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Os sergipanos cassados e caçados pela ditadura


Publicado em 02 de abril de 2024
Por Jornal Do Dia Se


* Marcos Cardoso
 
Duas datas redondas batem à porta para nos lembrar que ditadura nunca mais e democracia sempre. Neste 31 de março faz 60 anos do golpe militar de 1964. No dia 25 de abril comemoram-se os 40 anos de uma sessão no Congresso Nacional que culminou com o movimento popular Diretas Já, que mesmo sendo derrotado no legislativo agendou para o ano seguinte o fim do regime autoritário.
Nos 21 anos de terror impostos a partir de abril de 1964, sergipanos penaram sob a mão pesada do arbítrio. O relatório da Comissão Nacional da Verdade revelou que três sergipanos foram assassinados pela ditadura militar. Muitos outros sofreram por terem lutado contra o regime de exceção e a favor da liberdade de expressão, ou simplesmente por discordarem do governo dos generais.
O caráter reacionário da ditadura militar configurou-se em Aracaju já no dia 1º de abril após a prisão do deputado federal Euvaldo Diniz e do delegado regional do trabalho, que ousaram se manifestar contra o golpe. Lideranças do Sindicato dos Ferroviários também foram conduzidas ao quartel do 28º Batalhão de Caçadores. Mas na manhã seguinte todos foram liberados.
Mesma “sorte” não teve o governador João de Seixas Dória, que retornou do Rio de Janeiro na noite daquele “dia da mentira” e na madrugada do dia 2 foi arrancado do Palácio Olímpio Campos e deposto. Passou meses preso, boa parte do tempo em degredo no arquipélago de Fernando de Noronha, na companhia do também deposto governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Esses foram os primeiros a sentir a mão pesada da nova ordem institucional.
Os sergipanos assassinados
O primeiro sergipano morto pela ditadura foi o sargento do Exército Manoel Alves de Oliveira, 30 anos incompletos, natural de Aquidabã. Pouco antes do golpe militar, ele foi candidato a presidente do Clube de Subtenentes e Sargentos do Exército, atividade política que certamente o condenou às torturas que sofreu no Regimento Andrade Neves – Escola de Cavalaria, localizado na Vila Militar do Rio de Janeiro, e consequente morte no Hospital Central do Exército (HCE), na mesma cidade, no dia 8 de maio de 1964. Pesquisas apontam que seu assassinato está inserido no quadro de repressão instaurado no país com a chamada “Operação Limpeza”, segundo o relatório da CNV.
A viúva Norma Conceição Martorelli de Oliveira, afirmou que Manoel foi detido em casa, por homens em trajes civis que o conduziram em um automóvel Kombi sem identificação oficial. Ele respondia a Inquérito Policial Militar e foi conduzido para um “interrogatório especializado”. Ao buscar informações junto ao I Exército a respeito do paradeiro, recebeu informações desencontradas. Apenas dois dias depois obteve a confirmação de que o marido estava no HCE. Após um mês de buscas, Norma conseguiu autorização para visitar o marido. Ao vê-lo, percebeu “que o seu corpo estava coberto de marcas, que mais tarde soube serem de ferro quente”.
Também assassinado, o sergipano de Laranjeiras Lucindo Costa, servidor público em Santa Catarina, onde militava no PCB, desapareceu após fazer uma viagem a Curitiba em julho de 1967. Ele tinha 48 anos, era casado e pai de seis filhos. Já havia sido preso duas vezes como subversivo. Posteriormente, a esposa Elisabeth Baader recebeu a informação de que ele morreu atropelado e foi enterrado como indigente. Era mentira, claro. Foi provavelmente detido, torturado e morto.
Preso anteriormente pelos órgãos da repressão, Lucindo mantinha contato com opositores da ditadura militar, como o major Cerveira, mais tarde morto pela repressão, e o professor Vieira Neto, militante do Partido Comunista Brasileiro. À época de seu desaparecimento, Lucindo morava com a família em Mafra (SC) e trabalhava no Serviço de Classificação de Rio Negro (PR), do Ministério da Agricultura.
Therezinha Viana de Assis
Também considerada assassinada pelo Estado brasileiro foi a aracajuana Therezinha Viana de Assis, economista que concluiu o curso na Universidade Federal de Sergipe em 1965. Mudou-se para Belo Horizonte, onde foi funcionária da Caixa Econômica Federal. Militante da Ação Popular (AP), Therezinha foi presa e torturada por agentes da repressão entre os anos de 1968 a 1972.
No início de 1973, ela exilou-se no Chile, onde fez um curso de pós-graduação na Universidade de Santiago. Passou a militar no Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Após o golpe militar que depôs Salvador Allende, Therezinha buscou asilo político na Holanda. Morou inicialmente em Rotterdam e depois em Amsterdã. Cursou o doutorado em Economia e trabalhou, até setembro de 1977, na área de planejamento da prefeitura de Amsterdã. Therezinha Viana de Assis morreu em 1978, aos 36 anos de idade, naquela capital dos Países Baixos, como resultado das sequelas da tortura a que foi submetida.
Durante o período em que residiu em Amsterdã, Therezinha manteve correspondência com sua irmã, Selma Viana de Assis Pamplona, por meio de cartas. Em depoimento, Selma contou que, em 1977, Therezinha viajou por vários países da Europa. Em algumas correspondências, contou à irmã que se sentia perseguida, pois mesmo viajando para outros países via as duas ou quatro mesmas pessoas, que, segundo ela, estariam seguindo seus passos.
Nessa época em que Therezinha passou a se sentir perseguida, um de seus amigos exilados lhe recomendou que tivesse cuidado, pois sabia que policiais do Chile e do Brasil estavam perseguindo exilados em diversos países. Em setembro ou outubro de 1977, desconfiando que suas correspondências estavam sendo violadas e que suas ligações eram interceptadas, ela interrompeu a comunicação com a irmã.
Therezinha Viana de Assis foi encontrada agonizante no dia 3 de fevereiro de 1978, sobre a calçada do edifício onde morava em Amsterdã, e levada, ainda com vida, para o Academische Ziekenhuis da Vrije Universiteir, onde foi operada, mas não resistiu. Ela era irmã do político e empresário Antonio Fernandes Viana de Assis, que foi deputado estadual cassado pela ditadura e, posteriormente, entre os anos de 1988 e 1989, foi prefeito de Aracaju. Ele morreu em junho de 2010, aos 75 anos.
Agonalto Pacheco
Outro natural de Aquidabã que foi torturado, mas sobreviveu para contar a história, foi Agonalto Pacheco. Militante desde a adolescência do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, mudou-se para São Paulo após o golpe de 64, onde se alistou na Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, principal dirigente da luta armada contra a ditadura. Foi preso em janeiro de 1969 quando organizava uma reunião nacional de proscritos. Torturado no Dops de São Paulo para delatar Marighella, que sabia onde estava escondido, resistiu estoicamente.
No dia 4 de setembro daquele ano, os companheiros da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), dentre eles o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira e o jornalista Franklin Martins, realizaram o ato mais ousado da guerrilha urbana no Brasil: o sequestro, no Rio de Janeiro, do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick. O resgate seria pago com a libertação de 15 presos políticos e a divulgação de um manifesto.
O governo atendeu às reivindicações dos revolucionários, os presos políticos, dentre os quais, José Dirceu, Vladimir Palmeira, Gregório Bezerra e Agonalto Pacheco, foram enviados no avião cargueiro Hércules 56 para o México e o manifesto foi publicado nos principais jornais e divulgado em todas as rádios e televisões. Quando o embaixador foi libertado, seguiu-se uma feroz repressão, que levou ao assassinato, ainda em setembro, de Carlos Marighella.
Deputados e estudantes
Viana de Assis (PR), Cleto Maia (PRT), Nivaldo Santos (PR) e Baltazar Santos (PSD) foram os deputados cassados um mês e meio após o golpe. Também foi cassado o deputado federal João Machado Rollemberg, da Arena. No recrudescimento da repressão, e já no bipartidarismo, em 1969 também foram cassados os deputados estaduais Gilton Garcia, Rosendo Ribeiro, Aerton Silva, Chico de Miguel, Edson Mendes de Oliveira, Santos Mendonça, Baltazarino Santos e Jaime Araújo.
Estudantes, quase todos militantes e oriundos da UFS, sofreram nessa fase do chamado novo ciclo repressivo iniciado após o AI-5. Principalmente Bosco Rolemberg, Ana Côrtes, Wellington Mangueira e Laura Marques, que penaram nas mãos de sádicos torturadores. João Augusto Gama, Benedito Figueiredo e o poeta Mário Jorge Vieira também foram presos.
Em fevereiro de 1976, na Operação Cajueiro, 25 sergipanos foram presos arbitrariamente no quartel do 28º BC, alguns foram torturados e 18 foram processados. Wellington Mangueira estava outra vez dentre estes, além dos ferroviários Antônio Bitencourt, Carivaldo Lima Santos, Pedro Hilário dos Santos e Virgílio de Oliveira, dos advogados Jackson de Sá Figueiredo, João Santana Sobrinho, Elias Pinho e Carlos Alberto Menezes, do estudante e bancário Antônio José de Góis, do comerciante Faustino Alves de Menezes, do jornaleiro Gervásio Santos, do funcionário público Marcélio Bonfim, do agrônomo Rosalvo Alexandre, do petroleiro Milton Coelho de Carvalho, que ficou cego, e outros.
O então deputado estadual Jackson Barreto, MDB e ligado ao PCB, sofreu a segunda prisão na Operação Cajueiro, foi logo liberado, mas respondeu a Inquérito Policial Militar.
Em maio de 2009, a Caravana da Anistia do Ministério da Justiça julgou, na sede da OAB em Aracaju, 34 processos de sergipanos que se declararam vítimas do regime militar: 22 processos foram deferidos, as vítimas declaradas anistiadas e o presidente da Comissão de Anistia, em nome do Estado brasileiro, desculpou-se pelo sofrimento causado a cada um desses cidadãos que ousaram lutar pela democracia.
 
* Marcos Cardoso, é jornalista, escritor e autor do livro “Impressões da Ditadura”, que será lançado em breve pela Editora UFS.
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