Tudo sobre meu pai

 

Meu pai é morto. Desde quando meu filho nasceu, penso nele todos os dias.

Penso no velho ao pisar fundo no acelerador; ao virar um copo de cerveja; ao molhar a vista na alegria inesperada de uma mulher bonita. Penso nele, em suma, como quem se estira ao sol, sobre o travesseiro do prazer, numa manhã que não virá nunca.

Sim, acabo de citar Marguerite Yourcenar, cronista da memória inconsolável. Doente de nostalgia, ferido de porvir, reúno lembranças jamais vividas a esperanças natimortas. O instante, no entanto, corre solto como uma matilha de cães vadios – faminto, sem governo, sem rumo.

Vigio o sono tranquilo de meu filho, satisfeito com a ressonância inocente de sua respiração ritmada. Inácio respira, o seu peito infla, a vida preenche o silêncio do quarto. Enquanto ele tiver o hálito quente, estará tudo no devido lugar, tudo certo, tudo bem.

Hoje já não sou o menino. Meu pai é morto, meu filho é recém nascido. Do primeiro, sei muito mais do que seria conveniente saber. Erros, pecados, acidentes, tropeços… Um pendor demasiadamente humano para tudo o que pulsa, a causa por trás de minha própria vida e, por extensão, da vida de meu filho.