Domingo, 19 De Janeiro De 2025
       
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“Sem sofrimento não é Billie”


Publicado em 09 de janeiro de 2024
Por Jornal Do Dia Se


Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
 
Para Raimundo Venâncio, diretor do monólogo ‘Billie Holiday – A Canção’, o teatro realizado em Sergipe pode ser um instrumento de comunicação privilegiado, com o potencial de vencer qualquer distância, qualquer lonjura. Atado a uma tal convicção, ele condensou a vida e a obra de um artista negra em um espetáculo de poucas horas, vocalizandouma dor comumao mundo inteiro.
Com texto assinado pelo gigante Hunald de Alencar e atuação da atriz e cantora Tânia Mara, a montagem evoca a trajetória dolorosa da maior entre as maiores para colocar o dedo nas feridas abertas aqui e agora. Uma afirmação oportuna das liberdades individuais, mais a música de Billie Holiday.
O espetáculo estreou em 2016, com breve temporada local e turnê por várias cidades do país. Planos para uma apresentação em Nova Iorque já estavam traçados quando a pandemia confinou a humanidade entre quatro paredes.Agora, passada a turbulência, Billie volta à cena, com premiação no Edital de Economia Criativa SEBRAE 2023 e curta temporada no Espaço Grupo Imbuaça, todas as quintas, sextas e sábados de janeiro, a partir do dia 11.
Naquela primeira oportunidade, logo após a estreia do musical, o Jornal do Dia conversou com o diretor Raimundo Venâncio. Desde então, ficou muito claro: À parte o talento excepcional, Billie Holiday foi antes de tudo uma mulher negra, alguém de carne e osso.
 
Jornal do Dia – A biografia de Billie Holliday é repleta de questões muito sensíveis no Brasil de hoje (racismo, questões de gênero, etc). Dá a impressão de um delay, uma espécie de atraso histórico, como se as questões precisassem maturar muito tempo antes de ganhar corpo nas praias de cá. O espetáculo remedia o lapso da urgência?
 
Raimundo Venâncio – A biografia desta grande artista perpassa as ideias e conceitos que superam o tempo. Por isso, acredito que ela, Billie Holiday, teve uma história universal e atemporal. Viveu mazelas discutidas, sentidas, vividas em muitos séculos, décadas, meses, dias e horas atrás. Billie pode viver na Europa, na China, no Rio de Janeiro, em Poço Redondo, no Bairro América… Billie pode ser: a luta da raça negra; a luta do prazer, do vício que mata; da violência que invade um órgão feminino; do olhar xenofóbico ao se questionar porque aqui está sendo contada uma história americana; a urgência de querer refletir algo que não se entende; pode ser o amor à música; o olhar visionário, expansivo e genial dado ao sabor das letras, pelo autor, e tudo mais que liberta. Estas proposições sempre serão discutidas – mudam-se as formas porque mudam as criaturas que as experimentam. A sociedade é um todo vivo feito por partes que necessitam evoluir junto, experienciar questões individuais e coletivas. Esta biografia passa do individual para o coletivo, uma história de referência. Assim, conhecendo uma história como a de Billie, podemos perceber que estas criaturas abençoadas por Deus nos mostram que o belo e o trágico podem se misturar, podem se devorar.
 
Jornal do Dia – O quanto há de invenção e o quanto há de documento no espetáculo? Há uma preocupação de respeito histórico, por assim dizer, à trajetória evocada?
 
Venâncio – Nenhuma invenção. O espetáculo é biográfico. A concepção cênica passa totalmente pelo respeito histórico. Poderia utilizar o artifício do physiquedurôle para facilitar o meu trabalho. Porém, optei por fazer um trabalho mais difícil, que é a busca de um mimetismo entre a intérprete Tânia Maria e a personagem, que não é fictícia. É real. Por isso, passamos 1 ano e 4 meses trabalhando diária e diuturnamente nesse projeto. Os movimentos, os trejeitos, a tessitura vocal, a caracterização, enfim, buscados pela atriz são de um mergulho profundo na alma da artista, Billie Holiday.
 
Jornal do Dia – A história de Billie é punk! Vocês precisaram fazer alguma concessão, no sentido de “romantizar” o drama em benefício da assimilação pelas plateias?
 
Venâncio – Não, absolutamente nenhuma concessão. O espetáculo é tenso, dolorido e sombrio como foi a vida de Billie Holiday. Pra ser Billie tem que ter dor e sofrimento. Se não tiver sofrimento não é Billie.
Jornal do Dia – A equipe desse espetáculo é das mais estreladas. A começar pelo autor do texto, Hunald de Alencar, um gigante, e a atriz Tânia Maria. Em sua opinião, os sergipanos devotam reconhecimento suficiente aos grandes artistas em atividade aqui e agora?
 
Venâncio – Não, nenhum reconhecimento! Vivemos numa terra de empresários alheios à arte, de ausências de políticas culturais efetivas que interfiram diretamente no cotidiano da população, e, mais ainda, da ausência de auto estima dessa população quando o assunto é a nossa arte e, por assim dizer, os nossos artistas. Isso é uma verdade. Pagamos os olhos da cara para ver artistas de outras plagas, mas nos acanhamos em pagarpara ver uma peça de teatro, um show de um artista ou um espetáculo de dança de nossas academias, em nossa cidade! Talvez seja por isso que a gente tenha dificuldade de passar do rio Real, como falou certo Secretário de Cultura, tempos atrás.
 
‘Billie Holiday – A Canção’ no Grupo Imbuaça:
Quintas, sextas e sábados de janeiro, às 20 horas.
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