Congestionamento sem precedentes na Avenida Beira Mar
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A emergência do medo
Publicado em 03 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia
Rian Santos
Ontem, 02 de abril, vai ficar marcado como uma nódoa, uma página impressionante no calendário da peste. Milhares foram às ruas, ao mesmo tempo, a fim de inocular a vacina contra o mal cuspido e escarrado no próprio sangue. Não podia dar certo. Foi uma catástrofe.
Não há nada de imoral, nada de condenável em buscar os recursos oferecidos pela ciência, a fim de assegurar a imunização pessoal e de entes queridos, o quanto antes. A mancha já mencionada, no entanto, denuncia uma ferida insidiosa, tão perigosa quanto o coronavírus – a emergência do pânico de tocaia sob a epiderme da gente.
Dona Eliene, 66 anos, a senhora minha mãe, caiu da cama logo cedo, tomou café às pressas, banhou-se, trocou de roupa, penteou os cabelos finos, aguardou o interfone tocar. Ficou à espera. Minha irmã Fábia prometeu não atrasar.
Dona Eliene detesta pedir favores, incomodar os filhos e até os funcionários do condomínio. Também não tem apreço especial por médicos e enfermeiras.Se ela fez questão de oferecer o braço para a agulha logo no primeiro dia de vacinação foi só porquê no fundo, bem no fundo,talvez, sente medo.
"Se Seus quiser, eu não vou morrer tão cedo", canta Caetano em ‘Araçá Azul’ (1972), um dos discos mais ambiciosos de toda a música popular brasileira. Pois ontem, enquanto o cortejo dos amedrontados congestionava a Avenida Beira Mar, um espetáculo assustador, os versos me ocorreram e soaram como uma prece.
Óbitos, fome, recessão, desemprego em massa, convulsão social, está tudo no horizonte da brava gente. O governo federal não reage. Quem tem juízo, tem medo.