Do colonialismo ao império
Publicado em 06 de agosto de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Pedro Benedito Maciel Neto
Curiosas, tanto a preocupação, quanto a indignação, respectivamente, da imprensa mundial e da extrema-direita brasileira, com o regime da Venezuela – que dá de ombros à democracia liberal -, e com o governo autoritário de Nicolas Maduro.
Por que curiosas?
Bem, uso substantivo feminino “curiosa” porque não se vê mesma cobertura, ou críticas: (i) ao golpe de Estado de 2020 na Bolívia (golpe confessadamente financiado pelo bilionário Elon Musk); (ii) ao fato de o governo de extrema-direita do Equador haver invadido a embaixada mexicana em abril desse ano, para prender Jorge Glas, ex-vice-presidente do Equador condenado a seis anos de prisão por corrupção, num claro descumprimento do Direito Internacional; (iii) também não se tem notícia de indignação da extrema-direita brazuca em relação à ditadura sanguinária da Arábia Saudita, que promove guerra genocida contra o povo do Iêmen, que apoia a agressão permanente ao povo palestino, que executou 146 oposicionistas em 2017 e que persegue dissidentes até no exterior, como foi o caso do jornalista saudita Jamal Khashoggi, colaborador do Washington Post, assassinado no consulado saudita em Istambul, Turquia, nem (iv) pelo fato de o governo sionista haver matado quase quarenta mil palestinos, numa inegável limpeza étnica, desde o segundo semestre do ano passado, sendo que 2/3 deles são mulheres e crianças e 90% civis; (v) ou em relação ao conflito do Iêmen, que já dura pelo menos 11 anos, com números chocantes: mais de 240 mil mortos e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda, falta água potável e atendimento médico à população; a ONU classifica o Iêmen como a pior situação humanitária do mundo.
Por que isso acontece? Porque os países imperialistas querem petróleo, lítio, diamantes, controlar mercados e ocupar posições de dominação.
Antes de seguir a reflexão faço um registro: estou bem tranquilo para escrever sobre o tema, pois o CORREIO, jornal diário aqui de Campinas, publicou o meu artigo “Não bato palmas para ditadores” e o Portal 247 publicou o “É uma ditadura sim”, nos quais qualifico o governo de Maduro como uma ditadura e faço referências às violações aos direitos humanos que ocorrem no país de Bolivar, portanto, ninguém poderá dizer que estou a relativizar a democracia, os direitos humanos ou, como se diz hoje em dia, a “passar pano” para ditadores; da mesma forma, me coloquei frontalmente à decisão da Rússia em relação à Ucrania, não obstante ter claro que é o que se denomina proxy war , ou “guerra por procuração”, pois, na realidade o conflito é entre a Rússia e a política imperialista da OTAN.
Fato é que me parece que, quando as violações à democracia e aos direitos humanos praticadas pelos governos alinhados à OTAN e à liderança do imperialismo estadunidense, há grande tolerância, “licença para matar” e violar tratados e o direito internacional.
Volto à questão: por que existe tamanha tolerância e busca de justificativas para alguns atos de barbárie e porque noutros casos a uma indignação amplificada pela cobertura da imprensa?
Por uma razão fundamental: onde há interesse do Império, no sentido que nos apresenta Michael Hardt e Antonio Negri, como Petróleo, Lítio, posicionamento geopolítico etc., a imprensa corporativa estará sempre pronta a produzir conteúdo favorável à barbárie, desde que seja adequadamente remunerada para tal.
Voltando à Venezuela…
Para compreender tudo que acontece e o porquê acontece “assim ou assado”, temos, na minha visão, que compreender o que foi o colonialismo e o neocolonialismo – que teve início no século XV e que alcançou o apogeu nós séculos XVIII e XIX, que escravizou povos e nações, e que existe até os nossos dias na forma contemporânea, que se denomina imperialismo (termo utilizado para se referir às práticas da política por meio da qual uma nação busca promover uma expansão territorial, econômica e/ou cultural sobre outra nação, a utilização da palavra imperialismo pode ocorrer em contextos atuais, como, por exemplo, quando um país resolver intervir militarmente em outro).
Refletir sobre a história da colonização das américas do Norte, Central e Sul, África, Ásia e Oceania, é fundamental para entendermos o processo de disputas e apropriação violenta de terras e riquezas, suas consequências econômicas e aos povos das nações vítimas do ataque colonial, neocolonial e imperial.
O que acontece na Venezuela, apesar de todas as vicissitudes do regime, é violência imperial que deseja, a qualquer custo o petróleo venezuelano em detrimento do projeto nacional.
O que o imperialismo estadunidense, seus aliados da OTAN e as grandes corporações internacionais querem é apenas o Petróleo venezuelano, o lítio boliviano e para justificar a violência que praticam, criam a narrativas e tem a mídia corporativa mundial como instrumento à disposição dos seus interesses.
Não tenho dúvida alguma que a luta hoje entre imperialistas de um lado e anti-imperialistas de outro; que a esquerda genuína deve opor-se e denunciar o imperialismo e os males – como fazem os grandes Breno Altman e Lejeune Mirhan -, contudo, não podemos caminhar ao lado de ditadores, autocratas ou de “líderes” que descumprem os direitos humanos, apenas porque eles dizem se opõem ao Império.
A posição correta é a de oposição e denúncia dos movimentos imperiais, mas para isso, data vênia, não podemos ignorar relatórios da OEA sobre o descumprimento dos direitos humanos onde quer que seja, nem andar de mãos datas com idiotas autoritários – de esquerda ou de direita -, pois, a esquerda, como eu a desejo, representa o conjunto de teorias e práticas transformadoras que, ao longo dos últimos 150 anos; ela resistiu à expansão do capitalismo e ao tipo de relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ele gera e que assim procederam na crença da possibilidade de um futuro pós-capitalista, de uma sociedade alternativa, mais justa, porque orientada para a satisfação das necessidades reais das populações, e mais livre, porque centrada na realização das condições do efetivo exercício da liberdade.
Nesse momento o que nos cabe defender, em relação à Venezuela, são os princípios da Soberania Nacional e da Autodeterminação dos povos (ação ou resultado de decidir por si mesmo e a capacidade, direito ou ação – de um indivíduo, grupo, uma instituição etc. – de decidir, por si mesmo, as questões que afetam sua própria vida e de lutar, perseverar para atingir seus objetivos e realizar seus próprios projetos).
Devemos lembrar aos incautos e aos canalhas que: (a) os EUA não têm legitimidade para declarar quem quer que seja vencedor ou perdedor em eleições; (b) essa função é da OEA, ONU etc.; (c) devemos lembrar nossos companheiros que qualquer movimento fora dessa quadra nos aproxima dos maus.
Essas são as reflexões.
* Pedro Benedito Maciel Neto, 60, advogado, pontepretano, pai e avô; sócio da www.macielneto.adv.br – pedromaciel@macielneto.adv.br , autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi; “Tensão entre Poderes”, ed. Apparte.