Sexta, 10 De Janeiro De 2025
       
**PUBLICIDADE
Publicidade

A VIDA VALENCIANA DE ALCEU


Publicado em 08 de agosto de 2020
Por Jornal Do Dia


 

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Concha Acústica do Teatro Castro Alves, Salvador. Era o mês de agosto de 2019. Eu e minha esposa estávamos na expectativa de assistir o show do Grande Encontro. Aquele certamente foi um dos melhores espetáculos que já tivemos a oportunidade de experimentar. No palco, três importantes nomes da Música Popular Brasileira: Geraldo Azevedo (75), Elba Ramalho (68) e Alceu Valença (74). Jovens anciãos, em alta performance e em alto nível. Do palco emanava talento, preciosidade, carisma e, sobretudo, energia. Muita energia!
E nesse sentido, destaco Alceu Valença, inquieto e versátil, cantava, dançava, pulava e improvisava como se tivesse pouco menos de duas décadas de vida. Alceu, valencianamente canta, encanta e recobra as forças e esperança de quem o vê e o escuta. A vida valenciana de Alceu é a conjugação de vários verbos e um, em especial, o define até a presente data e será, certamente, o timbre de seu legado: ser.
A sonoridade de Alceu Valença me tomou de assalto quando eu era ainda muito menino. Era o ano de 1983, quando passava férias no sítio de meu tio materno, Antônio Carlos dos Santos, em Lagarto. Naquele ano, entrava no ar a Emissora Rádio Progresso (cujas atividades foram encerradas em 2018). Estava tocando a canção Morena Tropicana (do álbum Cavalo de Pau, 1982). De lá pra cá, sua discografia está presente entre as minhas melhores playlists e em vários momentos.
Alceu Paiva Valença nasceu em São Bento do Una, em Pernambuco, no dia primeiro de julho de 1946. Uma cidade que tinha pouco mais de cinco mil habitantes, mas com uma vida cultural intensa, contanto com grupos teatrais e uma feira que marcou a sua infância. Ali ele se encontrava e ficava fascinado com sanfoneiros, emboladores e cordelistas. Aquelas lembranças da infância, sobretudo a parte cênica, Alceu levou consigo para toda a vida e refletiu sobremaneira em seu trabalho musical e artístico.
Seu pai, Seu Décio, nunca acreditou que ele prosperasse artisticamente. Que deveria investir no Direito. Alceu até concluiu o curso, para lhe dar esse orgulho. Mas, com o tempo, sobretudo com o incentivo da mãe, Dona Adelma, convenceu-se que a felicidade e realização do filho estaria na música. Foi a sua mãe quem lhe deu o primeiro violão. Aprendeu sozinho, só de ver os outros tocarem.
Migrou para a região sudeste em 1970, no Rio de Janeiro. No início, foi difícil, pois as rádios não tocavam suas músicas e nem tão pouco a TV. Era um ilustre conhecido. O rádio foi uma grande escola para Alceu, além da influência do frevo, de Nélson Ferreira. Ele ouvia Dalva de Oliveira, mas gostava mesmo e se identificou com Luiz Gonzaga, um de seus maiores ídolos e referências musicais.
Em 1979, rescindiu contrato com a gravadora Som Livre e se exilou em Paris, onde compôs a canção "Coração Bobo", que fez em homenagem a Jackson do Pandeiro. Foi gravada na Areola e conheceu, pela primeira vez, o gosto pelo sucesso: sua carreira decolou. Tanto que, em 1981, já curtia a fama de ser uma das grandes estrelas da Música Popular Brasileira, com shows pelo país e apresentações em programas de TV, em festivais e eventos os mais diversos.
Essa relação de Alceu com as gravadoras nem sempre foi tranquila. Para ele, houve um tempo em que elas, sobretudo as europeias, acreditavam e apoiavam a música brasileira. Isto provocou a reação das gravadoras norte-americanas que começaram a contratar os artistas para concorrer com as das Europa. Era o caso da RCA. Isto foi ruim, pois queriam ditar a criatividade dos artistas de acordo com a indústria cultural e com o lucro que ela pudesse oferecer. Ele chegou a bater de frente com isso e isso teve um preço que ele conseguiu driblar e vencer: estar fora da grande mídia, do rádio e até da TV. Isto ele o fez em nome da liberdade criativa. Ainda bem que assim ele procedeu. Seu repertório atesta.
Em 1982, Alceu ganhou o mundo, em uma apresentação épica em Montreaux, na França. Sua apresentação no Rock in Rio de 1985 foi épica. Com Carlos Fernando e Asas da América, ele participou de um processo de renovação e de reinvenção do frevo. Isso, fez de Alceu, também, um compositor de frevos.
Nos anos 90, emprestou sua arte para mostrar a miséria humana, os fossos sociais gritantes existentes nas grandes cidades brasileiras. No Rock in Rio de 1991, protestou contra o colonialismo cultural das nações ricas. Isso ficou claro em uma de suas duas apresentações naquele festival, depois da performance de Prince, ovacionado pelo público que foi ao delírio com seu show.
Também nos anos 90, fixou-se em Olinda, e passou a percorrer o Brasil e a investir mais em sua carreira internacional. Em 1996, juntou-se amigos de velha data, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Zé Ramalho e nasceu daí o projeto O Grande Encontro, que caiu no gosto popular e que até hoje, como vimos antes, arrasta multidões e lota teatros e outros espaços culturais.
Sua postura e produção independente alcançou êxito. Tanto que não precisou de gravadora para se (re)inserir nos espaços midiáticos. Além disso, procurou também atuar em outras áreas, como no cinema, na filmagem de A Luneta do Tempo (2009), época, segundo o próprio artista, em que teve um surto criativo.
Em maio de 1999, ele passou por um grande susto. Fez uma cirurgia no coração, que precisou de cinco pontes safenas. O cantor encarou este revés como uma ressureição e até brinca quando fala no assunto dizendo que assim como Recife, ele também tem várias pontes.
Para além de defender uma música nacional, Alceu Valença traduziu ao longo de sua carreira uma música brasileira que fosse capaz de olhar mais para dentro de si e que fosse capaz de se interiorizar. Assim Alceu Valença se define: "(…) é cantor metrificado. Tá em cima, tá de lado. Canta forró, rock, baião. Sou gamela de ouro do Oriente. Quem quiser que me aguente nos dez pés de carreira" (Na Embolada do Tempo, 2019).

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos

Concha Acústica do Teatro Castro Alves, Salvador. Era o mês de agosto de 2019. Eu e minha esposa estávamos na expectativa de assistir o show do Grande Encontro. Aquele certamente foi um dos melhores espetáculos que já tivemos a oportunidade de experimentar. No palco, três importantes nomes da Música Popular Brasileira: Geraldo Azevedo (75), Elba Ramalho (68) e Alceu Valença (74). Jovens anciãos, em alta performance e em alto nível. Do palco emanava talento, preciosidade, carisma e, sobretudo, energia. Muita energia!
E nesse sentido, destaco Alceu Valença, inquieto e versátil, cantava, dançava, pulava e improvisava como se tivesse pouco menos de duas décadas de vida. Alceu, valencianamente canta, encanta e recobra as forças e esperança de quem o vê e o escuta. A vida valenciana de Alceu é a conjugação de vários verbos e um, em especial, o define até a presente data e será, certamente, o timbre de seu legado: ser.
A sonoridade de Alceu Valença me tomou de assalto quando eu era ainda muito menino. Era o ano de 1983, quando passava férias no sítio de meu tio materno, Antônio Carlos dos Santos, em Lagarto. Naquele ano, entrava no ar a Emissora Rádio Progresso (cujas atividades foram encerradas em 2018). Estava tocando a canção Morena Tropicana (do álbum Cavalo de Pau, 1982). De lá pra cá, sua discografia está presente entre as minhas melhores playlists e em vários momentos.
Alceu Paiva Valença nasceu em São Bento do Una, em Pernambuco, no dia primeiro de julho de 1946. Uma cidade que tinha pouco mais de cinco mil habitantes, mas com uma vida cultural intensa, contanto com grupos teatrais e uma feira que marcou a sua infância. Ali ele se encontrava e ficava fascinado com sanfoneiros, emboladores e cordelistas. Aquelas lembranças da infância, sobretudo a parte cênica, Alceu levou consigo para toda a vida e refletiu sobremaneira em seu trabalho musical e artístico.
Seu pai, Seu Décio, nunca acreditou que ele prosperasse artisticamente. Que deveria investir no Direito. Alceu até concluiu o curso, para lhe dar esse orgulho. Mas, com o tempo, sobretudo com o incentivo da mãe, Dona Adelma, convenceu-se que a felicidade e realização do filho estaria na música. Foi a sua mãe quem lhe deu o primeiro violão. Aprendeu sozinho, só de ver os outros tocarem.
Migrou para a região sudeste em 1970, no Rio de Janeiro. No início, foi difícil, pois as rádios não tocavam suas músicas e nem tão pouco a TV. Era um ilustre conhecido. O rádio foi uma grande escola para Alceu, além da influência do frevo, de Nélson Ferreira. Ele ouvia Dalva de Oliveira, mas gostava mesmo e se identificou com Luiz Gonzaga, um de seus maiores ídolos e referências musicais.
Em 1979, rescindiu contrato com a gravadora Som Livre e se exilou em Paris, onde compôs a canção "Coração Bobo", que fez em homenagem a Jackson do Pandeiro. Foi gravada na Areola e conheceu, pela primeira vez, o gosto pelo sucesso: sua carreira decolou. Tanto que, em 1981, já curtia a fama de ser uma das grandes estrelas da Música Popular Brasileira, com shows pelo país e apresentações em programas de TV, em festivais e eventos os mais diversos.
Essa relação de Alceu com as gravadoras nem sempre foi tranquila. Para ele, houve um tempo em que elas, sobretudo as europeias, acreditavam e apoiavam a música brasileira. Isto provocou a reação das gravadoras norte-americanas que começaram a contratar os artistas para concorrer com as das Europa. Era o caso da RCA. Isto foi ruim, pois queriam ditar a criatividade dos artistas de acordo com a indústria cultural e com o lucro que ela pudesse oferecer. Ele chegou a bater de frente com isso e isso teve um preço que ele conseguiu driblar e vencer: estar fora da grande mídia, do rádio e até da TV. Isto ele o fez em nome da liberdade criativa. Ainda bem que assim ele procedeu. Seu repertório atesta.
Em 1982, Alceu ganhou o mundo, em uma apresentação épica em Montreaux, na França. Sua apresentação no Rock in Rio de 1985 foi épica. Com Carlos Fernando e Asas da América, ele participou de um processo de renovação e de reinvenção do frevo. Isso, fez de Alceu, também, um compositor de frevos.
Nos anos 90, emprestou sua arte para mostrar a miséria humana, os fossos sociais gritantes existentes nas grandes cidades brasileiras. No Rock in Rio de 1991, protestou contra o colonialismo cultural das nações ricas. Isso ficou claro em uma de suas duas apresentações naquele festival, depois da performance de Prince, ovacionado pelo público que foi ao delírio com seu show.
Também nos anos 90, fixou-se em Olinda, e passou a percorrer o Brasil e a investir mais em sua carreira internacional. Em 1996, juntou-se amigos de velha data, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Zé Ramalho e nasceu daí o projeto O Grande Encontro, que caiu no gosto popular e que até hoje, como vimos antes, arrasta multidões e lota teatros e outros espaços culturais.
Sua postura e produção independente alcançou êxito. Tanto que não precisou de gravadora para se (re)inserir nos espaços midiáticos. Além disso, procurou também atuar em outras áreas, como no cinema, na filmagem de A Luneta do Tempo (2009), época, segundo o próprio artista, em que teve um surto criativo.
Em maio de 1999, ele passou por um grande susto. Fez uma cirurgia no coração, que precisou de cinco pontes safenas. O cantor encarou este revés como uma ressureição e até brinca quando fala no assunto dizendo que assim como Recife, ele também tem várias pontes.
Para além de defender uma música nacional, Alceu Valença traduziu ao longo de sua carreira uma música brasileira que fosse capaz de olhar mais para dentro de si e que fosse capaz de se interiorizar. Assim Alceu Valença se define: "(…) é cantor metrificado. Tá em cima, tá de lado. Canta forró, rock, baião. Sou gamela de ouro do Oriente. Quem quiser que me aguente nos dez pés de carreira" (Na Embolada do Tempo, 2019).

 

**PUBLICIDADE



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE


**PUBLICIDADE
Publicidade