Sexta, 17 De Janeiro De 2025
       
**PUBLICIDADE
Publicidade

A contracultura da violência


Publicado em 22 de junho de 2021
Por Jornal Do Dia


 

* José Umberto
A narrativa Crime da Rua de Campos de Luiz Eduardo Costa lança mão de recurso estético "noir". O assassinato de uma personagem da elite aracajuana nos anos 50 é a ponta de lança de uma trama gótica de província. Um drama policial particular que serve de trampolim para desaguar num clima amplo de morbidez política enquadrado no método da pistolagem como corolário da violência em surdina. A violência sob o signo de osmose, afinal. O jornalista Luiz Eduardo Costa segue o rigor de uma pesquisa cirúrgica daquela época de meados do século passado, levantando os detalhes de uma nascente sociedade urbana nordestina conservadora, patrimonialista e oligárquica. Sem abdicar, no entanto, de uma lavra literária de transcendência do mistério como elemento dramático de pano de fundo para se conhecer melhor a condição humana.
O lírico se funde ao trágico, na longa tradição criadora de uma Patricia Highsmith e sua extensa trupe ao longo da escrita. E o escritor sergipano trilha esse bordão da paisagem aracajuana numa circunstância em que o comunitário ascende em relação à existência individual. O relato da tragédia traduz a bruma da polis. Há um tecido social apodrecido a partir de suas instituições comprometidas com a farsa e o sangue enlameado na construção paralela da mentira. Algo temperado pelo fascismo tropicalista. Pelo autoritarismo político de uma ideologia republicana obscura, retrógrada e antidemocrática. A narrativa se propõe a um raio-x da situação através de uma descrição exaustiva de fatos, andamentos, comportamentos e tramas cruzadas. O trauma e a sua análise. Os cavaleiros do apocalipse semeando o ódio e a tirania do funesto. Enquanto o leitor vai recebendo os dados históricos nos escaninhos do tempo para, então, projetar-se uma panorâmica da situação de uma crise. Como se estivéssemos no mirante dos aflitos.
Catarse – A criminalidade oficial e programada gera a fissão da fantasmagoria. As ruas, as praças, os espaços domésticos estão impregnados de transes coletivos. Embaralham-se o público e o privado. O rio, o oceano, o mangue e os paralelepípedos testemunham o suspense do fio invisível do approach. Porém as águas não se misturam ao sangue. E essa indivisibilidade da vingança (resquícios da vendeta) irracional se apossa da aparente tranqüilidade de Aracaju à sombra do coqueiral atlântico. Uma capital sertaneja assaltada pela barbárie. Uma população atônita em meio à tormenta e à oscilação de humor que adentra ao subterrâneo do inconsciente coletivo incapaz de realizar a sua catarse.
Crime da Rua de Campos revela um povo sem condição de desvendar o seu próprio mistério, que é o núcleo de sua identidade cultural. Percorrendo um grito de desespero e alguns sussurros de frustração. O ceticismo é vitorioso diante do dragão da injustiça. Há uma vergonha, reflexo da baixa-estima, rondando as consciências atormentadas. E o silêncio recobre as palavras de Luiz Eduardo Costa num gestual humanístico de inquietação e angústia. Num olhar minucioso sobre a teia de aranha de uma organização criminosa sub-reptícia. Daí o avanço para o grau de denúncia. Uma literatura de investigação da conjuntura que se engaja no esclarecimento iluminista e na compulsão da desmistificação acerca do mito que circula o palco circense.
Na narrativa é imanente uma ética inconformista. E uma fabulação estilística rastreada pela lente de aumento do real a partir de consultas à arquivos e através do espírito de investigação científica. É imbuído dessa paciência de pesquisador que as lacunas do "mistério" vão sendo preenchidas por ocorrências surpreendentes e verdadeiras. Enquanto o tabuleiro de xadrez dessa dramaturgia tardia vai ganhando sentido e desvendando o burlesco palaciano do poder envolto em cinismo e sangue. Essa política da delinqüência onde impera a intolerância e onde opera o maquiavelismo. Num teatro de marionetes manipulado pelo engenho do horror. Essa atmosfera em preto-e-branco aonde predomina o martírio e a tortura. Imagens do pesadelo subterrâneo a conviver num cotidiano de manipulação da "normalidade" pública: a exceção vira regra. Ou quando as artimanhas de poderosos transformam a fábula em realidade. Numa distorção da verdade cujo preço é o sofrimento. Além de acarretar marcas indeléveis de mágoa e ressentimento cuja conseqüência deságua na pobreza de espírito.
Decomposição – O crime é o sintoma da indecência ou o termômetro da obscurantismo medieval. Ele flui num terreno contaminado. E explode como uma metáfora – morte a um médico conceituado da cidade ainda paroquial. E a doença aflora na abóbada do poder constituído: decomposição política. Essa herança funérea que compõe o vínculo de uma ética da mácula. Que se expressa no verniz de uma cordialidade impostora. Essa superfície artificial onde impera no seu interior o `ovo da serpente´. O caráter da maldade exposto nas entrelinhas do verbo. Ali onde o discurso ensaia a possibilidade do desvelamento. Embora o nó do trágico não se desate. A plateia fica sem acesso à catarse. E os condenados da terra só foram recompensados pelo silêncio cúmplice dos cemitérios e das encruzilhadas de alma penada. Um sacrifício extensivo ao pesadelo da história que se incrusta no magnetismo da inteligência. Na geração subliminar do atavismo da violência: cultura da bruaca.
* José Umberto, sergipano de Boquim, radicado na Bahia há mais de 50 anos é jornalista e cineasta.

* José Umberto

A narrativa Crime da Rua de Campos de Luiz Eduardo Costa lança mão de recurso estético "noir". O assassinato de uma personagem da elite aracajuana nos anos 50 é a ponta de lança de uma trama gótica de província. Um drama policial particular que serve de trampolim para desaguar num clima amplo de morbidez política enquadrado no método da pistolagem como corolário da violência em surdina. A violência sob o signo de osmose, afinal. O jornalista Luiz Eduardo Costa segue o rigor de uma pesquisa cirúrgica daquela época de meados do século passado, levantando os detalhes de uma nascente sociedade urbana nordestina conservadora, patrimonialista e oligárquica. Sem abdicar, no entanto, de uma lavra literária de transcendência do mistério como elemento dramático de pano de fundo para se conhecer melhor a condição humana.
O lírico se funde ao trágico, na longa tradição criadora de uma Patricia Highsmith e sua extensa trupe ao longo da escrita. E o escritor sergipano trilha esse bordão da paisagem aracajuana numa circunstância em que o comunitário ascende em relação à existência individual. O relato da tragédia traduz a bruma da polis. Há um tecido social apodrecido a partir de suas instituições comprometidas com a farsa e o sangue enlameado na construção paralela da mentira. Algo temperado pelo fascismo tropicalista. Pelo autoritarismo político de uma ideologia republicana obscura, retrógrada e antidemocrática. A narrativa se propõe a um raio-x da situação através de uma descrição exaustiva de fatos, andamentos, comportamentos e tramas cruzadas. O trauma e a sua análise. Os cavaleiros do apocalipse semeando o ódio e a tirania do funesto. Enquanto o leitor vai recebendo os dados históricos nos escaninhos do tempo para, então, projetar-se uma panorâmica da situação de uma crise. Como se estivéssemos no mirante dos aflitos.

Catarse – A criminalidade oficial e programada gera a fissão da fantasmagoria. As ruas, as praças, os espaços domésticos estão impregnados de transes coletivos. Embaralham-se o público e o privado. O rio, o oceano, o mangue e os paralelepípedos testemunham o suspense do fio invisível do approach. Porém as águas não se misturam ao sangue. E essa indivisibilidade da vingança (resquícios da vendeta) irracional se apossa da aparente tranqüilidade de Aracaju à sombra do coqueiral atlântico. Uma capital sertaneja assaltada pela barbárie. Uma população atônita em meio à tormenta e à oscilação de humor que adentra ao subterrâneo do inconsciente coletivo incapaz de realizar a sua catarse.
Crime da Rua de Campos revela um povo sem condição de desvendar o seu próprio mistério, que é o núcleo de sua identidade cultural. Percorrendo um grito de desespero e alguns sussurros de frustração. O ceticismo é vitorioso diante do dragão da injustiça. Há uma vergonha, reflexo da baixa-estima, rondando as consciências atormentadas. E o silêncio recobre as palavras de Luiz Eduardo Costa num gestual humanístico de inquietação e angústia. Num olhar minucioso sobre a teia de aranha de uma organização criminosa sub-reptícia. Daí o avanço para o grau de denúncia. Uma literatura de investigação da conjuntura que se engaja no esclarecimento iluminista e na compulsão da desmistificação acerca do mito que circula o palco circense.
Na narrativa é imanente uma ética inconformista. E uma fabulação estilística rastreada pela lente de aumento do real a partir de consultas à arquivos e através do espírito de investigação científica. É imbuído dessa paciência de pesquisador que as lacunas do "mistério" vão sendo preenchidas por ocorrências surpreendentes e verdadeiras. Enquanto o tabuleiro de xadrez dessa dramaturgia tardia vai ganhando sentido e desvendando o burlesco palaciano do poder envolto em cinismo e sangue. Essa política da delinqüência onde impera a intolerância e onde opera o maquiavelismo. Num teatro de marionetes manipulado pelo engenho do horror. Essa atmosfera em preto-e-branco aonde predomina o martírio e a tortura. Imagens do pesadelo subterrâneo a conviver num cotidiano de manipulação da "normalidade" pública: a exceção vira regra. Ou quando as artimanhas de poderosos transformam a fábula em realidade. Numa distorção da verdade cujo preço é o sofrimento. Além de acarretar marcas indeléveis de mágoa e ressentimento cuja conseqüência deságua na pobreza de espírito.

Decomposição –
O crime é o sintoma da indecência ou o termômetro da obscurantismo medieval. Ele flui num terreno contaminado. E explode como uma metáfora – morte a um médico conceituado da cidade ainda paroquial. E a doença aflora na abóbada do poder constituído: decomposição política. Essa herança funérea que compõe o vínculo de uma ética da mácula. Que se expressa no verniz de uma cordialidade impostora. Essa superfície artificial onde impera no seu interior o `ovo da serpente´. O caráter da maldade exposto nas entrelinhas do verbo. Ali onde o discurso ensaia a possibilidade do desvelamento. Embora o nó do trágico não se desate. A plateia fica sem acesso à catarse. E os condenados da terra só foram recompensados pelo silêncio cúmplice dos cemitérios e das encruzilhadas de alma penada. Um sacrifício extensivo ao pesadelo da história que se incrusta no magnetismo da inteligência. Na geração subliminar do atavismo da violência: cultura da bruaca.

* José Umberto, sergipano de Boquim, radicado na Bahia há mais de 50 anos é jornalista e cineasta.

**PUBLICIDADE



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE


**PUBLICIDADE
Publicidade