A escravidão no Brasil
Publicado em 12 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia
* Manoel Moacir Costa Macêdo
O Brasil é um país jovem. Uma sociedade em construção. Para o antropólogo Darcy Ribeiro no livro "Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil", ainda não houve tempo para identificar uma "raça brasileira". Uma miscigenação ímpar do que significa racialmente "ser brasileiro". Não somos um povo alvo de olhos verdes, embora existam brasileiros com tais fenótipos. Não somos amarelos, olhos esticados e oblíquos, mas existem brasileiros com tais feições. Não somos negros de cabelos duros e pele escura, mas possuímos a matriz africana. Não somos orientais, face reta e angular, mas temos tais características. Não somos vermelhos, cabelos pretos e lisos como os índios, mas deles devemos a nossa origem. Não somos singulares, mas plurais. Somos negros, marrons, morenos, amarelos, brancos e vermelhos. Isso é "ser brasileiro". Uma sociedade multirracial, fermentada nas diferenças, por isso, devemos ser tolerantes e diversos.
Oficialmente descobertos e colonizados por Portugal, que manteve por séculos em suas Colônias, o furor da exploração pela escravidão do homem pelo homem, referenciada na "cor negra", a mais cruel das escravidões. Seres humanos comercializados como uma mercadoria de baixo valor, e da pior espécie. Negros avaliados pela usura mercantilista, pelo vigor dos dentes, dos musculosos braços, pernas e largura corporal. Mazela persistente nesse medieval padrão até os anos setenta, em países africanos como Angola e Moçambique. Premissa da atual desigualdade, corrupção e insensibilidade social, numa sociedade predominantemente cristã. O botânico austríaco Johann Emanuel Pohl veio ao Brasil pela primeira vez em 1817 e não gostou do que viu. Achou os brasileiros degenerados, as cidades sujas e simplórias. Neste País a moralidade é baixa e os brancos, uma gente preguiçosa, arrogante e de ‘constituição fraca’, que delegava até os trabalhos mais simples aos escravos.
Sentimentos e expressões dessa história continuam tatuados em nossa índole em modernas e sutis formas, a exemplo da suposta "democracia racial". Não se transforma no curto tempo uma sociedade colonial e escravocrata por quatro séculos. Haverão de surgir transformações estruturais que abalem as pilastras medievais que ainda sustentam essas mazelas, injúria que mancha a história de qualquer sociedade por seus açoites, dores e sofrimentos físicos e espirituais. O Brasil foi à última Nação do Ocidente a libertar-se da escravidão negra como mão-de-obra para um "processo mecânico de produção", substituto da tardia industrialização; e custou um século para o racismo ser tipificado como "crime inafiançável e imprescritível" no ordenamento jurídico pátrio. Estudos recentes mostram que trabalhadores resgatados em condições análogas ao trabalho escravo em sua maioria – em torno de oitenta e um por cento -, são pardos, pretos e analfabetos.Não se pode conhecer o Brasil, sem aprofundar na sua verdadeira história, e continuarmos com análises seletivas e superficiais, reproduzidas pelos interesses dos vencedores.
A escravidão do Brasil clamava por misericórdia e piedade. A estratégia para enfrentar o despotismo escravocrata combinou o humanismo, a coragem, a filosofia, e o sigilo encarnados na maçonaria, que abraçou as propostas abolicionistas e o fim do trabalho escravo. O compromisso imperial em 1810 era de uma "abolição gradual", o "jeitinho brasileiro", que vem de longe.Em 1798, em Salvador, Bahia, uma das primeiras lojas maçônicas, "Cavaleiros da Luz", ajudou os escravos a iniciar a Revolta dos Alfaiates, a primeira revolução social brasileira.Em meados do século XIX, Luiz Gama, advogado da loja maçônica "América", em São Paulo, dedicou-se a libertar os escravos apor ações judiciais ou tirando-os à força das fazendas, encaminhando para esconderijos, como o "Quilombo de Jabaquara", em São Paulo. Louvores, às bravuras da maçonaria na Lei do Ventre Livre em 1871; nos Sexagenários em 1885 e na Lei Áurea, assinada em 13 de maio 1888. Um vazio suspeito de registros históricos permaneceu após a formal abolição, numa época em que a sociedade brasileira era essencialmente rural, e o poder estava lastreado na quantidade de terras dos latifúndios improdutivos, a exemplo das Capitanias Hereditárias. As titulações e cargos políticos estavam vinculados ao patronato rural.
Ao ganhar a liberdade, os escravos recebiam o sobrenome dos donos das propriedades, mas permaneciam ao menos dez anos a eles subordinados. A frase do Barão de Cotegipe, o único Senador do Império que votou contra o projeto de abolição da escravatura, ainda é atual. Disse ele à Princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea: "A Senhora redimiu uma raça, perdeu um trono". Apesar da formalidade da "libertação dos escravos", continuamos com uma dolorosa desigualdade, em particular com os negros. Mantemos diferenças abismais entre pobres e ricos; brancos e negros; homens e mulheres. Os salários dos negros são metade dos brancos. A apropriação do público pelo privado continua resistente em formas sofisticadas, como a riqueza advinda do crime organizado, da lavagem de dinheiro, da corrupção e do aparelhamento do Estado por interesses privados. Somos uma sociedade, desigual, violenta e pouco educada. Os negros têm doze mais chances de serem assassinados do que os brancos.Nem os pecados capitais prescritos nas cartilhas cristãs que estão conosco desde a chegada das Caravelas de Pedro Álvares Cabral, enfraquecem a dura desigualdade que nos coloca no rol dos países caudatários da civilização. O Brasil é o oitavo país com o maior índice de desigualdade social e econômica, acompanhado dos países africanos, Namíbia, Lesoto e Serra Leoa. Uma negação ao Iluminismo que, ao fim da Idade Média, proclamava que a razão seria fonte de legitimidade para a instauração da liberdade, igualdade e fraternidade.
As razões latentes para evitar as rupturas sociais, no sentido da civilidade continuam subordinadas aos interesses econômicos desprovidos do conceito de Nação, em sutis formais,controles,e compensações. Para o abolicionista Rui Barbosa: "a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, não igualdade real".
* Manoel Moacir Costa Macêdo, PhD pela UniversityofSussex, Brigthon, Inglaterra