A tentação do caos e a anatomia da fraude
Publicado em 22 de agosto de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Foi preciso que um novo governo tomasse posse para que a poeira começasse a baixar e, com a oposição claudicante, o disco voltasse a girar em rotação normal
* Ronaldo Lima Lins
A confusão que tomou conta do país com as eleições de 2018, no meio do rol de tolices que circularam nos corredores do poder, deixou a população perplexa, com dificuldade de entender o que se passava. Apesar dos pesares, incluindo as quarteladas, com altos e baixos, sempre lográramos compreender a anatomia dos fatos e como nos defender deles. De repente, como se alguém nos jogasse areia nos olhos e perdêssemos a nitidez da visão, deixávamos de decifrar a natureza dos desdobramentos históricos. Onde apontavam correção, distinguíamos distorção e vice-versa, sem faltar anomalias como brutalidade no trato com os desfavorecidos, desamparo social e muita grosseria. O caos enganava até comentaristas experientes, mal se arriscando a prever o futuro imediato, muito menos movimentos adiante, por dois ou três anos.
Pouco a pouco, começou-se a notar que havia interesse no tumulto, em tormentas que se sucediam através de crises e escândalos intermináveis. Foi preciso que um novo governo tomasse posse, mesmo sem a transmissão da faixa, para que a poeira começasse a baixar e, com a oposição claudicante, o disco voltasse a girar em rotação normal. Os tumultos não cessaram. Apenas ficaram evidentes certas estratégias: fraudes nas manchetes de jornal e contornos definidos com exibições de ganância, graves cobiças e apropriação indébita de dinheiro – tudo por meio de joias e presentes concedidos ao Ex por estadistas estrangeiros. Ruiu o mito da honestidade alardeado pela propaganda oficial do antigo ocupante do Planalto.
Felizmente, em plena confusão, o alicerce judicial dos três poderes, o binômio STF/TSE, perfeitamente sólido e pronto para resistir como um navio de guerra, não apresentou rachaduras. Não perdeu o rumo nem se desorientou em nenhum instante. A invasão dos bárbaros na Praça dos Três Poderes, quebrou mesas e cadeiras, rasgou fotografias, danificou obras de arte e não dobrou a espinha dos ministros. Eles não se intimidaram. É como se não perdessem de vista até aonde aquilo chegaria e como agiriam em favor da Lei para preservar o andamento dos costumes. Enquanto isso, investigações prosseguiam e desmontavam, peça por peça, as arruelas no território das falcatruas.
Agora, começamos a rever correções e distorções do atual instante da nossa administração pública. Sempre se soube que as fraudes, para vingar, necessitam de uma boa confusão. É com ela que gente mal intencionada, faz o mal, dando a impressão de que pretende fazer o bem. Ainda por cima, as categorias do caos e da má-fé exercem fascínio, contaminam os que se encontram por perto e pintam a realidade com as cores da sedução, como se todos tivessem o direito de roubar. Negar a realidade, para escapar da condenação, constitui artifício conhecido. Um pequeno exército de iniciados, sem falar nos 01, 02, 03 etc. – parece bastante. Para o tamanho da empreitada, nem as hordas do 8 de janeiro lhe garantirão sucesso.
* Ronaldo Lima Lins, escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ