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SOBRE A DESINVENÇÃO


Publicado em 11 de dezembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se


* José Fernandes de Lima

 

O verbo desinventar pode ter várias interpretações, dependendo do contexto. Essencialmente, pode significar o processo de reverter uma invenção ou desfazer algo que foi criado. Essa ideia pode se aplicar tanto a conceitos físicos quanto a ideias ou sistemas.
Se imaginarmos a desinvenção de certos dispositivos tecnológicos, isso pode envolver a remoção desses dispositivos do uso diário e o retorno a formas mais simples. Em um sentido mais abstrato, desinventar uma ideia pode significar desconstruir conceitos ou teorias que foram estabelecidas, talvez para repensar ou substituir por algo novo ou ainda retornar às visões do passado. A desinvenção de certos sistemas sociais ou econômicos poderia envolver uma reavaliação e reestruturação fundamental dessas estruturas, com o objetivo de criar alternativas mais justas ou eficientes.
A desinvenção guarda relação com a inovação, com a visão de progresso, com a necessidade de recuar, com a mudança de caminho. A desinvenção pode servir como uma ferramenta para repensar nosso progresso e buscar formas de viver que sejam mais harmoniosas, justas e sustentáveis.
A ideia de desinventar também pode levar a reflexões filosóficas sobre progresso ou retrocesso. Perguntas sobre o que realmente constitui progresso e se algumas invenções ou ideias podem, de fato, ser prejudiciais são temas que podem ser explorados.
Nós somos convidados a pensar sobre a desinvenção sempre que as coisas tomam caminhos não desejados.
Os artistas são especialistas em alertar para os descaminhos da sociedade e são eles que, corajosamente, denunciam e propõem as mudanças.
A canção “Apesar de Você”, de Chico Buarque, foi lançada em 1970. Naquele ano, o Brasil vivia sob um regime militar que censurava a liberdade de expressão e reprimia opositores.
Em tom irônico e desafiador, Chico Buarque critica o governo autoritário e expressa a crença de que dias melhores virão, apesar da repressão. Numa determinada estrofe, a canção diz:

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Para além de casos políticos como o citado acima cuja solução era bem definida e exigia apenas a coragem cívica, cabe lembrar que, do ponto de vista teórico, a desinvenção é, em geral, difícil de implementar, pois envolve fatores complexos e interconectados.
Muitas invenções se tornam parte integral da infraestrutura da sociedade. Por exemplo: automóveis e eletricidade são tão ferramentais para o nosso modo de vida moderno que revertê-los seria altamente disruptivo. Muitas indústrias e empregos dependem da existência dessas invenções.
Muitas invenções não existem de forma isoladas; elas estão interligadas com outras tecnologias e sistemas. Desinventar um único elemento pode ter efeitos cascata complicados. Certas invenções se tornam parte da identidade cultural e histórica de uma sociedade. Removê-las pode ser visto como uma perda de parte da herança cultural.
Há uma tendência natural das pessoas e instituições resistirem a mudanças, especialmente quando essas mudanças envolvem renunciar a algo que se tornou conveniente ou familiar.
Desinventar algo pode exigir não apenas uma mudança técnica, mas uma transformação profunda na forma como vivemos, pensamos e interagimos. Pode ser necessário um esforço coletivo e uma vontade política significativa para reavaliar e reverter algumas invenções.
Algumas escolhas feitas pela humanidade no passado recente levaram ao desenvolvimento do ódio, da intolerância e da injustiça. A desinvenção do ódio requer a reeducação das pessoas, a promoção da empatia, a tolerância e a aceitação cultural.
Não há uma receita para a desinvenção da tristeza, mas podemos oferecer suporte emocional através de amigos, familiares e profissionais de saúde mental. É possível encorajar a expressão criativa através de artes, música, escrita ou outras formas criativas como meio de lidar com tais emoções.
Podemos trabalhar para mudanças sistêmicas que abordem as raízes estruturais das injustiças e desigualdades que na maioria das vezes são causas de ódio e tristeza.
Embora pareça difícil desinventar emoções danosas como a tristeza citada na canção de Chico Buarque, é possível trabalhar continuamente para reduzir seus impactos e criar um ambiente mais acolhedor, solidário e alegre.
Um pouco de vigilância também ajuda.

 

* José Fernandes de Lima, Físico e Professor

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