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E agora?


Publicado em 15 de novembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se


* Abraham B. Sicsú
.
Recebo, bem cedo, uma mensagem de um amigo. Perdemos. Já esperava por sinais do mercado financeiro e de analistas bem informados. Não deixa de trazer tristeza, mais, não deixa de aterrorizar.
Sento na minha cadeira de leitura. A meu alcance um livro com ensaios de Milton Santos. Estou relendo.
Lembro que fui amigo de seu irmão, o Grande Nailton, grande em tudo, na inteligência, no tamanho, na doçura de pessoa. Tomei muitos chopes com o seu filho, professor na UFBA, mas não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o grande intelectual. Apenas assisti presencialmente a duas palestras.
Às vezes, na sua verbe sempre categórica e afirmativa, exagera, me parece. Mas, sem dúvida, como um profissional muito competente, um dos mais qualificados na área das ciências humanas, teve uma visão clara do mundo que construíamos e para onde iríamos.
Na apresentação do livro, vejo escrito, “muitas teorias subjacentes ao planejamento constituem instrumentos para a preservação do sistema econômico e da estrutura de classes vigentes nos países subdesenvolvidos. Essas teorias, postas a serviço do capital, especialmente do grande capital internacional, têm-se mostrado indiferentes à sorte da grande maioria das populações desses países.”
Folheio o livro e vejo algumas das minhas anotações. Em particular, fixo-me na última frase do último ensaio. Diz:
“A formação socioeconômica é realmente uma totalidade. Não obstante, quando sua evolução é governada diretamente de fora, sem a participação do povo envolvido, a estrutura prevalecente – uma armação na qual as ações se localizam- não é a da nação, mas sim a estrutura global do sistema capitalista. As formas introduzidas deste modo servem ao modo de produção dominante em vez de servir à formação socioeconômica local e às suas necessidades específicas. Trata-se de uma totalidade doente, perversa e prejudicial.”
A que vêm estas afirmações?
O problema é entender o que representa o retorno da extrema direita ao comando do mais rico país do mundo, país que tem forte influência no nosso continente, país que pode em muito redirecionar os rumos de nossa economia e combalida democracia.
A sociedade americana deu um aval claro à xenofobia, ao racismo estrutural, à segregação social. Disseram querer um domínio no mundo, independentemente dos problemas que afetem aos outros países. Aceitaram falsas verdades como naturais do processo eleitoral, desde que permitissem o seu bem estar e seu crescimento econômico, quase exclusivo para seus cidadãos.
Uma posição medíocre. Que tem repercussões para fora. Que empodera a direita no mundo e sua base de manobra principal, a classe média individualista que só enxerga os seus e os interesses e bem-estar que esses possam usufruir. Que forma opiniões segregacionistas e vê um mundo que deve ser direcionado para seus interesses. Que tem nos Estados Unidos seu modelo de sucesso. A extrema direita tende a crescer e se fortalecer, nos diferentes países, infelizmente.
Estigmatiza-se a pobreza como se fosse uma opção pessoal, vende-se a ideia de que ela existe porque as pessoas são indolentes, preguiçosas, não querem se esforçar. Pior, viver em condições subumanas não sensibiliza, a exploração é algo natural, a fome não vista ou compartilhada, apenas uma ficção. A imigração tem que ser castigada, o subemprego explorado, a dignidade dos seres humanos ignorada.
Nesse contexto, como disse o Mestre “a evolução é governada diretamente de fora, sem a participação do povo envolvido”, Esse é o cenário que se desenha. Não é a voz da nação que prevalece, mas sim a estrutura do sistema capitalista. Em sua dimensão global, em seu direcionamento dado por um mundo em que o egoísmo cresce e se firma como modus operandi. Um grande perigo.
Num momento de perturbação, em que acabam de chegar as informações de um desastre pré-anunciado, difícil ver saídas que efetivamente possam contra-restar às tendências hegemônicas que se apresentam. No entanto, é fundamental reagir e buscar caminhos alternativos que possam efetivamente mudar os rumos.
Nessa direção, os BRICS como bloco parece ser uma alternativa. A formação tem estrutura, densidade e solidez que podem evitar pressões que não deixarão de existir. A criação de uma moeda para o comércio, alternativa ao dólar, passa a ser urgente, a estruturação do comércio internacional e de interesses compartilhados com os países do bloco necessita ser fortalecida.
No continente americano, México, Colômbia, Chile e Uruguai passam a ser estratégicos. Se a Argentina optará por um comercio bilateral, a estruturação de um novo arranjo com esses países, entre outros, fundamental.
Insistir e colocar na agenda mundial as questões climáticas, as questões da pobreza e desigualdade, as questões de gênero, é obrigação dos países não centrais para evitar a dominação econômica. Pesadas contrapartidas são necessárias.
Pobreza e subnutrição são temas que nos afetam. Redistribuição de renda deve passar a ser tema da preocupação mundial, o capitalismo a agravou e fazem-se necessários fundos internacionais vultosos para sua solução.
Em síntese, não é momento apenas de lamentação, fundamental posicionar-se, encontrar aliados de peso, e definir uma nova agenda mundial.
Um embate necessário para evitar a tendência natural de concentração de capitais e exclusão social em um mundo que poderá ser muito mais díspar. Temos como nos posicionar contra.
* Abraham B. Sicsú, professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco)
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