A fina flor do trabalhismo

Rian Santos
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Pensando bem, nada mais equivocado do que presentear com uma flor. O sujeito tem pressa, corre de um lado para outro em sapatos apertados por toda sorte de compromissos. O relógio não dá trégua, o pior dos patrões. Apesar de tudo, cadarços e ponteiros, ele comete a delicadeza. Não passa de um tolo. Pretendia fazer um gesto bonito, termina por se envergonhar.
Não, as mulheres não querem saber de flores, estou ciente. Nem hoje, nem amanhã. Oferecidas com formalidade, por força de conveniência, convenhamos, as flores carregam apenas o perfume ordinário do comércio barato. Nem viço, nem convite à luxúria. A fragrância enjoada dos cosméticos sufoca o desabrochar do lapso adormecido sob o tal instante.
A História se insinua, no entanto, por trás das prendas da efeméride. Contra todas as aparências, o dia 08 de março não é produto de campanha publicitária, não encontra razão de ser nas rendas de lingeries. Evoca, antes, o sangue, o suor, as lágrimas de mulheres operárias submetidas às condições mais degradantes. Sim, a fina flor do trabalhismo, o leitor me perdoe o trocadilho irônico, foi pisoteada pelas mesuras do patriarcado, a fim de vender perfumes.
Esvaziada, a data serve agora a apelos identitários – os mais justos, aliás! -, além de se prestar à expiação da má consciência entre os machos de plantão. O infeliz tem culpa no cartório. Em casa, ele não lava um prato, uma cueca, não passa uma camisa, não dá um prego numa barra de sabão. Para ele há o Dia Internacional da Mulher – oportunidade de júbilo, ocasião de se mostrar atencioso, fazer bonito.
Se conselho fosse bom, eu berraria aos quatro ventos: jamais gastem dinheiro em floriculturas, não se atenham nunca às homenagens de calendário e ocasião. Convivam, apenas, em toda a extensão da palavra. Aprendam com Sartre e Beauvoir.