WELLINGTON PAIXÃO, UM POLÍTICO SEM VOTOS
Publicado em 23 de novembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Afonso Nascimento
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Nascido na década de 1940, Wellington da Mota Paixão é um afrodescendente, com origens na classe média aracajuana, com pais sem escolaridade universitária, que foi prefeito de Aracaju entre 1988 e 1992.
Assumiu a prefeitura da capital no período em que a política municipal era dominada por bacharéis oriundos da Faculdade de Direito da UFS como Jackson Barreto, Almeida Lima, João Augusto Gama, Jonas Amaral, Antônio Jacintho Filho, Carlos Alberto Menezes, Francisco Dantas, etc.
Esse grupo incompleto de bacharéis tinha algo em comum no seu currículo político que era o fato de terem lutado contra o regime militar (1964-1985), sendo que alguns com laços com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Sergipe. Esse era bem o caso de Wellington Paixão.
Quem levou Wellington Paixão ao PCB, enquanto era estudante de Direito em Aracaju? De acordo com outro Wellington, o Mangueira, teria sido ele o recrutador de Paixão para os quadros da juventude do “partidão”. Ouvi outra versão que afirmava ter sido Mário Jorge. Podem ter sido os dois. O que importa é que, quando Paixão ingressou na Faculdade de Direito, encontrou um grupo de colegas com militância estudantil trazida do Atheneu – como Gama, Mário Jorge, e o próprio Wellington Mangueira. O futuro prefeito de Aracaju não teve militância estudantil na secundária.
As atividades políticas de Wellington Paixão receberam a atenção de órgãos de segurança e informação durante a ditadura militar como a Polícia Militar, a Marinha, a 6ª Região Militar e o SNI. Na documentação a que tive acesso datada de 1973, podem ser encontradas informações sobre Paixão como a data de seu nascimento (10 de fevereiro de 1941), os nomes de seus pais (Wilson Winne da Mota e Maria José Paixão Mota), a sua cor (morena), o nome de sua primeira esposa (Tânia Oliva Mota) – o nome de sua segunda esposa, Yara Mota, após ficar viúvo, claro, não consta desses documentos. Também pode ser encontrada informação da profissão que exercia enquanto estudante de Direito (comerciário) e depois como advogado (carteira da OAB n° 471).
Enquanto advogado militante, o documento relata que trabalhou para a Federação dos Agricultores do Estado de Sergipe (1970-1978) e como assessor jurídico do Bureau de Investigações Comerciais e Confidenciais (BICC). Infelizmente, não encontrei informação sobre essa instituição que, de acordo com as autoridades da arapongagem, “está causando preocupação aos órgãos de segurança local e que por esta razão está sendo observado sistematicamente”. A esse trabalho de assessor de Wellington, devo acrescentar o seu trabalho como assessor parlamentar do senador Gilvan Rocha e advogado da Diocese de Propriá, dirigida por dom José Brandão de Castro.
O futuro prefeito de Aracaju foi acusado naquela época do que se poderia chamar hoje de “elogios” de tais órgãos do regime militar. Com efeito, de acordo com eles, Wellington Paixão era uma pessoa com “caráter inidôneo”, gozava de “conceito social abaixo do normal” e era seguidor “ideologia esquerdista”. O leitor quer mais?
O então estudante de Direito era chamado de “elemento integrante da subversão no meio estudantil” e acusado de fazer “incitações demagógicas contra o regime” militar. Foi igualmente acusado de referir-se aos militares do 28º. BC como “bonecos fardados” e aos policiais federais como “uns merdas covardes”. Um ponto a ser observado é que Wellington Paixão nunca foi chamado de “comunista” nos dois documentos consultados. De acordo com Wellington Mangueira, o seu xará era “preservado” para se candidatar pelo MDB, seu partido de fachada, mas a serviço do Partido Comunista Brasileiro.
Ainda segundo a documentação consultada, em 1968, Wellington Paixão “participou ativamente do pedágio em favor de Vladimir Palmeira”; “atuou no movimento sindicalista da Petrobras, ao lado de Antônio Jacintho Filho”. “Elemento contrário ao regime militar”, de acordo com documentos do SNI, Wellington Paixão “foi candidato a deputado federal pelo MDB, juntamente com João Santana Sobrinho para deputado estadual e Jonas Amaral para vereador de Aracaju, em 1970”.
Foi o autor do manifesto intitulado “Ao povo sergipano-estudantes e as eleições de novembro”. Eis aqui algumas bandeiras defendidas por Wellington Paixão no referido documento político: “criação da Casa do Estudante”; “anistia ampla para militares e civis punidos pela Revolução de 1964; “melhoria salarial (contra o arrocho)”; “reforma agrária”; “voto direto”; “liberdades públicas (opinião, imprensa, associação etc.)”. Em resumo, pedia o fim da ditadura e a volta da democracia.
Wellington Paixão foi escolhido por Jackson Barreto para ser seu candidato a prefeito de Aracaju, depois que esse foi defenestrado do poder municipal por impeachment capitaneado pelo governador Antônio Carlos Valadares, o deputado estadual Marcelo Déda, entre outros. Wellington Paixão resolveu ser solidário a Jackson Barreto e decidiu afastar-se do governador Valadares, o principal carrasco de Jackson. Até a escolha de Paixão, nomes foram sondados como Carlos Alberto Menezes, Bosco Mendonça, Marcélio Bonfim, entre outros.
Numa reunião aparentemente ocorrida em restaurante da Atalaia, Jackson Barreto anunciou que o seu escolhido era Wellington Paixão. Para ser vice da chapa, Jackson indicou Carlos Alberto Menezes, antes cogitado para ser cabeça da chapa – o qual chegara a ir ao Rio de Janeiro, com Nilton Vieira Lima, para uma conversa a esse respeito com Leonel Brizola, presidente do PDT. Depois de tudo isso organizado, entrou em ação a força política de Jackson Barreto junto ao eleitorado aracajuano e o que aconteceu foi uma grande vitória eleitoral jacksoniana, derrotando Lauro Maia, Marcelo Déda, Jorge Carvalho do Nascimento, e elegendo-se, elegendo o prefeito e quase uma dezena de vereadores. Era “a resposta do povo”, contra o “golpe” de Antônio Carlos Valadares e outros mais.
Durante o mandato do prefeito filiado ao PSB (1988-1992), teve lugar a assembleia constituinte municipal que redigiu a Lei Orgânica de Aracaju, chefiada pelo vereador Marcélio Bonfim. Na mesma eleição em que Jackson Barreto elegeu Wellington Paixão, ele próprio conseguiu um mandato de vereador e puxou outros vereadores. Essa campanha foi chamada de “A resposta do povo”, querendo significar que, elegendo os candidatos de Jackson Barreto, o povo aracajuano corrigia a injustiça cometida contra um dos maiores políticos sergipanos.
A administração de Wellington Paixão também foi marcada por tensões entre sua secretária de Educação, Ada Augusta Bezerra, e o sindicato dos professores do município, Sindipema, então dirigido por Jorge Carvalho, do PCB, e outros membros ligados ao PT como Diomedes Santos da Silva, Isabel Ladeira, Teresa Cristina Cerqueira da Graça e Rosângela Santana. A secretária se mostrou intransigente diante das demandas do sindicato e os sindicalistas resolveram ocupar o gabinete do prefeito. Felizmente, os ânimos foram acalmados sem que o prefeito fizesse uso da Polícia Militar, como assessores lhe teriam sugerido.
Estas são algumas importantes e duradouras realizações da administração de Paixão na prefeitura de Aracaju: Fundação Municipal de Aracaju (Funcaju), Guarda Municipal de Aracaju, Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), Diário Oficial do Município de Aracaju, Procuradoria-geral do Município de Aracaju e Sistema Integrado de Transporte administrado por Bosco Mendonça – além de obras de infraestrutura econômica como drenagens, viaduto, avenidas etc. No entanto, não se destacou pela construção de escolas. Quatro anos depois de ter sido prefeito, Wellington Paixão não conseguiu se eleger vereador por Aracaju.
Existem várias versões sobre a ruptura entre Wellington Paixão e Jackson Barreto. Antes de qualquer coisa, é importante frisar que Wellington Paixão não teria a menor chance de ser eleito prefeito de Aracaju, a não ser pela mão de Jackson. E que, sendo assim, Jackson Barreto teria, pela lógica política, uma forte influência sobre o seu pupilo sem votos.
Segundo me contou Francisco de Assis Dantas, Jackson Barreto teria tido cerca 70% dos membros do secretariado de Paixão. Queria mais? Outra fonte, Gilvan Manoel, me disse que Jackson Barreto fazia reuniões com o secretariado sem o conhecimento do prefeito. As tensões acumuladas por esse comportamento teriam explodido quando Paixão expulsou Jackson de seu gabinete de prefeito pela lei e, desde então, passou também a ser prefeito de fato.
Outra versão sobre a crise final, que também faz todo o sentido, é que Paixão cansou de ser porta-voz ou ventríloquo de Jackson. Queria asas para voar. Queria ser prefeito de verdade e isso não poderia acontecer sendo tutelado por Jackson Barreto. E assim aceitou se aproximar de Albano Franco. Nisso, Jackson viu traição e cobrou satisfação, de acordo com Jorge Carvalho, derrotado pelo prefeito na eleição passada. Daí veio o choque. Eu me satisfaço com os dois relatos e penso que eles se completam. Infelizmente não pude obter depoimento nem de Wellington Paixão, nem de Jackson Barreto.
A reconciliação entre Wellington Paixão e Jackson Barreto não se deu da noite para o dia, de acordo com Francisco Dantas. O tempo cuidou de domesticar as raivas de ambas as partes. Houve pequenos encontros entre ambos, embora não se possa dizer que se tenham tornado novos grandes amigos. No entanto, foi quando Jackson Barreto se tornou governador de Sergipe, que fez um gesto largo de reconciliação, ao convidar Wellington Paixão para ser presidente da empresa estatal Sergipe Gás (SERGAS). E Wellington aceitou. Os dois passaram a borracha nas desavenças passadas.
Antes de terminar, gostaria de discutir a interinidade de Carlos Alberto Menezes como prefeito de Aracaju. Wellington Paixão se afastou da prefeitura de Aracaju por duas vezes. A primeira para tratar de assuntos familiares em São Paulo e a segunda quando realizou viagem a Santiago, no Chile, depois da ditadura de Pinochet. Com o seu afastamento, o vice-prefeito Carlos Alberto Menezes assumiu a prefeitura da capital. Não conheço qual a ordem cronológica dos dois fatosq ue passo a relatar, ocorridos dentro de uma só semana.
O reitor da UFS Luiz Hermínio de Aguiar Oliveira pediu ao vice-prefeito, então professor substituto do Departamento de Direito dessa instituição de ensino, para fazer a terraplenagem das ruas do campus de São Cristóvão. O pedido foi atendido e registrado e captado por uma foto sua, de paletó e gravata, em cima de um trator. O segundo fato consistiu na demissão do superintendente da SMTT, Aerton Silva Menezes, o que motivou a antecipação da volta de Wellington Paixão do Chile. Ao desembarcar no aeroporto de Aracaju, o prefeito titular tomou posse e ali mesmo devolveu o posto ao secretário demitido. Até hoje, ninguém sabe por que o prefeito interino demitiu o chefe da SMTT. Problema de descumprimento de formalidade jurídica?
A administração do “socialista” Wellington Paixão sofreu um grande desgaste no final de seu mandato. Nisso entra o problema da coleta do lixo. De repente, as ruas de Aracaju amanheciam abarrotadas de lixo e isso não agradou a sua população. Além disso, em muros da cidade, podia-se ler “Paixão, Traidor”. O que ouvi das pessoas que consultei sobre a administração de Wellington, de um modo geral? Não houve acusações de corrupção e foi um bom governo, positivo, embora nepotista, tendo até hoje o que mostrar. Nada mal para um político sem votos para chamar de seus.
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* Afonso Nascimento, Professor de Direito da UFS
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Fontes consultadas para a produção desse texto.
Fontes orais:
Entrevistas com
Francisco de Assis Dantas, 12 de novembro de 2024.
Gilvan Emanuel, 6 de novembro de 2024.
Carlos Alberto Menezes, 13 novembro de 2024.
Clara Angélica Porto, 19 de novembro de 2024.
Wellington Mangueira, 8 de novembro de 2024.
Fontes bibliográficas:
DANTAS, Ibarê. História de Sergipe República 1889 a 2000. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. DANTAS, Ibarê. Eleições em Sergipe (1985/2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.
PAIXÃO, Celso Oliva. Wellington Paixão e os 80 anos de contributo na construção dos destinos de Aracaju e de Sergipe. Disponível em: https://www.jlpolitica.com.br/colunas/aparte/posts/morre-com-seu-noel-barbosa-um-modelo-de-empresario-ativo-e-discreto/notas/opiniao-wellington-paixao-e-os-80-anos-de-contributo-na-construcao-dos-destinos-de-aracaju-e-de-sergipe. Acesso: 11 de novembro de 2024.
Wellington Paixão. In Wikipedia. Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Wellington_Paix%C3%A3o. Acesso em 11 de novembro de 2024.
CERQUEIRA DA GRAÇA, Teresa Cristina. A democracia na escola pública municipal: efeitos e defeitos. In Revisa TOMO. UFS. Consultado em 21 de outubro de 2024.
CLEVERTON. A Constituinte Municipal no Jornal. O processo de elaboração da Lei da Lei Orgânica de Aracaju/Sergipe nas páginas do jornal da Gazeta de Sergipe. Aracaju: Novas Edições Acadêmicas, sem data.
Fonte documental:
https://drive.google.com/file/d/1RzWX5g-ZGIEA6krh9SzkCj4CIwKJ2HSh/view?usp=drive_link.
https://drive.google.com/file/d/1DOeVjWbLvHAWeFbFT_jTeJsMB6Tmjbuw/view?usp=drive_link.