GIL E MONTENEGRO DIGNIFICAM A IMORTALIDADE DAS LETRAS
Publicado em 19 de novembro de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Honestamente, na melhor acepção que a semântica possa demandar, nunca passou pela minha cabeça essa coisa de ser imortal. Até que curtia muito os filmes de “Highlander” e a música da banda Queen, “Who WantsTo Live Forever” (quem quer viver para sempre), mas nunca sequer me veio de soslaio essa “ambição” ou “pretensão”.
Até que um dia, um sujeito de origem simples, aparentando ter pouco mais de quarenta anos, me parou no caminho para o Colégio Frei Cristóvão de Santo Hilário (Lagarto-SE) e assim me cumprimentou: “Bom dia, imortal da Academia Sergipana de Letras”. Atônito, disse a ele que estava acontecendo algum engano, mas ele insistiu com a ideia e sumiu da minha vista sem que jamais o visse novamente.
Imortal qual o quê? Isso é coisa de almofadinha que se acha superior e que quer brincar de deus e de eternidade, pensava eu. No fundo, no fundo, somos todos perenes. E àquela altura da minha vida tinha ciência, que depois de morto, só somos lembrados e tornamos a viver, ao menos nos corações das pessoas que verdadeiramente nos amam. Eis que alguns anos depois, pago a língua e recebo a honra de ser imortalizado por quatro instituições, inclusive pela Academia Sergipana de Letras, menos de 45 anos de idade.
É claro que aceitei de bom grado, embora isso ainda me incomode até hoje, sobretudo o lado dos panegíricos baratos e dos joguinhos de poder. É da natureza humana sentir conforto pelo reconhecimento do seu trabalho: alguns agem por pura vaidade e por interesses diversos para lustrar (e não ilustrar) o seu ego; outros, apenas pela sensação de que é ou foi útil para a sociedade, inspirando a outros, sobretudo aos mais jovens a se aventurarem no mundo fértil da imaginação.
Confesso que as últimas eleições para a Academia Brasileira de Letras deram novo alento à essa coisa de ser imortal, mortal. Dois nomes de grande gabarito artístico, literário e intelectual, chegam a tão sonhado posto da imortalidade nacional na condição de anciãos, com valiosos serviços prestados à sociedade e à cultura nacional. Arlette Pinheiro Monteiro Torres (Fernanda Montenegro, 92 anos) e Gilberto Passos Gil Moreira (Gilberto Gil, 79 anos). Fazia tempo que eu não vibrava com a eleição de acadêmicos do chamado mundo beletrista, de há algum tempo ressignificado.
Vez ou outra, bebo das informações históricas de jornais sergipanos, como a Gazeta de Sergipe. Chama a minha atenção, quando vejo uma nota ou matéria sobre a eleição de algum escritor ou personalidade para a Academia Sergipana de Letras e fico admirado com o nível das disputas e das escolhas. Esta semana, por exemplo, me deparei como pleito vitorioso de José Amado Nascimento e a presença de Aurélio Buarque de Holanda na sua posse, em Aracaju, no dia 19 de novembro de 1971, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Era outro nível de imortalidade. Fico imaginando o que não dizem ao meu respeito (risos).
Voltando a Gil e a Montenegro, penso que a Academia Brasileira de Letras, criada no dia 20 de julho de 1897, atesta o que o Brasil já sabia há muitos anos. Que outras eleições dessa envergadura venham mais vezes e não sem demora. A juventude de hoje precisa tornar a voltar o seu olhar atento e entusiasta para estes tipos de instituições e elas precisam urgentemente renovarem não somente sua forma de escolher seus integrantes, mas também a forma como são administradas e a maneira como dialogam com a sociedade.
Sair da redoma de vidro e descer do pedestal não torna alguém menos imortal, menos importante e tão pouco menos respeitado. A imortalidade do século XXI precisa ter as feições de Gilberto Gil e de Fernanda Montenegro, em todos os aspectos, inclusive étnicos e outras formas de representações sociais, artísticas, culturais e intelectuais. E quanto aos seus currículos, acredito que eu não precise dispensar mais palavras, pois suas vidas e existências já dizem tudo. Vida eterna, arte eterna; vinda longa, imortais!