A arte de acender vaga-lumes
Publicado em 01 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia
*Rangel Alves da Costa
Nada é impossível na vida. Ao menos naquilo que depender da vontade humana e possa frutificar de seu esforço. O homem já visitou a lua, já deu uma de marciano, já caminhou e flutuou pelos espaços. O que era inimaginável, aos poucos foi sendo conseguido.
Tem gente até que se faz de cego sem ter cegueira, se faz de doido pela esperteza, quer ser maior do que a ciência, a medicina, as estatísticas. Tem gente que vê mortes se acumulando por graves enfermidades, e ainda tem coragem de dizer que morreram de uma gripezinha.
Seria melhor, pois, que inventassem artes e ofícios mais honestos e menos irresponsáveis. Seria muito melhor que ao invés de tentarem fazer de circo uma nação, que se revestissem logo dos palhaços que são e pilheriassem perante seus idolatrados.
Pra gente assim seria muito injusto que a arte lhe soprasse o dom da verdadeira criatividade. Também jamais seria jardineiro por não ter qualquer tipo de sensibilidade. Muito menos ourives, transformando pedras brutas em adornos de beleza sem igual. Nem para acendedor de vaga-lume serviria.
Para acender vaga-lumes é preciso arte, conforme dizia um amigo acendedor. Não era acendedor de lamparinas ou luminárias em postes antigos não, mas acendedor de vaga-lumes. Contudo, nem todo mundo sabe acender a luminária do inseto.
Hoje está em total desuso, é ofício que não se pratica mais, mas nos tempos antigos a arte de acender vaga-lumes era uma nobre e valorosa ocupação.
E tão valorizada era a arte que os acendedores de vaga-lumes só eram encontrados entre os sábios, filósofos, aqueles mais judiciosos e prudentes.
E havia razões para ser assim: só consegue acender vaga-lumes que tem o espírito iluminado, quem consegue enxergar o dia na escuridão, quem vive buscando explicações para a realidade do mundo.
Só consegue acender vaga-lumes quem não se contenta com o dado e vive perquirindo outras respostas, quem encontra motivos para conversar e ouvir a pedra ou dialogar com as forças da natureza.
Só faz surgir a luminescência no pequeno inseto coleóptero da famíliaElateridae, Fengodidae ou Lampyridae aquele que não necessita de um pirilampo voando ao redor para fazê-lo fosforescer. A luz é ideia, e o vaga-lume idealiza o mundo na sua imperfeição, devendo ser aceso para proporcionar os sinais.
Muitas vezes, em meio ao negrume da noite, debaixo do mais tenebroso breu, o sábio chamava o seu discípulo e ensinava-lhe como encontrar a luz em momentos difíceis, como avistar uma réstia quando tudo já está desesperançado. E o discípulo começa a avistar vaga-lumes.
Outras vezes, caminhando solitário pela via escura, o filósofo encontrava pessoas que logo lhe perguntavam aonde ia assim debaixo de tamanha escuridão, onde apenas os grilos cantam nos escondidos e os vaga-lumes nem ousam aparecer. Vou acender vaga-lumes, respondia ele.
Alguns seguiam adiante dizendo da loucura encontrada, outros apenas ouviam para dizer que ali era mais fácil encontrar os seres maldosos da noite a um só vaga-lume. Mas houve alguém que se interessou pela resposta do filósofo e indagou-lhe como era possível encontrar vaga-lumes para acendê-los se ao encontrá-los logicamente já estariam piscando.
O velho filósofo logo entendeu aquela indagação e intimamente se encheu de uma felicidade indescritível. Até que enfim encontrei um vaga-lume, disse a si mesmo. Mas ao abrir a boca perguntou se a pessoa estaria disposta a ajudá-lo nessa difícil empreitada. Com a afirmação positiva, só restava dizer o que deveriam fazer.
E continuando ali mesmo, os dois em pé envoltos na escuridão, o filósofo disse: Creio que os vaga-lumes nem sempre estão piscando, nem sempre estão emitindo aquelas luzes fosforescentes. Deve haver um motivo para que continuem apagados, em repouso, como deve haver um motivo para que comecem a piscar.
E continuou. Portanto, pode haver vaga-lumes ao redor e que, por estarem em inércia, nossos olhos não conseguem enxergar. Mas mesmo que continuem assim será possível avistá-los. Se você acha que eles estão por aqui, haverá sempre uma grande possibilidade de eles estarem realmente por aqui. Mas se você tem certeza que eles estão aqui, então não demorará muito para que comecem a piscar.
E disse mais. Eis a noite do vaga-lume e a noite do homem. Tudo uma possibilidade, mas também tudo impossível, se assim desejar. O homem que teme a noite, que concebo como a realidade desconhecida, jamais encontrará vaga-lumes. Tão preguiçoso é para buscar respostas, tão inerme é para descobertas que permanecerá na escuridão diante de milhões de pirilampos incandescentes.
Então, a pessoa que permanecia ao lado ouvindo as explicações, ansiosa para dizer que talvez tivesse entendido tudo, humildemente falou: Palavras tão sábias e verdadeiras chegam a mim como luz. E só agora sei como posso iluminar a noite do medo, do desconhecimento, da incerteza. Basta seguir adiante, ter determinação e perseverança, procurando sempre a razão em tudo que possa existir, e certamente encontrarei vaga-lumes.
E depois disso os dois seguiram adiante, tão iluminados como pirilampos.
Advogado e escritorMembro da Academia de Letras de Aracajublograngel-sertao.blogspot.com