O Chaplin de Tempos Modernos

Os amigos acusam a minha vida boa. Deitado na rede, à sombra do coqueiro plantado no jardim, persigo palavras, premido pelo deadline. Mato um leão todo dia, é verdade. Mas, senhor do meu tempo, reservo algumas horas para a minha filha, uma cerveja, um poema, uma sinfonia de Beethoven.

Eis o ideal vislumbrado pela deputada Erika Hilton ao redigir uma Proposta de Emenda à Constituição com o propósito de reduzir a jornada de trabalho. A escala de seis dias trabalhados para um dia de folga semanal, argumenta-se, seria desumana.

Eu, claro, assino embaixo. Submetido à jornada em vigor, não teria tempo para perambular com Lorena nos braços, às primeiras horas da manhã, quando o sol ainda não acordou direito e derrama uma luz preguiçosa sobre a Atalaia, manso e indolente.

Lamento pelas pessoas de semblante arrasado atrás do volante, nos pontos de ônibus, ao fim do expediente. O tráfego lento, o relógio de ponto, as senhas, as filas, o tempo perdido entre ir e vir, esmagam qualquer possibilidade de transcendência, fazem do homem uma máquina sem alma, um burro de carga, um animal.

O trabalho não precisa rimar com suplício, como à época da revolução industrial. De lá para cá, muita água passou embaixo da ponte, a bem da criatividade, as experiências mais gratificantes. Nem tudo são flores, contudo. O pelourinho agora responde pelo nome enganoso de uberização.

Verdade seja dita: Sem a proclamação da Lei Áurea, a extinção da servidão, a automação, a invenção da imprensa e a universalização da educação básica, sem a alfabetização das massas, eu seria ainda o Chaplin de Tempos Modernos, não gozaria hoje a vida boa de jornalista profissional.