O lado B da vida

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br –

Olhar para o abismo é para os fortes. Mas somente os cínicos são capazes de sorrir para o buraco como faz Yves Deluc, ao longo do álbum recém lançado ‘Ruína’. À frente da Cidade Dormitório, ele mais uma vez subverte o drama em comédia, sempre carregando nas tintas.
A Cidade Dormitório é agora formada apenas por Yves mais Fábio Aricawa, com quem o compositor de grande parte das canções do grupo se reveza nas guitarras, vocais, máquinas de efeitos, programações, o caralho a quatro. Com tantos recursos à mão, a formação enxuta não redunda em prejuízo notável em matéria de sonoridade. Além de contar com as colaborações afetivas de praxe, o projeto se escora, sobretudo, no lirismo sui generis do repertório. Eu mesmo não conheço nada parecido.
Ironia e coerência. Ao revisar a ainda breve discografia da Cidade Dormitório, percebo, à beira da incredulidade: Quase tudo o que já foi escrito nesta página em oportunidades anteriores, quando a banda lançou os dois EP’s que a situaram na acanhada cena local, continua valendo. Não se trata de fazer tempestade em copo d’água, como a inflexão lombrada de Yves pode induzir um ouvinte desatento a imaginar. Mas de virar o romantismo (e, por extensão, as diferentes formas de sociabilidade) pelo avesso.
Felicito a Cidade Dormitório. Isso de investir energia, tempo e dinheiro na afirmação do lado B da vida, um rosário de contas miúdas, pontuado por toda sorte de mesquinharias, exige um tanto de coragem. Enquanto uns e outros levantam os punhos e levam os próprios gestos a sério demais, a despeito de qualquer consequência notável, o deboche salva.