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A potestade da Fifa


Publicado em 26 de junho de 2014
Por Jornal Do Dia


*Ary Moreira Lisboa

A língua portuguesa, por ser uma das mais ricas e belas, é repleta de nuanças sutis, mais ou menos similares, em contrastes, opostas, formando oxímoros. Na Ásia Central, sobretudo ao Sul da Rússia, e até mesmo na região caucásica, há uma infinidade de países com os nomes terminados em ÃO: Azerbaijão, Kazakistão, Paquistão, Afeganistão, Turkistão e outros mais. Tal sufixo em nosso idioma demonstra aumentativo, grandeza, imensidão. Daí, a proliferação de estádios de futebol, hoje rebatizados por ingerência indevida e superior, de ARENAS, com o afastamento de nomes pomposos como Batistão, Castelão, Mineirão, Itaquerão, Mangueirão, para homenagear o dirigente ou governante que o construiu.

Pelas exigências da FIFA tais Arenas, Estádios que outrora eram conhecidos pelo simples e popular nome de Campos de Futebol, têm suas dimensões definidas, geralmente entre 120 metros de extensão por 75 metros de largura. Esta é a oficial. Contudo, pode variar. Tudo no universo é constituído de dois lados: masculino/feminino, alto/baixo, claro/escuro, e assim por diante. Sendo o sufixo ÃO uma expressão aumentativa de alguns substantivos, ou outra categoria gramatical, evidente que deve ter o seu contraste.

Na África Central, há uma tribo indígena onde todos os seus nativos são nanicos, isto é, não alcançam a altura de mais de 1,50 cm. São os pigmeus, os mesmos que protegiam o Fantasma, do anel com a Caveira, noivo de Diana, do cão Capeto e do cavalo Herói, das revistas em quadrinhos, que tanto sucesso fez para as crianças de antanho. De tão pequenos, já se transformaram em adjetivo com significado sem valor moral, às vezes. O escritor irlandês Jonathan Swift criou um país imaginário, em Viagens de Gulliver, denominado Lilliput, cujos habitantes eram de estatura infinitesimal. Teixeira de Freitas também usa e abusa do sufixo ÃO para designar seus estabelecimentos comerciais, numa demonstração de pujança, capacidade, competência, competitividade. Mas pecam pelo bom atendimento. Por isso, perdem o aumentativo para pigmeus e lilliputianos. Voltando aos campos de futebol, com as dimensões já descritas, onde 22 atletas maltratam uma bola, sob a supervisão de um gerente, geralmente de preto, para simbolizar o CÓCITO (um dos rios do inferno: justamente o das lamentações), com mais dois auxiliares nas laterais, outros tantos aos fundos e alguns mais supervisionando. E dão conta do recado, divertindo milhares de pessoas. Ao contrário dos ÃOS de Teixeira de Freitas, onde ninguém aparece para atender, embora a área ocupada seja imensa, com dois pavimentos. Aos fundos da Rodoviária velha, há um ÃO. É tão liliputiano, que tem apenas um caixa para atender aos compradores. Merece a visita dos Fiscais do Trabalho, da Receita Estadual, (e por que não?) da Federal. A pessoa atende ao caixa, confere a mercadoria, embala, empacota, recebe o pagamento e devolve o troco. Enquanto isso, a fila aumenta e desespera a todos que a ela acorrem, pela lentidão. O importante (?) é que tendo dois pavimentos, (ÃO) cada qual tem o seu caixa que não se integra ao outro, isto é, se um incauto efetuar uma compra no térreo, não poderá liquidar o débito na parte superior ou ao contrário. Imperioso se faz subir ou descer a escada (conforme a situação) para pagar sua conta.

Realmente, nos dias atuais, onde o governo acaba de implantar o valor dos impostos nas notas fiscais, com tanto empreendimento tecnológico, com tanto avanço de informática, somente um sistema jurássico empregado no Reino de Lilliput, pode ser consagrado, e mantido, numa cidade que tudo faz para deixar de ser provinciana. Muito embora carroças ainda pululem pelas ruas conduzidas por cavalos (um do quais a dirige) muitas vezes pela mão contrária. Mas o péssimo atendimento não ocorre apenas em estabelecimentos comerciais. Nos consultórios médicos, são frequentes, salvo raríssimas exceções, como nos dos drs. Fortunato e José Arnóbio. Alguns chegam ao desplante de designarem somente um dia no mês para que uma consulta seja marcada, ou seja, doze dias por ano. Acaso o paciente chegue no dia posterior ao designado, como aconteceu comigo, somente no outro dia do mês seguinte poderá ser marcada a consulta, não se sabe para quando, se a atendente se dignar a suspender a vista para encará-lo. É preciosidade demais. Mas não faltaram recursos para as ARENAS. Enquanto isso a saúde, educação, segurança, transporte urbano, as estações rodoviárias, as estradas, os aeroportos, deverão permanecer ao nível de uma Uganda qualquer. Em 40 países pesquisados em excelência, ficamos no honroso 38º lugar. (Estas páginas foram escritas antes do início da Copa. Ainda bem que nenhum dos nossos atletas frequenta estabelecimentos comerciais e consultórios médicos de nossa cidade. Que não se mirem neles e troquem decisivos passes com pontaria final e certeira no fundo da rede adversária). Guimarães Rosa não se estarreceu ao ouvir Riobaldo dizer: "O bom da vida é para cavalo, que vê capim e come". Grande Sertão: Veredas, pg. 269.  

* Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor

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