A greve dos caminhoneiros – Reflexos prováveis nas eleições gerais de 2018
Publicado em 06 de junho de 2018
Por Jornal Do Dia
*Miguel dos Santos Cerqueira
"Como o homem moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado, sua auto-estima depende de condições que escapam o seu controle. Se ele tiver sucesso será "valioso"; se não, será "imprestável". O grau de insegurança daí resultante dificilmente poderá ser exagerado. (…). Se as vicissitudes do mercado são os juízes do valor gente, desaparece o sentimento de dignidade e brio" (FROMM, Erich. Psicanálise da sociedade contemporânea. Trad. Octávio Alves Velho. São Paulo: Círculo do livro, 1984.)
Quanto ao resultado de eleições, dado o alto grau de manipulação e os amplos espaços para práticas diversionistas e de mistificações, nem mesmo a pitonisa mais assertiva pode assegurar que será aquele e não aqueloutro.
As manobras do dinheiro, a lavagem cerebral, o atrevimento da desfaçatez quase sempre conduz as maiorias a decidirem contrariamente aos seus próprios interesses, elegendo os interesses dos adversários, daqueles que são seus inimigos de classe como se fossem os seus próprios interesses.
As eleições gerais previstas para outubro próximo, quando se votará pela renovação de mandatos parlamentares e de ocupantes da presidência da república de dos governos dos estados federados, certamente guarda um alto grau de imprevisibilidade quanto àqueles que sairão vitoriosos das urnas eletrônicas. Contudo, ao que parece, pelo altissonante recado dado pelo movimento paredista dos caminhoneiros, todo aquele candidato que tiver a audácia, para não dizer cara-de-pau, de defender políticas e modelos econômicos e sociais nos quais o homem se vê e se sente como vendedor e mercadoria, onde as vicissitudes do mercado, sem ética nem regras, são os juízes do valor de cada homem, terão como respostas das urnas um não rotundo.
O enredo traçado pela grande mídia, de braços dados com o capital financeiro, do qual é a um só tempo ventríloqua e sócia minoritária, é o da defesa intemerata das vicissitudes do mercado, onde o homem é movido de inveja e despojado do sentimento de dignidade e brio. Os candidatos eleitos queridinhos da grande mídia são aqueles que se colocam no front da defesa do capital financeiro, aqueles que demonizam o Estado, tido por Satanás e Ferrabrás, mas que são intemeratos defensores dos segmentos empresariais que não desgrudam das tetas do Estado.
A cantilena diária dos jornais televisivos e os editoriais dos jornalões são todos no sentido de todos aqueles que não se ajoelham diante do deus mercado e que não rezam pelo catecismo da "mão invisível" são anátemas, são filhos do inferno, que pretendem o caos e a destruição. Porém, tudo não passa da mais rasteira manipulação de práticas diversionistas e de mistificações, posto que o povo está a sofrer e sentir na própria pele as consequências da "mão invisível" no mercado, sem freios e sem regras, a agir como se fora espécie de Robin Hood ao avesso, que transfere rendimentos dos mais pobres para os mais ricos, para aqueles que ficam no ápice da pirâmide.
De fato, o recado dado pelo movimento paredista dos caminhoneiros, que segundo dados estatísticos contou com mais 87% de aprovação da população, é de que o povo não está disposto a comprar "gato por lebre", que não vai se deixar levar por qualquer cara bonitinha, conversa fiada ou por conversa mole dos de sempre.
De modo meio enviesado, sem muita clareza, com a adesão maciça ao movimento dos caminhoneiros, que foi um verdadeiro balaio de gato, o povo quis dizer que essa política de livre mercado, que paga dividendos bilionários a financistas e rentistas, com total isenção de tributos, ao mesmo tempo em que sacrifica a mãe de família, que não pode comprar o botijão de gás de cozinha, é contrária aos seus interesses, que os interesses do banqueiro e o da grande mídia que os defende são totalmente nada têm a ver com os seus interesses de classe.
O establishment político, sem dúvida, encontrou meios eficientes de se autopreservar. A legislação eleitoral aprovada pelo Parlamento, como se fosse espécie de reforma política e eleitoral, trata-se na verdade de espécie de vacina contra a renovação dos quadros políticos. Foi uma manobra de enxadristas. Não obstante o artifício para a manutenção do status quo, certamente a manipulação e as práticas mistificadoras, com discursos requentados de moralismo, de combates a privilégios e a "marajás" não galvanizarão as atenções das maiorias que se vêem traídas com as promessas salvacionistas que sempre se repetem à epoca das eleições e, uma vez passado o pleito eleitoral, se deparam é com a salvaç&at ilde;o só para os ricos, os endinheirados, os da banca do grande capital e com a imposição de reformas para suprimir os seus direitos.
É certo que candidatos palatáveis para o mercado e até mesmo espécimes protofascistas têm arregimentado para os seus escretes de possíveis Ministros da Fazenda e presidente do Banco Central arautos do financismo e defensores do estado mínimo, é o que se vê dos assessores para assuntos de economia arrolados para as suas campanhas pelos pré-candidatos à presidência da república pelo PSL e pelo PSDB. Por certo estão contando com os expedientes dos Fake News, disseminados por membros do MBL e do Endireita Brasil, ou com a astúcia da grande mídia em transmudar os interesses do grande capital para se fazerem passar como se fossem os interesses dos trabalhadores de da classe média, para assim conduzirem o povo a votar contra os próprios interesses de classe, ou seja, agir com se fosse masoquista.
O movimento paredista dos caminhoneiros, os seus prováveis reflexos nas eleições de outubro de 2018, será que os debates que vicejarão na disputa eleitoral, sobretudo para a presidência da República, não serão aqueles do moralismo rasteiro, mas aqueles debates que tratem do modelo de Estado e modelo de nação e país que interessa a grande maioria, uma vez que contrariamente ao que afirmou recentemente um Ministro do STF, "o povo brasileiro não é viciado em Estado", o que povo brasileiro que é um Estado que não esteja apenas a serviço de apaniguados incrustados nos Poderes da República e nos Aparelhos de Estado e aqueles detentores do grande capital. A grande maioria do povo, aquele deserdada pelo Estado, quer e pretende e um Estado que não seja o seu carrasco, que não pratique extorsão e tosquie e depene impiedosamente os mais pobres.
Por certo, o recado dado pelo movimento paredista dos caminhoneiros foi o de quem, cair na armadilha do moralismo e, através da mistificação e manipulação, ganhar as eleições com discursos salvacionistas, mas que na verdade escondam a defesa dos interesses do grande capital, imediatamente após assumir o governo, se descobrirá sem legitimidade para governar e arremessará o país no caos, na algaravia e na balburdia, pois, o povo está farto de ser feito bobo da corte.
*Miguel dos Santos Cerqueira, Defensor Público, titular da Primeira Defensoria Pública Especial Cível do Estado de Sergipe, Estudioso de História e Filosofia e militante de Direitos Humanos