Segunda, 27 De Janeiro De 2025
       
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A ENXADA OU A CANETA


Publicado em 13 de junho de 2019
Por Jornal Do Dia


 

"Meus filhos, não tem saída, 
são vocês quem devem escolher: 
é a enxada ou caneta".
Lídia Ximenes Melo
* Domingos Pascoal
Claro que a frase não foi assim, tão 
bem construída, como a que está aci-
ma transcrita. Mas a passagem, bem como a cena onde ela foi verbalizada, ficou para sempre gravadas na minha alma: era noite escura no Cantodoamaistempo, lugarejo perdido do mundo distando alguns quilômetros da cidade de Groaíras, no sertão do Ceará. Na casa de taipa onde morávamos, a luz mortiça de uma lamparina pendurada num cambito enfiado na parede de barro, iluminava aquela cena inesquecível. Todos nós, da família, (com exceção do meu pai já houvera migrado para o sul), sentados no chão de terra batida ouvíamos minha mãe contar histórias enquanto, diligentemente, pedalava uma máquina de costura.
Ela não era e nem é uma mulher letrada. Por isso, creio que a elocução verbalizada deve ter sido mais ou menos assim: "meus fios é vocês que escoe é a caneta ou a enxada. Ou seja, meus filhos: ou vocês aprendem a ler e a escrever, ou irão, obrigatoriamente, continuar com a penosa e rústica, profissão do seu pai: trabalhar na roça com enxada,  foice ou machado na mão, sob o sol, a "russara" o mato e o calor. Não há outra saída. Vocês têm apenas estas duas possibilidades. A bem da verdade, existia uma terceira possibilidade, a de migrar para o sul, (naquele tempo e naquele lugar tudo era sul: Rio de Janeiro era sul, São Paulo era sul e, até Brasília, era sul). Porém, a minha mãe era muito apegada aos seus filhos e, na cabeça dela, esta era uma hipótese de que não gostava nem de pensar: um filho seu viajar pra longe? De jeito nenhum: "enquanto eu puder costurar, plantar e criar uns bichinhos – ela dizia – meus filhos ficam comigo, onde come um comem três", ela sequer cogitava esta infeliz ideia de um filho seu sair do seu raio de cuidado, imagina viajar para longe dela…!
Todavia, para tristeza da minha mãe, naquela mesma década de sessenta não houve escapatória, todos tivemos que nos retirar dali inclusive ela, minha mãe, e as crianças. Meu pai já tinha ido, eu fui em 1968 para o Rio de Janeiro, minha irmã foi um pouco antes para São Paulo e, meu irmão mais novo do que eu seguiu-me em 69 e, já em 1970, acabou que todos tiveram que partir em retirada, fugindo da seca, da pobreza, da sede e da fome. Ela, minha mãe  viajou para o Rio de Janeiro onde já estávamos eu e meu irmão e, de lá, foi para São Paulo, onde morava a minha irmã. Mas, naquela grande metrópole, igualmente não ficou muito tempo, pois meu pai já morava em Brasília, e foi pra lá que ela seguiu meses depois. Na Capital Federal ficou até o ano de 2012 quando se mudou para Fortaleza, onde passou pouco tempo e já retornou a Brasília de novo e de lá não quer sair. Aquela frase, porém, nunca me saiu da cabeça: a caneta ou enxada. Na verdade eu detestava aquele trabalho e, fiquei a matutar: tenho que pensar na caneta, pois, mesmo muito jovem já era obrigado a capinar usando a tal da enxada e, não gostava, fazia por obrigação, não tinha outra saída, embora tenha tentado várias atividades, mesmo ainda muito pequeno, com dinheiro emprestado, experimentei comprar e vender galinhas, ovos e garrafas e, também, ajudar nas feiras o que eu não queria era a danada da enxada, da foice e nem do machado. Não tolerava os calos nas mãos, as coceiras pelo corpo e o calor do sol, a irritação e o suor. Não. Eu não queria continuar trabalhando no mato. Trabalhar no mato era e é ainda muito desconfortável, o contato com o mato irrita a pele o sol, o suor, a poeira e a "russara", são motivos para ninguém gostar, "russara" era como denominávamos a irritação, coceira e o desconforto provocados pelo contato do mato com o corpo. Era um tremendo mal estar.
Decidi, assim, que iria escolher a caneta. Eu tinha nove anos, foi a melhor decisão que tomei em minha vida. Não tinha a menor ideia de onde isso iria me levar. Na verdade eu só tinha sido apresentado a uma caneta quando um parente meu veio do Rio de Janeiro e me mostrou uma, na verdade não cheguei nem a tocá-la, só a vi na mão dele, que logo colocou no bolso pra ninguém pegar. Porém, só em me ver livre daqueles suplícios provocados por aqueles instrumentos de tortura, bem como do contato com o mato, já seria muito bom. Acreditei que nada seria pior que um machado, uma foice ou uma enxada dentro daquele matagal horroroso.
Aquelas palavras operaram em mim uma convicção inabalável: não quero trabalhar no mato, pronto! Tenho que aprender a usar esta danada de caneta. Eu quero a caneta. Não quero mais a enxada…
Essa resolução, acertadamente tomada, trouxe-me ao que sou hoje. Sinto-me realizado e me realizando a cada dia, graças àquela bendita frase verbalizada pela minha amada mãe e, naturalmente, ao meu esforço em torná-la real. Por outro lado, lamento muito que esta mesma lição que foi escutada por todos de minha família não tenha operado nos meus outros irmãos o mesmo resultado. É sempre assim. Às vezes, escutamos e assimilamos outras não. Lamentavelmente, na nossa vida, não aprendemos a ouvir os sinais. Mas, eles estão aí, quem tiver ouvidos pra ouvir que ouça, quem tiver olhos pra ver que veja, quem tiver boa vontade para fazer, que faça, os sinais estão em toda parte e, certos sinais poderão levar você ao sucesso ou à derrota. Eles estão aí. Eles existem e devem ser valorizados e  perseguidos, com vistas a sua efetiva concretização. PENSEM NISSO, ESCUTEM OS SINAIS.
* Domingos Pascoal é escritor, membro da Academia Sergipana de Letras

"Meus filhos, não tem saída, são vocês quem devem escolher: é a enxada ou caneta".Lídia Ximenes Melo

* Domingos Pascoal

Claro que a frase não foi assim, tão  bem construída, como a que está aci- ma transcrita. Mas a passagem, bem como a cena onde ela foi verbalizada, ficou para sempre gravadas na minha alma: era noite escura no Cantodoamaistempo, lugarejo perdido do mundo distando alguns quilômetros da cidade de Groaíras, no sertão do Ceará. Na casa de taipa onde morávamos, a luz mortiça de uma lamparina pendurada num cambito enfiado na parede de barro, iluminava aquela cena inesquecível. Todos nós, da família, (com exceção do meu pai já houvera migrado para o sul), sentados no chão de terra batida ouvíamos minha mãe contar histórias enquanto, diligentemente, pedalava uma máquina de costura.
Ela não era e nem é uma mulher letrada. Por isso, creio que a elocução verbalizada deve ter sido mais ou menos assim: "meus fios é vocês que escoe é a caneta ou a enxada. Ou seja, meus filhos: ou vocês aprendem a ler e a escrever, ou irão, obrigatoriamente, continuar com a penosa e rústica, profissão do seu pai: trabalhar na roça com enxada,  foice ou machado na mão, sob o sol, a "russara" o mato e o calor. Não há outra saída. Vocês têm apenas estas duas possibilidades. A bem da verdade, existia uma terceira possibilidade, a de migrar para o sul, (naquele tempo e naquele lugar tudo era sul: Rio de Janeiro era sul, São Paulo era sul e, até Brasília, era sul). Porém, a minha mãe era muito apegada aos seus filhos e, na cabeça dela, esta era uma hipótese de que não gostava nem de pensar: um filho seu viajar pra longe? De jeito nenhum: "enquanto eu puder costurar, plantar e criar uns bichinhos – ela dizia – meus filhos ficam comigo, onde come um comem três", ela sequer cogitava esta infeliz ideia de um filho seu sair do seu raio de cuidado, imagina viajar para longe dela…!
Todavia, para tristeza da minha mãe, naquela mesma década de sessenta não houve escapatória, todos tivemos que nos retirar dali inclusive ela, minha mãe, e as crianças. Meu pai já tinha ido, eu fui em 1968 para o Rio de Janeiro, minha irmã foi um pouco antes para São Paulo e, meu irmão mais novo do que eu seguiu-me em 69 e, já em 1970, acabou que todos tiveram que partir em retirada, fugindo da seca, da pobreza, da sede e da fome. Ela, minha mãe  viajou para o Rio de Janeiro onde já estávamos eu e meu irmão e, de lá, foi para São Paulo, onde morava a minha irmã. Mas, naquela grande metrópole, igualmente não ficou muito tempo, pois meu pai já morava em Brasília, e foi pra lá que ela seguiu meses depois. Na Capital Federal ficou até o ano de 2012 quando se mudou para Fortaleza, onde passou pouco tempo e já retornou a Brasília de novo e de lá não quer sair. Aquela frase, porém, nunca me saiu da cabeça: a caneta ou enxada. Na verdade eu detestava aquele trabalho e, fiquei a matutar: tenho que pensar na caneta, pois, mesmo muito jovem já era obrigado a capinar usando a tal da enxada e, não gostava, fazia por obrigação, não tinha outra saída, embora tenha tentado várias atividades, mesmo ainda muito pequeno, com dinheiro emprestado, experimentei comprar e vender galinhas, ovos e garrafas e, também, ajudar nas feiras o que eu não queria era a danada da enxada, da foice e nem do machado. Não tolerava os calos nas mãos, as coceiras pelo corpo e o calor do sol, a irritação e o suor. Não. Eu não queria continuar trabalhando no mato. Trabalhar no mato era e é ainda muito desconfortável, o contato com o mato irrita a pele o sol, o suor, a poeira e a "russara", são motivos para ninguém gostar, "russara" era como denominávamos a irritação, coceira e o desconforto provocados pelo contato do mato com o corpo. Era um tremendo mal estar.
Decidi, assim, que iria escolher a caneta. Eu tinha nove anos, foi a melhor decisão que tomei em minha vida. Não tinha a menor ideia de onde isso iria me levar. Na verdade eu só tinha sido apresentado a uma caneta quando um parente meu veio do Rio de Janeiro e me mostrou uma, na verdade não cheguei nem a tocá-la, só a vi na mão dele, que logo colocou no bolso pra ninguém pegar. Porém, só em me ver livre daqueles suplícios provocados por aqueles instrumentos de tortura, bem como do contato com o mato, já seria muito bom. Acreditei que nada seria pior que um machado, uma foice ou uma enxada dentro daquele matagal horroroso.
Aquelas palavras operaram em mim uma convicção inabalável: não quero trabalhar no mato, pronto! Tenho que aprender a usar esta danada de caneta. Eu quero a caneta. Não quero mais a enxada…
Essa resolução, acertadamente tomada, trouxe-me ao que sou hoje. Sinto-me realizado e me realizando a cada dia, graças àquela bendita frase verbalizada pela minha amada mãe e, naturalmente, ao meu esforço em torná-la real. Por outro lado, lamento muito que esta mesma lição que foi escutada por todos de minha família não tenha operado nos meus outros irmãos o mesmo resultado. É sempre assim. Às vezes, escutamos e assimilamos outras não. Lamentavelmente, na nossa vida, não aprendemos a ouvir os sinais. Mas, eles estão aí, quem tiver ouvidos pra ouvir que ouça, quem tiver olhos pra ver que veja, quem tiver boa vontade para fazer, que faça, os sinais estão em toda parte e, certos sinais poderão levar você ao sucesso ou à derrota. Eles estão aí. Eles existem e devem ser valorizados e  perseguidos, com vistas a sua efetiva concretização. PENSEM NISSO, ESCUTEM OS SINAIS.

* Domingos Pascoal é escritor, membro da Academia Sergipana de Letras

 

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