denúncias foram ridículas

* Jorge Gregory

Com a instalação da CPI que investigará a  condução da crise sanitária e com a investi- gação e comprovação dos fatos – que já são de amplo conhecimento público e levaram até mesmo o deputado espanhol, Miguel Urbán Crespo, a caracterizar, no Parlamento Europeu, o governo brasileiro como responsável pela prática de "necropolítica e lesa humanidade" – o que se discute é se os resultados da Comissão poderão resultar em impeachment.
Do ponto de vista meramente técnico, uma vez que o papel da Comissão é produzir provas, de fato pode contribuir significativamente para o embasamento de um pedido de impeachment. Mas, convenhamos, se tomarmos por referência os dois casos que marcam a história recente, Collor e Dilma, não foi a consistência da denúncia que determinou o impeachment. Muito pelo contrário, nas duas situações as denúncias foram ridículas. No caso Collor, a denúncia foi de um Fiat Elba supostamente adquirido com recursos provenientes de contas fantasmas. Para quem não conheceu esse veículo, não passava de um Uno um pouco maior e um 0 Km, nos dias de hoje, custaria no máximo uns 50 mil reais. No caso Dilma, foi uma "pedalada fiscal".
Portanto, nas duas situações a denúncia foi meramente a forma. Se analisarmos as centenas de pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro, a maioria das denúncias são mais consistentes que aquelas que determinaram os impedimentos de Collor e Dilma. Podemos, então, concluir que o processo de impeachment é resultante de uma correlação de forças desfavorável ao governante, que coloca o Congresso sob pressão. A motivação técnica da abertura do processo, ou seja, a denúncia propriamente dita, é o menos relevante.
Nos processos anteriores, o fator determinante para a aceitação da denúncia e para o desfecho final, foi indiscutivelmente as manifestações de rua. Em ambos, a insatisfação de parcelas da população com a deterioração das condições de vida, queda de renda e crescimento do desemprego foram terrenos férteis para que uma forte campanha, realizada em especial pelos meios de comunicação – afirmando que tais condições eram resultantes da corrupção que tomava conta do governo -, levasse milhares de pessoas às ruas para protestar e exigir a deposição do governante. Quanto a Collor, o processo foi desencadeado pela denúncia do próprio irmão sobre a existência de uma rede de corrupção comandada por PC Farias em benefício direto do presidente. No que diz respeito a Dilma, o elemento foi a operação Lava Jato, projetada para desbancar o PT do poder e santificada pela grande mídia com o objetivo de inflar a insatisfação popular. Importante registrar aqui, embora não seja o objeto deste artigo, que as campanhas contra a corrupção promovidas pela grande mídia resultaram na consolidação do neoliberalismo, que destruiu a economia nacional, na deposição de Collor e sequente eleição de Fernando Henrique Cardoso, e à eleição de um genocida que pretende destruir a democracia, na deposição da Dilma.
O que importa na presente análise é que a deterioração das condições de vida da população, em todos os segmentos, a partir da classe média para baixo, avançam de forma acelerada, em consequência dos múltiplos efeitos da crise sanitária. As pesquisas apontam que a maioria da população já identifica no governo federal o principal responsável pela tragédia que o país atravessa. As condições de epidemia, no entanto, impedem que esta insatisfação se transforme em manifestações de rua. No máximo, tem se expressado por meio de panelaços, que não surtem o mesmo efeito. Muitas análises sobre essa situação, em que pese não desmerecerem a importância da CPI, julgam que não haverá pressão suficiente para que ela resulte em um processo de impeachment.
Essa conclusão decorre do fato de que o principal elemento de pressão sobre o parlamento, nos dois processos de impeachment que vivenciamos, foi a realização de grandes manifestações de massas. Ocorre, no entanto, que ciência política não é uma ciência exata e manifestações de rua não se constituem no único instrumento de pressão sobre os deputados e senadores. A situação de Bolsonaro no Congresso é extremamente delicada, equilibrando-se em uma frágil aliança com o instável Centrão. A própria instalação da CPI é uma demonstração cabal de que, embora ainda tenha maioria, pelo menos no Senado, não é uma maioria confortável o suficiente para garantir que a atual correlação de forças não será alterada. Demonstração ainda maior das dificuldades enfrentadas pelo presidente foi o governo não ter conseguido formar maioria na Comissão e ver o senador Omar Aziz ser eleito presidente e Renan Calheiros, indicado relator.
A maioria oposicionista que se formou é majoritariamente composta pela direita e centro, o que leva muitos a acreditar que a CPI será até certo ponto contemplativa e não irá as últimas consequências. Quem pensa dessa forma, com certeza não prestou atenção nos pronunciamentos de Aziz e Calheiros. Em entrevista à Globo News, Aziz deixou seus entrevistadores perplexos com a contundência com que relatou o drama vivido pelo seu estado, o Amazonas, decorrente da irresponsabilidade do Ministério da Saúde, conduzido por Pazuello. Renan, no seu pronunciamento de instalação da Comissão falou em crimes contra a humanidade, afirmando que estes não prescrevem e são transnacionais, o que remete até mesmo à possibilidade de denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional. Ou seja, esse centro demonstra disposição de empreender um feroz enfrentamento à necropolítica do governo.
Além disso, não podemos subestimar o jogo pelo poder que permeará a Comissão e desembocará na eleição de 2022. A direita, representada principalmente pelo PSDB e os segmentos sociais que representa, tanto quanto o centro, para se colocarem como opção eleitoral, insistem na necessidade de se construir uma alternativa aos extremos representados pela extrema-direita bolsonarista e pela esquerda petista. Já perceberam que a opção pelo eixo do combate à corrupção e o eixo da novidade não emplacam mais e já começam a abandonar a ideia de lançar um Moro ou um Huck. Entendendo que a construção de uma alternativa passa pelo enfrentamento à política genocida e nesta linha, apostando no sucesso do novo governo norte-americano, passam a vislumbrar a possibilidade de reprodução do efeito Biden no Brasil. Assim, começam a construir a candidatura de Tasso Jereissati, cujo perfil se aproxima muito ao do político estadunidense. Estrategicamente, colocaram-no na CPI. Ao Biden brasileiro, para que possa se constituir em alternativa em 2022, está encomendado um enfrentamento implacável ao governo. Ou seja, a vida de Bolsonaro não será nada fácil na CPI: será bombardeado pela direita, pelo centro e mais ainda pela esquerda.
Nesse clima, a repercussão das ações da CPI e o escancaramento dos porões do governo no enfrentamento à pandemia poderão ser capazes de corroer as principais bases de apoio do governo. Os efeitos no cenário internacional poderão levar o empresariado em massa a assumir definitivamente uma postura de oposição e a exigir uma rápida solução para a crise política que já está em curso. O total comprometimento da imagem das Forças Armadas que ocorrerá com a revelação da desastrosa militarização do Ministério da Saúde, fortalecerá a posição dos membros do oficialato que já exigem uma retirada da tropa da base governista. Em meio a tal tiroteio, os conflitos internos entre as alas governistas poderão aflorar, como sinalizam as recentes declarações de Wajngarten atacando Pazuello. Enfim, ainda que a possibilidade de abertura de um processo de impeachment se reduza com a impossibilidade de manifestações de rua, os efeitos sociais da necropolítica de Bolsonaro, associados às revelações que a CPI produzirá, apontam para um aprofundamento tal da crise política, que poderá exigir uma solução antes das eleições de 2022. Dessa forma, não descarto a possibilidade de que a conjunção de todos esses fatores analisados desemboque em um processo de impeachment ou até mesmo em uma renúncia, caso um completo isolamento de Bolsonaro se confirme. Não são as tendências principais neste momento, mas na política os ventos mudam rapidamente.

* Jorge Gregory, jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC)

 

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