A política estanciana corrompe e destrói!(II)
Publicado em 02 de outubro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Acrísio Gonçalves de Oliveira
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… Em Estância quem governa nunca faz referência ao Piauitinga, seu principal rio.A não ser quando ele passa por uma grande cheia.De resto, nada.
Há muito chamado “terno”, “majestoso”, “poético”, o Piauitinga, antes,de águas cristalinas,hoje poluído, não deixou de continuar seu caminhar.Gabado por Jorge Amado, que de tanto tomar banho batizou um dos trechos carinhosamente de “cachoeira do ouro”, o rio se encontra num estado deplorável. Jamais poderia supor o romancista que os estancianos pudessem transformar aquele presente da natureza, de “águas murmurantes” e “balneário de todas as classes”, como se referia a imprensa dos anos 1930, em um recebedor de esgoto, desde plásticos a óleo de carro.Há décadas diversos esgotos fétidos,que tomaram a forma de antigos riachos afluentes, bombardeiam sem parar o Piauitinga. É uma guerra silenciosa contra nós mesmos, de alto poder destrutivo. Um ataque literalmente na veia. Algo preocupante. Além do mais, nos tempos de profundo calor por que passa o planeta e escassez de água em algumas regiões, não cuidar dos rios é,no mínimo, uma atitude irresponsável. Não foi por falta de desejo popular, pois nos anos 1990 a juventude estanciana já clamava pelas ruas que o poder público protegesse e despoluísse o rio.
De lá para cá, o perene Piauitinga (quem sabe de milhares de anos), que abriga Estância em suas margens, continua sofrendo, pois não se vislumbra qualquer iniciativa de uma possível revitalização sua, nem por parte do município, nem por parte do Estado (que politicamente são uma lástima só!). Ou sequer uma parceria entre ambos. Assim, o rio segue perecendo enquanto aos poucos nos definha lentamente. Como viver sem os rios? Como projetar o futuro sem eles?
E o que dizer da arquitetura da cidade? Esse é mais outro item que passa despercebido pela política estanciana de baixa qualidade. Estância praticamente perdeu seus históricos casarões, cujas fachadas enchiam de orgulho os estancianos por causa dos famosos cromados azulejos portugueses. Dos casarões abandonados, como exemplo citamos o do INSS (da rua Capitão Salomão), que descasca. Sem ninguém para socorrê-lo, ou exigir sua restauração, o edifício do século XIX deteriora. Vale dizer que nesse mesmo século o antigo casarão abrigava uma das maiores casas de comércio sergipana. Ali se comprava de tudo!
Diferentemente de agora, Estância sempre foi inspiração para Sergipe em diversos campos. Talvez o leitor não saiba, mas foi na Cidade Jardim que se realizou o primeiro “Jogos da Primavera”, uma competição voltada para a juventude estudantil, tendo se principiado no fim da década de 1950, na Escola Técnica de Comércio. Os Jogos da Primavera foram um sucesso na cidade e serviram de inspiração para Aracaju.
Transpondo os muros da escola, o evento seria realizado nos anos 1960 e contaria com a colaboração da inquieta juventude estanciana, representada pelos seus diretórios estudantis (que eram diversos!). Além de futebol de salão e as competições de voleibol masculino e feminino, havia os saltos de vara e até lançamento de dardos e de peso! Os Jogos da Primavera, reduzidos aos tristes Jogos Estudantis, nem mais existem. A vazia e posuda política estanciana tudo fez estancar.
Estância, vanguarda nas artes, na cultura em Sergipe, não ficaria só nisso. Em fins da década de 1960, enquanto a ditadura tentava destruir sonhos juvenis, a juventude estanciana não se deixaria abater. Naquela década os estudantes dariam tiro certeiro ao criar algo marcante: O FEC (Festival Estanciano da Canção).O primeiro do Nordeste! O jornal Diário de Pernambuco, de dezembro de 1968, bem-informado acerca do I festival que seria realizado na Cidade Jardim, dizia que “milhares de pessoas acorreram, de numerosas cidades, para a festa de Estância”.
Com o FEC, uma profusão de artistas se engalfinharia em produção musical como nunca visto na história do Estado! Não se pode falar em música sergipana sem ter o FEC como pilar. Essa não deixou de ser mais uma iniciativa boicotada pela deprimente e trágica política de Estância. É triste constatar que, nessas últimas décadas, sua administração pública foi incapaz de enxergar a potência de seu povo. Foi incapaz de atender aos quereres da sua gente.
* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, professor do Estado e da Rede Pública de Estância