Sábado, 30 De Novembro De 2024
       
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A feijoada de Amaral e a Sergipanidade


Publicado em 24 de outubro de 2024
Por Jornal Do Dia Se


O poeta Amaral Cavalcante (Arquivo)

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Antes de partir desta para melhor, o poeta Amaral Cavalcante bateu os quatro cantos de Aracaju atrás de uma autêntica feijoada sergipana, com tudo quanto é verdura misturada ao feijão carioca (ai, ironia!), mais a calabresa e o charque. Morreu sem esse gosto. E, também por isso, eu não engulo essa tal Sergipanidade.
Neste 24 de outubro, data eleita pelo estamento estadual para celebrar os laços supostamente atados entre a população de carne e osso e um lugar imaginário,convém refletir dois minutos sobre a  memória pouca dos nativos desta terra e a razão da efeméride.
A sergipanidade é uma peça de marketing, uma invenção estritamente burocrática, acolhida de bom grado por um bando de artistas famintos de oportunidades. Uma vez por ano, todo mundo lembra as canções de Ismar Barreto, as madonas de Zé Fernandes, as piruetas de Lu Spinelli. Depois, nunca mais.
Em verdade, a memória ora evocada não passa de um afrodisíaco elitista, aventada para virar notícia de jornal. De fato, em tempos de fundamentalismo crescente, imaginar que todo mundo fazia fila na frente do Tropeiro para ouvir Amorosa cantar um amor mundano e laico dá um tesão danado.
Digo e repito: Sergipe é uma terra sem memória. Recordo, por exemplo, um monumento singelo, modelado para lembrar os trinados do seresteiro Antonio Teles, incrustado no passeio da avenida Beira Mar. Anos atrás, sob o pretexto de uma reforma, a Prefeitura de Aracaju arrancou o toco de árvore estilizado (era assim a escultura) e nunca mais plantou nada no lugar.
Aqui, só o poder político e a força da grana perduram. O batismo das pontes e das ruas por onde passam toda a gente evocam fortunas acumuladas e brutalidade.
Segundo Milan Kundera, “a luta do homem contra o poder é sempre uma luta da memória contra o esquecimento”. Lembro da feijoada negada a Amaral e penso que se o escritor tcheco estiver certo, nós, os sergipanos, estamos lascados.
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