Sexta, 17 De Janeiro De 2025
       
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A surpresa do PIB


Publicado em 03 de junho de 2021
Por Jornal Do Dia


 

* Paulo Kliass
Agora é oficial. As estimativas mais otimistas relativa
mente ao desempenho da economia brasileira ao lon
go do primeiro trimestre deste ano foram confirmadas. Os números apresentados pelo IBGE apontam para um crescimento de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) na comparação com o trimestre imediatamente anterior. A partir dessa informação, passam a ser aguardadas as expectativas para o comportamento das atividades econômicos para o conjunto do ano 2021. Alguns bancos e consultorias econômicas já começam a trabalhar com cenários de 4% ou mesmo 5% de aumento do PIB.
Parece óbvio que é sempre recomendável alguma cautela quando se trata de fazer previsões para a economia, em especial em uma conjuntura como a que vivemos atualmente. Não há nenhuma certeza a respeito dos desdobramentos relativos à eventual terceira onda da covid em gestação, mas o fato é que esse fenômeno deverá trazer também consequências para a redução do ritmo da atividade da economia.
De toda forma, começa se configurar o quadro que parece apontar para a superação da recessão que marcou o ano passado, quando o Produto brasileiro recuou em 4,1%. Essa avaliação é fundamental para municiar de forma adequada a formulação da estratégia das oposições em relação ao governo Bolsonaro. A suposição de que o país permaneceria eternamente em um ambiente recessivo, sempre descendo alguns níveis abaixo pelo alçapão no fundo do poço, revela-se um equívoco. O fato de a economia oferecer números de crescimento não deve nos pegar de surpresa. É preciso incorporar esse dado na análise e centrar naquilo que seja essencial na crítica de Bolsonaro e seu governo.
PIB cresce, mas a maioria segue em crise
O fato de termos um Presidente genocida e um superministro da economia incompetente e neoliberal não nos permite a acomodação na mera denúncia da recessão. A dinâmica da própria economia termina por apresentar surpresas como esses números do PIB do primeiro trimestre e as forças oposicionistas precisam incorporar esse elemento e não brigar com a realidade. Já havia indícios apontando nesse sentido. O indicador "Índice de Atividade Econômica do Banco Central" (IBC-Br) é apurado pelo BC e costuma ser utilizado pelos analistas como uma espécie de "prévia do PIB". O resultado desse parâmetro para o primeiro trimestre de 2021 aponta um crescimento de 2,3% na comparação com o trimestre anterior.
Outra informação relevante refere-se à arrecadação tributária. Como a parte expressiva de nosso sistema de impostos recai sobre produção e consumo, pode-se inferir alguma coisa a respeito do comportamento da economia real a partir do desempenho da Receita Federal. Assim, o primeiro trimestre de 2021 também parece confirmar esta mesma tendência quando são avaliados os números da arrecadação do governo. De janeiro a março, por exemplo, o ingresso de recursos no caixa do Tesouro Federal foi de R$ 450 bilhões, um recorde para o primeiro trimestre da série histórica. Em termos reais, descontada inflação, os valores representam um crescimento real de 5,6% em relação ao primeiro trimestre de 2020.
Os números realmente surpreendem. Afinal esse mesmo país está mergulhado em sua maior crise econômica e social, com indicadores também recordes para o desemprego e para a baixa utilização da força de trabalho regular. Isso significa, para além da tragédia individual familiar e coletiva, que o nível de rendimentos das camadas da base de nossa pirâmide da desigualdade continua sendo baixo. Assim, um dos componentes fundamentais para o Produto (massa salarial e renda das famílias) não deve estar sendo atualmente o fator impulsionador desse crescimento das atividades gerais.
Na época da ditadura também era assim
O gastos do governo também costumam ser um elemento chave na retomada do PIB. Ocorre que a política de austeridade e as limitações das regras fiscais impedem que a elevação da despesa governamental atue como variável contra cíclica. Assim, o fator governo tampouco deve ser o que esteja na base do crescimento observado.
Normalmente, é necessário aguardar um certo tempo para que sejam analisadas todas as hipóteses envolvidas. De qualquer maneira, chama a atenção o desempenho das atividades relacionadas ao setor exportador, em especial aquelas vinculadas ao agronegócio e aos minerais. A agropecuária, por exemplo, cresceu bem acima da média e atingiu 5,6%. As exportações de bens e serviços também apresentaram desempenho superior às demais, crescendo 3,7%. Finalmente, os investimentos, ainda que abaixo dos níveis necessários, se elevaram em 4,6%.
Esse quadro compõe de forma exemplar a tristemente famosa frase proferida pelo General Emílio Garrastazu Médici, que havia sido um dos indicados para a Presidência da República durante ditadura militar que se instalou no Brasil, a partir do golpe de 1964. Ele era o chefe do governo à época do chamado "milagre econômico", quando PIB chegou a crescer a taxas elevadas, acima de 10%. Pois em 1974, ele confessou o sincericídio em entrevista à revista Visão:
(…) "A economia vai bem, mas o povo vai mal" (…)
Atualmente, o país segue mergulhado na tragédia da pandemia, sem que o governo tenha qualquer iniciativa para minorar os efeitos sobre a maioria da população e sobre a atividade econômica de forma geral. Questões urgentes, como a vacina e medidas compensatórias para viabilizar o isolamento social, passam longe da pauta de prioridades de Bolsonaro. Por outro lado, a manutenção do auxílio emergencial em níveis bastante reduzidos e na sequência de um primeiro trimestre sem nenhum recurso para os necessitados agrava a situação dos setores menos desfavorecidos da sociedade.
É preciso romper com o austericídio!
O mais provável é que Paulo Guedes e os "especialistas" chamados a dar sua opinião aos grandes meios de comunicação terminem por creditar esse resultado do PIB aos supostos acertos da política de austeridade fiscal e de privatização. Aquela velha e conhecida lenga-lenga de que finalmente as expectativas estão sendo cumpridas e que os investidores estariam retomando seus olhares para as possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro. A partir desse diagnóstico equivocado e elitista, sugerem que nada seja alterado no comando da economia e na sua estratégia de destruição do Estado e de desmonte das políticas públicas.
Com isso, temas como distribuição de renda, recuperação da dignidade e direitos no mercado de trabalho, recuperação de condições mínimas em saúde e educação, auxílio emergencial a R$ 600 e retomada de programas de infraestrutura com gasto público, entre outros, ficariam a ver navios. Trata-se de repisar o discurso em prol da liberalização da economia e da busca de soluções apenas como resultado da combinação das "livres" forças de oferta e demanda. Para esse pessoal, pouco importa que nos aproximemos da assombrosa marca de meio milhão de mortes pelo vírus ou que estejamos de volta aos mapa da fome e da miséria.
Para essa nata do financismo, o que vale mesmo é que o PIB voltou a crescer. A receita de Paulo Guedes se revela acertada e isso apenas confirma o acerto da opção que fizeram em outubro de 2018. E, por favor, não venham com esses "detalhes" que compõem o desastre em que o Brasil está mergulhado. Afinal, os números do IBGE confirmam que estamos no bom caminho. Alguém aí perguntou a respeito da situação de penúria por que passa a maioria do povo? Bobagem, isso é apenas uma questão de tempo. Logo será resolvida. Basta aguardar um pouco mais.
*Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

* Paulo Kliass

Agora é oficial. As estimativas mais otimistas relativa mente ao desempenho da economia brasileira ao lon go do primeiro trimestre deste ano foram confirmadas. Os números apresentados pelo IBGE apontam para um crescimento de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) na comparação com o trimestre imediatamente anterior. A partir dessa informação, passam a ser aguardadas as expectativas para o comportamento das atividades econômicos para o conjunto do ano 2021. Alguns bancos e consultorias econômicas já começam a trabalhar com cenários de 4% ou mesmo 5% de aumento do PIB.
Parece óbvio que é sempre recomendável alguma cautela quando se trata de fazer previsões para a economia, em especial em uma conjuntura como a que vivemos atualmente. Não há nenhuma certeza a respeito dos desdobramentos relativos à eventual terceira onda da covid em gestação, mas o fato é que esse fenômeno deverá trazer também consequências para a redução do ritmo da atividade da economia.
De toda forma, começa se configurar o quadro que parece apontar para a superação da recessão que marcou o ano passado, quando o Produto brasileiro recuou em 4,1%. Essa avaliação é fundamental para municiar de forma adequada a formulação da estratégia das oposições em relação ao governo Bolsonaro. A suposição de que o país permaneceria eternamente em um ambiente recessivo, sempre descendo alguns níveis abaixo pelo alçapão no fundo do poço, revela-se um equívoco. O fato de a economia oferecer números de crescimento não deve nos pegar de surpresa. É preciso incorporar esse dado na análise e centrar naquilo que seja essencial na crítica de Bolsonaro e seu governo.

PIB cresce, mas a maioria segue em crise
O fato de termos um Presidente genocida e um superministro da economia incompetente e neoliberal não nos permite a acomodação na mera denúncia da recessão. A dinâmica da própria economia termina por apresentar surpresas como esses números do PIB do primeiro trimestre e as forças oposicionistas precisam incorporar esse elemento e não brigar com a realidade. Já havia indícios apontando nesse sentido. O indicador "Índice de Atividade Econômica do Banco Central" (IBC-Br) é apurado pelo BC e costuma ser utilizado pelos analistas como uma espécie de "prévia do PIB". O resultado desse parâmetro para o primeiro trimestre de 2021 aponta um crescimento de 2,3% na comparação com o trimestre anterior.
Outra informação relevante refere-se à arrecadação tributária. Como a parte expressiva de nosso sistema de impostos recai sobre produção e consumo, pode-se inferir alguma coisa a respeito do comportamento da economia real a partir do desempenho da Receita Federal. Assim, o primeiro trimestre de 2021 também parece confirmar esta mesma tendência quando são avaliados os números da arrecadação do governo. De janeiro a março, por exemplo, o ingresso de recursos no caixa do Tesouro Federal foi de R$ 450 bilhões, um recorde para o primeiro trimestre da série histórica. Em termos reais, descontada inflação, os valores representam um crescimento real de 5,6% em relação ao primeiro trimestre de 2020.
Os números realmente surpreendem. Afinal esse mesmo país está mergulhado em sua maior crise econômica e social, com indicadores também recordes para o desemprego e para a baixa utilização da força de trabalho regular. Isso significa, para além da tragédia individual familiar e coletiva, que o nível de rendimentos das camadas da base de nossa pirâmide da desigualdade continua sendo baixo. Assim, um dos componentes fundamentais para o Produto (massa salarial e renda das famílias) não deve estar sendo atualmente o fator impulsionador desse crescimento das atividades gerais.

Na época da ditadura também era assim
O gastos do governo também costumam ser um elemento chave na retomada do PIB. Ocorre que a política de austeridade e as limitações das regras fiscais impedem que a elevação da despesa governamental atue como variável contra cíclica. Assim, o fator governo tampouco deve ser o que esteja na base do crescimento observado.
Normalmente, é necessário aguardar um certo tempo para que sejam analisadas todas as hipóteses envolvidas. De qualquer maneira, chama a atenção o desempenho das atividades relacionadas ao setor exportador, em especial aquelas vinculadas ao agronegócio e aos minerais. A agropecuária, por exemplo, cresceu bem acima da média e atingiu 5,6%. As exportações de bens e serviços também apresentaram desempenho superior às demais, crescendo 3,7%. Finalmente, os investimentos, ainda que abaixo dos níveis necessários, se elevaram em 4,6%.
Esse quadro compõe de forma exemplar a tristemente famosa frase proferida pelo General Emílio Garrastazu Médici, que havia sido um dos indicados para a Presidência da República durante ditadura militar que se instalou no Brasil, a partir do golpe de 1964. Ele era o chefe do governo à época do chamado "milagre econômico", quando PIB chegou a crescer a taxas elevadas, acima de 10%. Pois em 1974, ele confessou o sincericídio em entrevista à revista Visão:
(…) "A economia vai bem, mas o povo vai mal" (…)
Atualmente, o país segue mergulhado na tragédia da pandemia, sem que o governo tenha qualquer iniciativa para minorar os efeitos sobre a maioria da população e sobre a atividade econômica de forma geral. Questões urgentes, como a vacina e medidas compensatórias para viabilizar o isolamento social, passam longe da pauta de prioridades de Bolsonaro. Por outro lado, a manutenção do auxílio emergencial em níveis bastante reduzidos e na sequência de um primeiro trimestre sem nenhum recurso para os necessitados agrava a situação dos setores menos desfavorecidos da sociedade.

É preciso romper com o austericídio!
O mais provável é que Paulo Guedes e os "especialistas" chamados a dar sua opinião aos grandes meios de comunicação terminem por creditar esse resultado do PIB aos supostos acertos da política de austeridade fiscal e de privatização. Aquela velha e conhecida lenga-lenga de que finalmente as expectativas estão sendo cumpridas e que os investidores estariam retomando seus olhares para as possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro. A partir desse diagnóstico equivocado e elitista, sugerem que nada seja alterado no comando da economia e na sua estratégia de destruição do Estado e de desmonte das políticas públicas.
Com isso, temas como distribuição de renda, recuperação da dignidade e direitos no mercado de trabalho, recuperação de condições mínimas em saúde e educação, auxílio emergencial a R$ 600 e retomada de programas de infraestrutura com gasto público, entre outros, ficariam a ver navios. Trata-se de repisar o discurso em prol da liberalização da economia e da busca de soluções apenas como resultado da combinação das "livres" forças de oferta e demanda. Para esse pessoal, pouco importa que nos aproximemos da assombrosa marca de meio milhão de mortes pelo vírus ou que estejamos de volta aos mapa da fome e da miséria.
Para essa nata do financismo, o que vale mesmo é que o PIB voltou a crescer. A receita de Paulo Guedes se revela acertada e isso apenas confirma o acerto da opção que fizeram em outubro de 2018. E, por favor, não venham com esses "detalhes" que compõem o desastre em que o Brasil está mergulhado. Afinal, os números do IBGE confirmam que estamos no bom caminho. Alguém aí perguntou a respeito da situação de penúria por que passa a maioria do povo? Bobagem, isso é apenas uma questão de tempo. Logo será resolvida. Basta aguardar um pouco mais.

*Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

 

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