A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E O ESPECTRO DO AUTORITARISMO
Publicado em 09 de outubro de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Não é uma data redonda, mas foi muito lembrada e celebrada esta semana, notadamente por setores do judiciário e também do legislativo. Há 33 anos era promulgada o atual texto constitucional que estabelece direitos e deveres para todos os brasileiros. A chamada Constituição cidadã de 1988 entrou em definitivo para a História do Brasil, entretanto ainda precisa conviver com defuntos que pareciam sepultados desde então.
A primeira constituição brasileira é datada de 1824. Foi outorgada durante o Período Monárquico, por Dom Pedro I, num contexto de pós-independência da Coroa Portuguesa. Ao longo dos anos, incluindo este, o país conheceu sete textos constitucionais. Destes, pelo menos três foram resultados de imposições e não de discussões coletivas.
A primeira constituição republicana foi assinada em 1891. Entre as novidades, a separação, pelo menos na letra, entre o Estado e a Igreja. Aliás, até hoje há um esforço para que o Estado seja efetivamente laico. Não havia ainda uma cidadania definida, preservando-se alguns privilégios para homens ricos e brancos.
A Revolução de 1930, protagonizada por Getúlio Vargas, e seus desdobramentos políticos forçaram a promulgação de um novo texto constitucional, se concretizando em 1934. Finalmente chegava a vez das mulheres que conquistaram o direito de voto. Para suplantar os efeitos nocivos da política do voto de cabresto dos anos anteriores, estabeleceu-se o voto universal, direto e secreto.
Em 1937, Getúlio Vargas impôs um regime autoritário do país, sob a desculpa de uma ameaça comunista, impondo um novo texto constitucional. De inspiração fascista, ficou conhecida como constituição polaca. Imperou a governança imperativa do Presidente da República, com plenos poderes, inclusive de censura.
Sob os ventos vitoriosos das nações liberais e democráticas da II Guerra Mundial, o regime varguista foi substituído pela democracia e, assim, implantou mais texto constitucional. Em 1946, verificou-se, entre outros aspectos: ênfase no trabalhismo, no pluripartidarismo, no sistema representativo presidencialista, retomada do voto universal, direto e secreto e a liberdade de organização e funcionamento sindical.
O malfado golpe civil-militar de 1964, até hoje ainda batizado erroneamente por alguns de "revolução", lançou sobre o país ares autoritários, que foram se definindo e reforçando com o passar do anos e sedimentados no texto constitucional de 1967, afora os atos institucionais, dos quais se sobressaiu o de número 5, que endureceu de fez o regime, com prisões arbitrárias, censura de toda ordem, torturas, mortes misteriosas e desaparecimentos.
Passado um pesadelo de vinte e cinco anos, o Brasil voltou a respirar e a viver democracia em 1985, com a primeira eleição indireta para Presidente da República, com a presença e atuação exclusiva de civis. Três anos depois, sob a liderança do deputado federal Ulysses Guimarães, enfim uma Constituição, se não perfeita, a mais democrática e libertária de todos os tempos.
Importante lembrar que em 1987, a Banda Legião Urbana, sob o comando do vocalista e poeta Renato Russa, preconizava e até mesmo profetizava: "Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação". Atemporal e verdadeira, a canção segue a nos lembrar estas e outras assertivas ainda não superadas, ainda mais agora que o país vive sob o fantasma do autoritarismo de grupos de extrema direita, de inspiração fascista.
Nesse sentido, mais do que oportuna, a comemoração dos 33 anos da Constituição de 1988 é muito viral, sob pena de perderem-se conquistas cidadãs valiosas e outras tantas pelas quais ainda é necessário lutar e perseguir. E que isso se dê sempre num ambiente livre, democrático, respeitoso e saudável. Do contrário, o espectro possuirá, no pior sentido da palavra, a alma da nação e de nossas instituições mais sagradas.