DIAS DE IRA, DIAS DE LUTA
Publicado em 17 de julho de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
"É preciso estar atento e forte / Não temos tempo de temer a morte", trecho da canção "Divino Maravilho", de 1969, letra de Gil e Caetano, famosa na interpretação de Gal Costa. A ambiência era a pior possível. O Brasil vivia tempos de chumbo, como se consagrou na historiografia brasileira. Eram muitas as restrições e o governo agia forte contra seus opositores, notadamente uma ala expressiva da cultura brasileira.
Muitos me perguntam se o Brasil de hoje tem clima para o retorno daquele tempo, que estranhamente é desejado por uma parcela mínima, mas barulhenta e radical, da sociedade brasileira, desejo seus propagados e amparados por agentes políticos das mais diferentes instâncias, gerando toda sorte de "vergonhas alheias" e constrangimentos os mais diversos, além de tentar minar as bases da democracia.
Sincera, honesta e positivamente falando, não acredito, não espero e não quero que isso aconteça. E nem tão pouco desejo isso para meus filhos, sobretudo, Pedro Franklin, hoje com 14 anos e consciente de que o retorno daquele tempo em nada colaboraria para a sua formação humana, intelectual e profissional. Crescido num ambiente saudável, onde a liberdade é o princípio básico da dignidade humana, ele sabe que toda forma de poder que não comece e termine com o respeito e o diálogo não começa bem e nem tão pouco terminará bem. Que o diga a História.
Logo, qualquer tentativa de golpe, desta feita e diferente de 1964, será combatida e rechaçada pela maioria esmagadora da sociedade. Nossa democracia, reavivada em 1986 e consolidada com a Constituinte de 1988 segue firme e forte. Combalida, é bem verdade; precisando de ajustes, também. Porém, nossa e reconquistada a muito esforço e até mesmo sangue derramado. Reafirmo: não vejo clima para isso. Pelo contrário, trata-se de um momento típico de remédio amargo para sustentar o processo democrático e não para derrubá-lo ou impedi-lo de seguir sua ordem natural.
Essa reflexão me remete à canção "Dias de Luta", da banda Ira. Do disco "Vivendo e não aprendendo" (1986) e letra de Edgard Pereira, por meio dela é possível fazer um paralelo entre os dois tempos, aquele e o nosso, sobretudo quando se está em jogo o futuro do país, em particular no trecho que diz: "Se sou eu ainda jovem passando por cima de tudo / Se hoje canto essa canção, o que cantarei depois?"
Do movimento de 2013 até a presente data, dominava uma certa apatia nas ruas e uma valentia de extrema direita nas redes sociais. Absurdos após absurdos tomaram conta do país e se institucionalizaram. Um flagrante retrocesso democrático, que começa, creio eu, a ser desmontado a partir de uma série de ingerências, incompetências e até mesmo sinais de corrupção. A paciência ou a subserviência está em vias de acabar. As ruas voltam a ser tomadas e as bandeiras seguem sendo as mesmas: justiça social, dignidade e respeito.
A ira é a ausência de paciência. E nesse sentido, quero provocar uma reflexão que me parece muito oportuna, partindo de uma máxima muito interessante, atribuída a Ivan Teorilang: "Sempre sou uma pessoa comedida, porém não me confundam achando que sempre estarei receptivo, e condescendente (…) não abuse daquilo que aparento ser, pois minha autodefesa sempre estará ativa. Não provoque meu aparente silêncio, se não aturares meu grito".
Que a velhice me alcance, mas que o jovem adolescente do movimento caras-pintadas jamais deixe de viver em mim. Que a condescendência seja, talvez, a melhor forma de ter amigos, como diria o filósofo africano Terêncio, mas que jamais me deixe despertar a ira, pois meu espírito de lutar segue com mesmo vigor e entusiasmo de há muitos anos. Afinal de contas: para dias de luta, é preciso SEMPRE estar atento e forte. Quanto a morte, é a realidade nossa de cada dia com a COVID-19. E mais do que natural, sua naturalização política não pode ser causa de arrefecimento da luta, da indignação, da denúncia e da busca por dias melhores.