Em prol do axé baiano.
A festa de milhões
Publicado em 21 de julho de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos – riansantos@jornaldodiase.com.br
Leio sobre uma nova edição do Pré Caju, uma festa agora modesta, lembro dos embates travados na avenida Beira Mar, quando a festa de Fabiano Oliveira interditava a cidade por dias a fio. Nenhuma saudade.
A elite política do Estado pode insistir nas alegadas virtudes da prévia carnavalesca promovida pela ASBT o quanto bem entender, mas o Pré Caju sempre foi uma festa de caráter estritamente privado. A playboyzada branquela, bem nascida e meio desmiolada que brincava amparada pela corda sabe. E a negada que pulava atrás do trio, na pipoca, também. Não explica o entusiasmo de govervadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas da administração pública e matizes ideológicas com os batuques dos outros. Antes, ilumina a degeneração dos valores em voga aqui e agora, bem embaixo do nariz de todo mundo.
Dois mais dois é igual a quatro. Se o intento comercial e pecuniário de uns poucos justifica a mobilização de todo o aparelho público do lugar, significa dizer, ao mesmo tempo, que a política pode se converter em um exercício a serviço de grupos restritos. Por isso alguns conseguem captar milhões para promover a pegação de um bando leitim-cum-pêra junto a uma instância superior do Governo Federal, num estalar de dedos (micareta é festa pra beijar na boca). It’sall business. Aos Encontros Culturais do interior sergipano, eventos que já atraíram a atenção do país inteiro para os batuques da gente, gerando emprego e renda por meio de uma aliança imbatível entre Cultura e Turismo, no entanto, não se destina mais nem um tostão furado.
Farinha do mesmo saco – Reza a lenda que político não costuma dar ponto sem nó. Se for mesmo verdade, o Pré Caju é um grande negócio. As maiores divergências já foram silenciadas pelos pracatuns que transbordavam dos trios elétricos ao longo da Avenida Beira Mar. O Corredor da Alegria ganhou status de palanque suprapartidário. Gregos e troianos abraçados nos camarotes. Abadás coloridos sobre as bandeiras desbotadas de antigamente.
De acordo com matéria do jornalista Lucio Vaz publicada pelo Correio Braziliense há um bom par de anos, em 2011, quando causou certo rebuliço, Jackson Barreto (PMDB), Albano Franco (PSDB) Jerônimo Reis (DEM), José Carlos Machado (DEM) e Valadares Filho (PSB), além do baiano Emiliano José (PT), então deputados federais, destinaram quase R$ 16 milhões em emendas parlamentares para que a ASBT promovesse três edições de uma prévia carnavalesca que afrontava claramente uma série de direitos dos cidadãos sergipanos, impedidos de trafegar livremente pelas principais artérias da cidade nos dias de festa. Isso, pra não mencionar a conivência de governadores e prefeitos com a gastança ao longo de décadas, quando assumiram completa responsabilidade pela segurança, limpeza e organização do evento. Esquerdistas e direitos os irmanados, braços dados em prol do axé baiano.
A boa vontade dos entes públicos com os promotores do Pré Caju, no entanto, não parou por aí. A festa foi incluída no calendário turístico e cultural da capital por lei municipal em 1993. Três anos depois, outra lei reconheceu a ASBT como entidade gestora e organizadora do evento. Depois, a associação foi agraciada com o certificado de utilidade pública estadual, sem fins lucrativos. A micareta chegou a ser reconhecida pelas autoridades como um evento estratégico, uma das principais cartadas para promover o turismo local. Os gestores nunca explicaram, contudo, porque depois do investimento vultoso, realizado durante mais de duas décadas a fio, nem mesmo aquele que já foi o principal financiador da festa reconheceu a capital sergipana como destino apropriado para os visitantes.
Foi o Ministério do Turismo quem indicou os 184 destinos adequados para receber os turistas durante a Copa do Mundo de 2014. No Nordeste, foram contempladas cidades do Maranhão, Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Bahia e Ceará. Entre os nove estados nordestinos, Sergipe foi o único deixado de fora. E não poderia ser diferente. A ausência de investimento na cadeia produtiva da cultura local redundou numa espécie de não-lugar simbólico, sobre o qual nenhum traço de autenticidade prospera. Há, sim, sopapos de inspiração genuína. Mas sem a criação de mercado, estes ficam reduzidos a esforços individuais, sem a necessária abragência e pujança de uma indústria criativa, capaz de atrair a curiosidade dos milhares interessados na descoberta de valores locais. O MPF/SE poderia colocar o prejuízo na conta do Pré Caju, tranquilamente.