A venda da RLAM – Um negócio das Arábias
Publicado em 22 de maio de 2021
Por Jornal Do Dia
* Marival Matos dos Santos
A venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, ao Fundo de Investimento Árabe Mubadala por R$8.87bi revela, para além de um "Negócio da China", que Rockfeller tinha razão em falar que "uma Companhia de Petróleo é o primeiro e segundo melhores negócios do mundo". Foi um "Negócio das Arábias". Superou as Guerras do Ópio dos ingleses com os chineses (1839 – 1860).
No Brasil, são dignas de investigação de Sherlock Holmes e seu pupilo Dr. Watson as negociatas da venda de nossas refinarias. O processo de alienação do parque de refino brasileiro precificado na base da "propaganda" – compre oito refinarias e pague apenas uma – e leve de brinde o capital estrutural, o capital de giro, os estoques de petróleo, produtos químicos, catalisadores, almoxarifado, terminais e bases de distribuição, é um crime de lesa-pátria por desídia na administração do patrimônio público.
O valor do capital simbólico da RLAM pela história de lutas e de sangue é maior do que qualquer cifrão. Não há dinheiro que resgate esse capital histórico. A capacidade nominal de processamento da RLAM é de 377.388 barris/dia. Logo: 377.388 X 159 litros X 365 = 21.901.712.580 litros por ano. Considerando rendimentos médios por barril processado de 30% para a gasolina e 30% para o diesel equivalente a 6,5 bilhões de litros a R$5,8 por litro = R$38,10 bi (gasolina) e 6,5 bilhões de litros de diesel a R$ 4,35 por litro = R$28,58 bi; 1.75 bilhões de litros de GLP (8%) a R$5,5 = R$9,6 bi. Tem-se R$76,3bi, 68% da produção anual a preços ao consumidor para apenas 3 produtos.
O valor da RLAM comparadoao da refinaria de Ruwais (Estatal Árabe ADNOC)que em 2019 vendeu 20% (184.400 bpd do total de 922 mil bpd de Ruwais) para a OMV da Áustria, a US$ 18.076,60 por barril, e vendeu 15% (138.300bpd) de participação à ENI da Itália a US$ 17.895,90 por barril, enquanto a RLAM (377.378bpd) foi vendida a US$4.372,15, ou seja, 4,13 vezes menor, relativamente aos US$ 18.076,60 pagos pela OMV à ADNOC. Em 2018, a Shell vendeu para a Saudi Aramco (Arábia Saudita) uma participação de 300 mil bpd da Refinaria de Port Arthur (Texas) a US$ 9.333,33/barril, o dobro do valor da RLAM. Até mesmo o valor de venda de Passadena (EUA), que já foi da PETROBRAS, por US$ 7.200/bbl, supera o valor da RLAM.
Entende-se, em princípio, que a alienação da RLAM infringe o art. 3º da Lei 9.491/97 e infringe o art.177 da Constituição Federal, ressalvado na Lei de Concessão de Exploração de Petróleo (Lei 9.478/1997), além de infringir o Art 1º da referida Lei 9.478/1997 por não preservar o interesse nacional (Inciso I), não promover o desenvolvimento, não ampliar o mercado de trabalho e não valorizar os recursos energéticos (Inciso II), e por não proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos (Inciso III), e por não garantir o objetivo de fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional (Inciso V), nos termos do § 2º do art. 177 da Constituição Federal (Inciso II – Refinação de Petróleo) e art 4º da referida Lei 9.478/1997 -Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintesatividades: inciso II – a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro.
Portanto, de acordo com o exposto, a alienação da RLAM deve ser anulada, principalmente se a venda envolver transferência acionária, posto que assim estabelece o art. 23 da própria Lei 9.491/1997: "Será nula de pleno direito a venda, a subscrição ou a transferência de ações que impliquem infringência desta Lei".
Em 2016, o economista britânico Oliver Hart recebeu o Prêmio Nobel de Economia por suas notáveis colaborações à teoria dos contratos. Seus estudos apontam que as privatizações podem não ser benéficas em alguns casos, notadamente, quando a privatização é motivada por necessidade de caixa e não para funcionar de forma eficiente. O que normalmente acontece, quando a empresa pública é privatizada, em geral, declina de sua finalidade de atender o interesse público e usa seu poder de monopólio para aumentar preços. Em 1986, o prêmio Nobel de Economia James Buchanan declarou que o monopólio estatal é socioeconomicamente melhor para a sociedade do que o monopólio privado. A desnacionalização do setor petróleo no Brasil, sob a justificativa de gerar caixa ou abrir o mercado é caso para enquadramento dos decisores de plantão na Lei de Segurança Nacional se vivêssemos em um país soberano, sob o império da legalidade e do interesse público.
Os dirigentes atuais da política econômica e petrolífera no Brasil, para além da miopia política e da não aprendizagem sobre a relevância estratégica do petróleo e gás na economia mundial, padecem, claramente da "Doença Holandesa",r eferida na literatura acadêmica por Gelb (1988) que analisou o desastre econômico de países como a Indonésia, Algérie, Equador, Trinidade, Tobago e Venezuela, ricamente abundantes empetróleo. O Brasil, que foi abençoado com o chamado "bilhete premiado" (palavras do notável professor José Sergio Gabrielli, ex-presidente da PETROBRAS), caminha, de forma deliberada, na mesma direção dos países analisados por Gelb, isto é, dilapidará suas reservas petrolíferas e destruirá totalmente a PETROBRAS se não pararmos com essa desnacionalização.
Portanto, o que se observa, no Brasil, é uma perniciosa prática de desmonte da PETROBRAS e do restante de suas subsidiárias que operam em várias regiões do país, extinguindo suas operações no Norte e Nordeste e Sul para concentrar toda a política dos negócios petrolíferos nos Estados do Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Realmente, endossamos a tese dos Nóbeis de Economia, Oliver Hart (2016) e James Buchanan (1986), e, como assinalam Paulo Gala (2020) e André Roncáglia (2020), segundo os quais, o Brasil é mesmo uma Economia que não aprende.
Negócio das Arábias: TIR (856% a 1000%); Pay Back (45 dias)
Elementar meu caro Watson!
* Marival Matos dos Santos , MSc Economia (UFBA). Ed.D (ULHT/Portugal). Aposentado PETROBRAS. Atual diretor da Associação dos Engenheiros da PETROBRAS ( AEPET-BA)E-mail: Marival.Mattos@gmail.com