Sábado, 11 De Janeiro De 2025
       
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A REVOLUÇÃO FRANCESA E A BOÊMIA LITERÁRIA


Publicado em 04 de outubro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Qualquer estudo sobre os antecedentes da Revolução Francesa, que tem tenha como marco o ano de 1789, versa pelo tripé: economia, sociedade e política. O movimento das ideias é tratado de forma simplória e reduz-se à ação que teve o Iluminismo no estouro da revolução, versando notadamente sobre figuras como Rousseau, D´Alembert e Voltaire.
Robert Darnton, no livro Boêmia Literária e a Revolução – o submundo das letras no Antigo Regime, publicada em 1989, pôs em xeque o chamado Alto Iluminismo e sua correlação direta e visceral com a Revolução Francesa, e trouxe à tona, para uma melhor compreensão desse processo histórico, as minorias ou os excluídos da produção revolucionária dos "salões".
Os anos que antecederam a 1789 foram muito conturbados na França de Luís XVI. Época, também, de muita miséria. O povo sofria fortes mazelas de um regime aristocrático e com fortes feições feudais. A liberdade política era inexistente. O direito de expressão era fiscalizado e punido com severidade. O Ancien Régime distribuía "letres de cachet" – uma espécie de mandado de prisão – a todo momento, lotando as prisões.
Aquele momento de efervescência política deu espaço para que algumas pessoas pudessem se organizar e levar adiante pensamentos revolucionários e os pusessem em prática por meio de programas de ação política. Via de regra, coube aos filósofos este papel, suscitando muitas dúvidas e incertezas sobre o seu caráter realmente revolucionário. 
Robert Darnton em sua obra percebe dois espaços na produção literária daquele período da história francesa que mais tarde irá influenciar o mundo também: o "monde", dos autores consagrados – a exemplo de Voltaire; e o "underground", dos autores excluídos. O foço entre eles era muito grande, embora tivessem em comum a crítica à aristocracia e ao Antigo Regime.
A posição do "philosophe" era conhecida, dava destaque a pessoa. Para Berenice Cavalcante (1991): "(…) o impulso para ingressar nesse meio era alimentado pelo desejo de também serem ouvidos não apenas pelo monde, mas quem sabe talvez até pelos monarcas, viver em castelo, seguindo os passos de Voltaire ou ganhar notoriedade através da aceitação na Academia de Letras" (p. 28).
Assim, os espaços da literatura eram restritos e se davam nos "salões". A lógica não era a qualidade das produções, mas o que como estas lhe conferiam prestígio. Consequentemente, os que ficavam à margem daquele esquema, viviam no submundo da literatura, onde as coisas não tinham regras e o temas eram multifacetados, com destaque para a libido e o anticlericalismo. 
Para René Rémond, "(…) as teorias políticas não são concebidas apenas no silêncio dos gabinetes, por pensadores isolados, mas alimentam também os movimentos de opinião. (…) Constitui-se assim, no fim do Antigo Regime, uma espécie de vulgata que populariza as ideias dos filósofos e que é difundida bem além do círculo dos leitores" (1974, p. 113). 
Ora, em grande medida pode-se afirmar que os filósofos não tinham um compromisso tácito com a revolução. Voltaire, inclusive, propunha uma reforma. Os verdadeiros revolucionários, na melhor acepção da palavra, foram os subliteratos, com sua linguagem "picante" e provocadora.
Havia uma certa hipocrisia entre os "homens de letras". Uma hipocrisia literária, pois o que escreviam, normalmente, ficava no papel, na letra morta, e acabou respondendo em seguida aos desejos de alguns grupos, a exemplo dos Jacobinos, que se inspiraram em Rousseau. 
Ao tratar dos boêmios da literatura pré-revolucionária francesa, Robert Darnton nos presenteia com uma análise cujo processo é inverso: dos de baixo para cima. Ele mergulha fundo nos porões da história dos "libeles" e os chamados "Rousseau de sarjeta", homens ilustrados, mas que por razões de ordem social e econômica jamais poderiam ocupar os salões e serem ouvidos.
A boemia literária teve um papel significativo na eclosão e nos desdobramentos da Revolução Francesa de 1789. Seus escritores se arriscavam no campo da literatura não-oficial ou marginal, se marginalizavam e eram marginalizados, perseguidos pelo Antigo Regime e muitas vezes tendo sua criatividade castrada por uma "letre de cachet".
Quem foram eles? Homens como Brissot, de espírito livre e com passagem, por dois meses, na Bastilha; Le Senne, um "pobre diabo" que fez do iluminismo underground a sua vida e foi obrigado a fugir da França por doze anos, com viagens entre Billoy e Reims; Mauvelain, principal figura do comércio clandestino de livros considerados ilegais pelo sistema.
Para Darnton, o submundo da literatura no Antigo Regime francês, com seu veneno mordaz e seu anti-moralismo deu à Revolução Francesa a sua contribuição de minar pelas bases do sistema, fundado que era, justamente, no falso moralismo, na hipocrisia, na libertinagem escamoteada pela preces, no verniz literário, que ascendia as pessoas pelo garbo e pela estirpe.

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos

Qualquer estudo sobre os antecedentes da Revolução Francesa, que tem tenha como marco o ano de 1789, versa pelo tripé: economia, sociedade e política. O movimento das ideias é tratado de forma simplória e reduz-se à ação que teve o Iluminismo no estouro da revolução, versando notadamente sobre figuras como Rousseau, D´Alembert e Voltaire.
Robert Darnton, no livro Boêmia Literária e a Revolução – o submundo das letras no Antigo Regime, publicada em 1989, pôs em xeque o chamado Alto Iluminismo e sua correlação direta e visceral com a Revolução Francesa, e trouxe à tona, para uma melhor compreensão desse processo histórico, as minorias ou os excluídos da produção revolucionária dos "salões".
Os anos que antecederam a 1789 foram muito conturbados na França de Luís XVI. Época, também, de muita miséria. O povo sofria fortes mazelas de um regime aristocrático e com fortes feições feudais. A liberdade política era inexistente. O direito de expressão era fiscalizado e punido com severidade. O Ancien Régime distribuía "letres de cachet" – uma espécie de mandado de prisão – a todo momento, lotando as prisões.
Aquele momento de efervescência política deu espaço para que algumas pessoas pudessem se organizar e levar adiante pensamentos revolucionários e os pusessem em prática por meio de programas de ação política. Via de regra, coube aos filósofos este papel, suscitando muitas dúvidas e incertezas sobre o seu caráter realmente revolucionário. 
Robert Darnton em sua obra percebe dois espaços na produção literária daquele período da história francesa que mais tarde irá influenciar o mundo também: o "monde", dos autores consagrados – a exemplo de Voltaire; e o "underground", dos autores excluídos. O foço entre eles era muito grande, embora tivessem em comum a crítica à aristocracia e ao Antigo Regime.
A posição do "philosophe" era conhecida, dava destaque a pessoa. Para Berenice Cavalcante (1991): "(…) o impulso para ingressar nesse meio era alimentado pelo desejo de também serem ouvidos não apenas pelo monde, mas quem sabe talvez até pelos monarcas, viver em castelo, seguindo os passos de Voltaire ou ganhar notoriedade através da aceitação na Academia de Letras" (p. 28).
Assim, os espaços da literatura eram restritos e se davam nos "salões". A lógica não era a qualidade das produções, mas o que como estas lhe conferiam prestígio. Consequentemente, os que ficavam à margem daquele esquema, viviam no submundo da literatura, onde as coisas não tinham regras e o temas eram multifacetados, com destaque para a libido e o anticlericalismo. 
Para René Rémond, "(…) as teorias políticas não são concebidas apenas no silêncio dos gabinetes, por pensadores isolados, mas alimentam também os movimentos de opinião. (…) Constitui-se assim, no fim do Antigo Regime, uma espécie de vulgata que populariza as ideias dos filósofos e que é difundida bem além do círculo dos leitores" (1974, p. 113). 
Ora, em grande medida pode-se afirmar que os filósofos não tinham um compromisso tácito com a revolução. Voltaire, inclusive, propunha uma reforma. Os verdadeiros revolucionários, na melhor acepção da palavra, foram os subliteratos, com sua linguagem "picante" e provocadora.
Havia uma certa hipocrisia entre os "homens de letras". Uma hipocrisia literária, pois o que escreviam, normalmente, ficava no papel, na letra morta, e acabou respondendo em seguida aos desejos de alguns grupos, a exemplo dos Jacobinos, que se inspiraram em Rousseau. 
Ao tratar dos boêmios da literatura pré-revolucionária francesa, Robert Darnton nos presenteia com uma análise cujo processo é inverso: dos de baixo para cima. Ele mergulha fundo nos porões da história dos "libeles" e os chamados "Rousseau de sarjeta", homens ilustrados, mas que por razões de ordem social e econômica jamais poderiam ocupar os salões e serem ouvidos.
A boemia literária teve um papel significativo na eclosão e nos desdobramentos da Revolução Francesa de 1789. Seus escritores se arriscavam no campo da literatura não-oficial ou marginal, se marginalizavam e eram marginalizados, perseguidos pelo Antigo Regime e muitas vezes tendo sua criatividade castrada por uma "letre de cachet".
Quem foram eles? Homens como Brissot, de espírito livre e com passagem, por dois meses, na Bastilha; Le Senne, um "pobre diabo" que fez do iluminismo underground a sua vida e foi obrigado a fugir da França por doze anos, com viagens entre Billoy e Reims; Mauvelain, principal figura do comércio clandestino de livros considerados ilegais pelo sistema.
Para Darnton, o submundo da literatura no Antigo Regime francês, com seu veneno mordaz e seu anti-moralismo deu à Revolução Francesa a sua contribuição de minar pelas bases do sistema, fundado que era, justamente, no falso moralismo, na hipocrisia, na libertinagem escamoteada pela preces, no verniz literário, que ascendia as pessoas pelo garbo e pela estirpe.

 

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