Artista baiano apostou no cavalo errado. (Divulgação)
Axé chororô
Publicado em 05 de janeiro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
O axé chororô de Netinho nunca me disse nada. À época do colégio, a histeria do fã clube soava fora de tom aos meus ouvidos metidos a besta, desproporcional ao carisma pouco do artista pendurado no trio elétrico, mero comerciante de mamãe sacode e abadá.
Hoje, então, no auge do ocaso, quando as abestalhadas que matavam e morriam pelo cantor baiano contam mais 40 primaveras, o seu retorno aos palcos passaria batido, em brancas nuvens, não fosse a alardeada simpatia do sujeito pela extrema direita golpista.
Das afinidades eletivas de Netinho não posso dizer nada. A sua vida e o seu trabalho não me interessam, em absoluto. Estas serviram de justificativa, no entanto, para o Bloquinho do Iate quebrar o contrato firmado com o artista e passar o comando da fuzarca fora de hora para a cantora Márcia Freire, ano passado. Ele não gostou, claro! E soltou o berreiro nas redes sociais, feito um menino mimado.
O episódio acima relatado é de conhecimento público. Este ano, no entanto, a organização do evento volta à carga, fiada na memória pouca da aldeia (ver nesta página). Ocorre que o jornalismo é um ofício subordinado à preservação da memória. Oprofissional que aqui vos escreve, caro leitor, não esquece, não perdoa ninguém.
O axé chororô de Netinho perdeu o bonde da História. A emergência ainda recente de uma extrema direita coberta de verde e amarelo sugeria uma guinada mais duradoura, rumo a uma sensibilidade política francamente reacionária. Felizmente, a incompetência flagrante do governo Bolsonaro abreviou o surto coletivo. Agora, quem empenhou o próprio prestígio e até dinheiro vivo na longevidade do projeto de poder miliciano terá de arcar com asconsequências.
Netinho apostou no cavalo errado. Em fim de carreira, ansioso para cometer falsetes e ser recompensado pelo esforço da garganta cansada, ele procura bolsões sensíveis de esquecimento, onde pode se esgoelar sem cobranças por sua declarada afinidade golpista. Em verdade, no entanto, o cantor raspa o tacho da panela. E engole o choro a fim de animar um modesto carnaval extemporâneo, previsto para os próximos dias, o Bloquinho do Iate.