E se acontecesse com você?
Publicado em 25 de agosto de 2023
Por Jornal Do Dia Se
* Emir Sader
Amigos, jornalistas e outros perguntam, cada vez mais constantemente, como a Argentina é vista no Brasil. Há tantas coisas para falar, mas é claro que agora se referem a Milei.
É claro que não procuram razões para explicar o fenômeno, que os próprios argentinos estão em melhores condições do que qualquer outra pessoa para analisar e compreender. No fundo, perguntam como é possível evitar, superar, impedir um fenômeno brutal como esse. E se chegarmos a essa situação, como você olha de fora para a possibilidade de alguém assim ser eleito, como seria vista a Argentina e, no caso dos brasileiros, como conviveriam brasileiros e argentinos?
Basta que ele tenha esse voto, independentemente de ganhar ou não. Basta que uma proporção significativa de argentinos tenha manifestado preferência por Milei, para que sejamos obrigados a pensar na possibilidade brutal de que alguém como ele, propondo o que propõe, dizendo o que diz, seja eleito presidente da Argentina.
No final das contas, o Brasil já era presidido por Bolsonaro. Algo que, de alguma forma, pode ser comparado ao que Milei poderia ser, caso vencesse.
A primeira diferença é que Bolsonaro só foi eleito em situação de clara ilegalidade. Como reconhece hoje o Judiciário – com o reconhecimento jurídico da inocência de Dilma Rousseff, onde começou o golpe que permitiu a vitória de Lula. O lawfare foi um processo que se prolongou com a prisão de Lula, sua condenação e seu impedimento de concorrer à Presidência da República.
Se não fosse assim, o Brasil não viveria todo o sofrimento que sofreu nos últimos 7 anos.
Tudo isto para ter em conta que os dois países vivem ou viveram circunstâncias semelhantes e que têm de compreender e enfrentar o fenômeno. Bolsonaro é um personagem político definitivamente derrotado, mas o Bolsonarismo, como fenômeno, ainda que em declínio, sobreviveu até agora.
Ter evitado que isso acontecesse no Brasil seria um fenômeno – um Judiciário majoritariamente democrático, o que não ocorreu naquela época, mas já existe há algum tempo no Brasil.
O então presidente do Tribunal Superior Eleitoral presidiu a sessão do Senado que aprovou o impeachment de Dilma Rousseff. Esse mesmo Judiciário decidiu naquela semana pela inocência de Dilma Rousseff que, portanto, não deveria ter sofrido impeachment.
Não me perguntem por que agiram assim, por que mudaram e se vão continuar assim. A cabeça dos juízes continua sendo um dos mistérios insondáveis do nosso tempo.
Assim, não se pode garantir que o Brasil continuará imune a este ou aquele outro Bolsonaro. Mas, sim, munidos dos erros do passado, que permitiram que o bolsonarismo crescesse perigosamente na sociedade e nas instituições, como podemos nos defender para evitar que isso aconteça novamente.
Dado que a degradação da imagem da política e dos políticos, com a consequência das más condições de vida das pessoas, está, por consenso, entre as razões do surgimento e fortalecimento da extrema direita, estas causas devem ser atacadas.
Pode-se dizer que hoje o Brasil se defende bem contra esses fenômenos, sobretudo porque tem um presidente com grande legitimidade política e que conseguiu, até agora, não apenas repor, até certo ponto, a legitimidade da política. Mas também porque há um governo com resultados positivos, no crescimento da economia, na geração de empregos, na redução, embora ainda pequena, da fome, da miséria e das desigualdades.
Quanto às consequências para o Brasil, já havia a preocupação de que, caso vencesse um candidato da direita tradicional, as relações econômicas entre os dois países não seriam afetadas, uma vez que os dois países têm interesse em manter as trocas atuais.
As preocupações surgiriam a nível político, especialmente na política internacional, onde haveria grandes diferenças. Mas nenhuma preocupação foi levantada em relação ao Mercosul.
No caso de Mieli, as relações econômicas seriam radicalmente suspensas, devido à raríssima declaração de praticamente ruptura nas relações com a China e o Brasil. A Argentina sairia do Mercosul e não acompanharia o Brasil em outras atividades econômicas.
No geral, os dois países nunca estariam tão distantes e até opostos, desde o abraço fraterno de Nestor Kirchner e Lula, que deu origem a políticas de integração regional, que incluíram as relações mais próximas e fraternas entre Brasil e Argentina.
* Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros