A inconstitucionalidade da ideologia de gênero
Publicado em 03 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia
* Paulo Franklin
A aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ocorrida no dia 15 de dezembro de 2017, não contemplou a ideologia de gênero em seu documento. Por se tratar de uma Lei Federal, espera-se que Estados e Municípios sigam tal determinação.
Ocorre que, em que pese ter sido a nova base curricular aprovada sem ideologia de gênero, o tema tem causado controvérsia, principalmente no que diz respeito ao direito (ou não) das escolas inserir em suas grades curriculares reflexões acerca da ideologia de gênero.
Pretendo, nas próximas linhas, demonstrar que a ideologia de gênero não está em sintonia com cláusulas pétreas contidas da Constituição Federal de 1988, no Código Civil Brasileiro, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em normas supralegais.
Considerada a Lei Maior do Estado, a Constituição Federal traz importantes direitos e garantias individuais que são tidas como cláusulas pétreas, ou seja, interesses políticos não podem se sobrepor a tais direitos e garantias, já que o legislador constituinte determinou sua imutabilidade enquanto perdurar o atual formato do documento.
Diversos princípios contidos na Constituição Federal demonstram que a ideologia de gênero não guarda consonância com os direitos e garantias ali contidas. O princípio da legalidade, contido no artigo 5º, inciso II, assinala que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, ou seja, aquilo que não é proibido é permitido.
O princípio da liberdade de consciência e de crença, contido no artigo 5º, incisos VI, VII e VIII, destaca, entre outras coisas, que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, ou seja, não pode o Estado disciplinar como a família deve educar os filhos. É em casa, com os pais, que primeiro os filhos aprendem valores que o acompanharão por toda a vida.
Assim, um pai e/ou uma mãe que esteja educando seus filhos com valores aprendidos de seus descendentes, por certo não faz algo inapropriado, pois exercita sua liberdade de consciência e de crença e não pode ser surpreendido com ideologias que preguem o contrário.
Neste sentido, o artigo 229 da Constituição Federal apresenta os pais como primeiros responsáveis por educar e criar os filhos menores. Já o Código Civil Brasileiro diz, em seu artigo 1.634, que é dever dos pais dirigir a educação e criação dos filhos menores.
Como se pode notar, as normas contidas na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro não deixam dúvidas: a educação deve ser descentralizada, ou seja, o papel do Estado deve se limitar a estabelecer os planos nacionais de educação, não lhe sendo atribuída a função de trazer temas que limitem o poder dos pais sobre os filhos e contrariem seus ensinamentos.
O Pacto de São José da Costa Rica, que é uma norma supra legal recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro desde 1992, traz importantes garantias legais, dentre as quais se destaca a contida no seu artigo 12, inciso IV, asseverando que os pais ou tutores têm direito que os filhos ou tutelados recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. Da forma como se apresenta, a ideologia de gênero ignora tais garantias.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) disciplina em seu artigo 71 que "a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento". O mesmo documento legal assegura ainda, em seu artigo 15, que a "criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis".
Para o Defensor Público Sérgio Renato de Mello (disponível em: bit.ly/2KeKzAe), o ensino da ideologia de gênero nas escolas pode ser equiparado a crimes previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com o autor, "tudo que pode levar o menor a ser corrompido em assuntos de sexualidade ou em sua identidade pode ser considerado crime". Neste sentido, cita o artigo 241-E do ECA, que assevera ser crime envolver crianças ou adolescente em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. Assim, conclui-se que o ensino, na perspectiva da ideologia de gênero, é para fins sexuais.
Se a ideologia de gênero passasse a fazer parte da BNCC, por certo estaríamos diante de evidente afronta a princípios contidos na Constituição Federal, essencialmente o que assegura a escusa de consciência (artigo 5º, inciso VIII). Mesmo laico, o Estado deve respeitar a crença religiosa de cada um, o que pressupõe também respeito aos valores disseminados por estas religiões, valores que são aprendidos pelos pais e mais tarde repassados aos filhos.
Conclui-se, portanto, que a ideologia de gênero fere flagrantemente a Constituição Federal por invadir um espaço que não lhe é devido: o de ingerir na criação das crianças no ambiente escolar. Estas crianças, quando crescerem, terão oportunidade de decidir seguir os valores que receberam dos pais ou ainda buscar outros que acharem convenientes. O que não se pode admitir, como bem alerta a médica Carla Dorgan, é transformar as escolas em laboratórios e as crianças em cobaias da ideologia de gênero.
* Paulo Franklin é advogado em atuação em Estância (OAB/SE 8387), pós-graduado em Direito Previdenciário e Direito Administrativo.