A igreja do diabo, uma narrativa adaptada
Publicado em 19 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia
Os partidos da extrema direita com apoio de uma sociedade vinculada moralmente ao fascismo, às empresas evangélicas e ao empresariado escravocrata, construíram no Brasil a igreja do diabo
* Ricardo Mezavila
Em A igreja do diabo, Machado de Assis faz uma narrativa carregada, tensa e perturbadora, mas de simples compreensão. Para o leitor mais aprofundado em questões ideológicas serve de paradigma político, porém para o leitor ainda mais aprofundado no momento brasileiro serve como modelo.
Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
Essa foi a trajetória do presidente Jair Bolsonaro, parlamentar de pouca expressão, movido por interesses provincianos e pessoais. Associado constantemente ao baixo clero, que é composto por deputados ratazanas que se escondem em plenário, fogem da tribuna e se encontram na calada da noite para repartir migalhas, lamber as unhas e sujar suas biografias.
Os partidos da extrema direita com apoio de uma sociedade vinculada moralmente ao fascismo, às empresas evangélicas e ao empresariado escravocrata, construíram no Brasil a igreja do diabo, doutrinando e persuadindo vulneráveis de que o mal pode ser melhor do que o bem.
Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. – proclamou o diabo.
O negativismo desse grupo genocida provoca, entre os fiéis seguidores da igreja do diabo, uma ira contra os poderes constituídos. O fanatismo desmobiliza os movimentos e relatórios emitidos pela Organização Mundial da Saúde para o enfrentamento à pandemia, e vão às ruas reivindicar o direito à contaminação.
Desconhecem, por exemplo, que o Exército enviou ofício às prefeituras dos municípios do Rio de Janeiro, deve ter enviado para todo o país, solicitando que se fizesse um levantamento de dados estatísticos referentes a quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de sepultamentos diários em suas respectivas áreas de responsabilidades.
O Brasil se tornou um país surreal que me envergonha profundamente. Tenho piedade dos amigos e parentes que colaboraram em bloco, servindo de alicerces para que o nazifascismo erguesse suas paredes e muros em nosso terreno.
* Ricardo Mezavila, escritor, Pós-graduado em Ciência Política, com atuação nos movimentos sociais no Rio de Janeiro