Longe da hipótese sociológica
Publicado em 20 de dezembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Carlos Vila Nova
As vistas do alto do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, são paradisíacas. Pródigas belezas naturais daquelas paisagens! Não por acaso, esses pontos turísticos são lotados por nacionais e estrangeiros.
Recentemente, contemplei mais uma vez aqueles cenários fascinantes, vendo e ouvindo uma miscelânea de povos e línguas.
Porém, como um paradoxo, na chegada ao Rio e antes de admirar os encantos da natureza e das obras arquitetônicas, a gente se depara com a visão de baixo para o alto das favelas. Desse modo, acentuada pela questão geográfica, a capital fluminense expressa imensa desigualdade socioeconômica existente; que é mais agravada pelos históricos de corrupção existentes.
Da famosa Avenida Atlântica em Copacabana avista-se em proximidade lá no alto, o complexo de favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho. A mesma visão ocorre em outros bairros da Zona Sul. Decerto, uma desigualdade de condições humanas muito próxima e impactante.
A disparidade tão próxima, geograficamente, leva logo à conclusão do porque da cidade do Rio ter alto índice de criminalidade. Aquela máxima de que cada um precisa viver no se quadrado parece não fazer efeito lá, devido aos problemas sociais de precariedade habitacional, pobreza, tráfico de drogas e de insegurança existentes nas favelas.
Correlacionando ao presenciado, vieram lembranças de partes do livro Cidadania, Classe Social e Status, de autoria do sociólogo inglês Thomas Marshall, do ano de 1950, versão traduzida em português; lido e dissecado numa atividade acadêmica, com discussão em sala de aula.
O autor faz uma verdadeira estratificação da cidadania na Inglaterra, mencionando os direitos civis, políticos e sociais como determinantes para o indivíduo e coletividade exercerem o seu papel de forma promissora na sociedade. Mais interessante ainda, quando faz menção a uma denominada “hipótese sociológica”, como uma teoria para a manutenção do equilíbrio social, facultando uma convivência saudável entre os economicamente muito desiguais.
A fórmula do autor parece simples sob o ponto de vista teórico, tendo em vista que consistiria na garantia dos direitos sociais para toda a população, gerando tolerância dos menos favorecidos e a quebra da tensão entre as classes.
Segundo essa teoria, a insuperável situação da existência de ricos e pobres não teria tanta importância, uma vez que, a questão principal seria primar por condições de vida digna para cada um e todos.
O dito panorama do Rio de Janeiro está enraizado há século; assim como, a absurda escravidão dos negros, que durou por centenas de anos no Brasil e que, ainda, não está totalmente extirpada. Logo, não se pode deixar de dizer, mesmo que sem efeito, que se trata duma questão de direcionamento prioritário, com mais políticas públicas que assegurem os direitos sociais mais elementares para as populações desprovidas.
Considerações lidas e ouvidas a respeito da denominada “hipótese sociológica” levam a concluir que essa teoria se enquadraria no contexto brasileiro, que tem precariedade nos serviços públicos mais elementares como moradia, saúde, educação, emprego, alimentação e segurança; assim como, elevados níveis de desigualdade socioeconômica. No entanto, falta a robustez de vontade em promover substanciais avanços sociais e disposição razoável de determinados segmentos sociais em ceder espaços.
O livro de Marshall expõe uma fórmula simples; tal qual, a primorosa Carta Magna de 1988, que possui texto também virtuoso, com aspirações de igualdade, fraternidade, justiça e de garantia dos direitos sociais fundamentais.
Urgem necessários avanços, diante das mais embaraçosas disparidades existentes. Nesse toar, nada impede que os bons textos e as boas palavras tenham certo nível de observância; uma vez que, sem pragmatismo, os escritos e palavras ficam só como meras hipóteses ou como teorias que se perdem no campo da abstração.
* Carlos Vila Nova, advogado, escritório em Estância, bancário aposentado