A CONTROVERSA ESTÁTUA DA "LIBERDADE"
Publicado em 21 de agosto de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Símbolo máximo da identidade nacional norte-americana, a Estátua da Liberdade foi um mimo da França para os Estados Unidos da América, na segunda metade do século XIX. Foi idealizada por Alexandre Gustave Eiffel (1832-1923) e inaugurada no dia 28 de outubro de 1886. Sobreviveu a inúmeros acontecimentos, entre eles, a duas guerras mundiais, embora saibamos que o palco delas tenha sido a Europa. Com uma altura de aproximadamente 47 metros, está localizada na Ilha da Liberdade (Liberty Island) em Manhattan, Nova York.
Inúmeras imagens tendo a Estátua da Liberdade como cenário tornaram-se comuns. Mas, nenhuma é tão carregada de representação quanto a de John Lennon, com o braço direito erguido e os dedos em forma de "v". Em matéria para a Revista Cláudia (12 de março de 2020), o autor da foto emblemática, Bob Gruen, assim se expressa a respeito de seu feito imagético: "Ela tem mais significado porque muitas pessoas associam John Lennon à liberdade e a estátua é um símbolo de liberdade. Então, juntar os dois com um símbolo de paz foi especial".
Por toda essa importância e significado, o monumento norte-americano é considerado Patrimônio da Humanidade desde 2007 e está inscrito entre as Sete Maravilhas do Mundo no tempo presente. Entretanto, penso que sua apropriação identitária deva ter limites e seu uso também, sob pena de incorrermos em erros grotescos e sem sentido algum.
Longe de mim ser um nacionalista exagerado e nem quero ser. Pois entendo que para além de amor exacerbado à pátria, são necessárias, antes de tudo, duas coisas importantes: sentimento de pertencimento; coerência identitária. Qual o sentido de propagar "a pátria acima de tudo" e idealizar uma nação estranha a sua história e a sua cultura? Que sentido tem usar as cores "verde e amarelo" e vangloriar símbolos norte-americanos? Se isso não for um contrassenso, não está muito longe de ser uma tremenda ignorância ou talvez uma forma velada de ocultar aquilo que o brasileiro tem de mais autêntico.
No bojo dessa discussão estão as lojas da Havan, que ostentam em suas filiais espalhadas pelo Brasil uma réplica da Estátua da Liberdade. Curioso é que seu dono, ao mesmo tempo, estampa o verde-amarelíssimo nas cores da instituição, nos uniformes dos funcionários e até em sua indumentária "extravagante". Lennon, se vivo estivesse, estaria rolando de ri ou convidaria Bob Gruen para outra foto, desta feita com outro uso e significado.
O curioso disso tudo é que quando o Largo da Sergipanidade foi inaugurado, em março de 2018, ouvi as maiores asneiras possíveis, algumas de cunho homofóbico e até mesmo preconceituosos do ponto de vista religioso, numa grosseira comparação aos Orixás da Fonte Nova, em Salvador. Símbolos da identidade sergipana, as estátuas dos Lambe Sujos e Caboclinhos, dos Bacamarteiros, do Cacumbi, dos Parafusos, do Reisado, da Chegança, da Taieira, da Dança de São Gonçalo e do Barco de Fogo são representações de pertença.
Nesse sentido, ao passar pela frente do Hospital Governador João Alves Filho, em Aracaju, não me sinto sergipano. Não me identifico com a Estátua da Liberdade da Havan. Ela destoa do lugar, está muito longe de ser um símbolo para os sergipanos e longe de ser aceita na paisagem urbana onde foi instalada. Ainda que algumas pessoas se sintam inclinadas a tirarem suas fotos no "monumento", recolho-me ao meu incômodo de ser atingindo em minha identidade mais local possível, por um "símbolo" alienígena e estranho a minha história e à história do povo sergipano.